segunda-feira, 14 de abril de 2014

1970 | A Maldição de Montezuma

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O encontro entre os líderes Montezuma II e Hernán Cortés, em 8 de novembro de 1519, no palácio de Axayacatl, não teve agendamento prévio, confirmação por e-mail, troca de cartões, ata, cobertura da mídia e muito menos cafezinho. Ainda assim, foi uma importante reunião de negócios. O imperador asteca quebrou o protocolo e presenteou o conquistador espanhol com flores de seu próprio jardim — a mais alta honraria do império. Acreditando que Cortés era o enviado do deus asteca Quetzalcóatl, Montezuma II suspendeu todos os sacrifícios humanos. No final, eles apertaram as mãos.

Depois ter sido recebido de braços abertos, Hernán Cortés aprisionou o imperador que havia declarado fidelidade ao rei Carlos V. Os espanhóis dominaram Tenochtitlán (atual Cidade do México) e destruíram o império asteca. Antes de morrer, Montezuma II proferiu uma maldição: todo o estrangeiro que pisasse em solo mexicano seria acometido por um profundo mal estar, o qual foi chamado de “Mal de Montezuma”. Em 1970, o goleiro inglês Gordon Banks foi amaldiçoado.

O encontro entre Montezuma II e Hernán Cortés. O conquistador espanhol cortou o coração do imperador que cortava cabeças.

Brasil x Inglaterra era o jogo mais esperado da primeira fase. O confronto de campeões entre o bi mundial e a defensora do título correspondeu às expectativas. Sem Gérson, reprovado nos exames médicos, a seleção canarinho teve, mais uma vez, dificuldades diante dos ingleses. A começar pelo lance mais célebre da partida, e um dos mais marcantes da história das Copas.

A jogada teve início com Carlos Alberto, que enfiou de três dedos para Jairzinho, nas costas do lateral Cooper. Jair se livrou do rival, foi à linha de fundo e cruzou a bola a centímetros de sair. Pelé e Wright subiram juntos, e a bola escolheu quem sempre a tratou melhor. O Rei cabeceou firme para o chão, de olhos bem abertos, como só ele sabia fazer. E gritou gol.

Pelé sobe para testar. A cabeceada do Rei era tida como uma das mais perfeitas execuções do movimento.

Porém, num lapso de segundo, o goleiro Banks mostrou todo o seu reflexo debaixo das traves. Com um tapa, ele desviou a bola para o alto. Escanteio. Tostão não acreditou, tampouco Bobby Moore. Se Pelé marcou um “gol de placa” em 61 (contra o Fluminense, no Maracanã), naquela tarde, o segundo “não-gol” do Rei em 70 proporcionou a Banks uma “defesa de placa” — eleita a maior de todos os tempos.

A Rainha já sabia. Um dia antes da partida, o goleiro havia recebido a Ordem do Império Britânico, passando a fazer parte da galeria dos ingleses mais notáveis de todos os tempos.

Pouco depois, Lee teve a chance de fazer o que Pelé não fez. Mas cabeceou em cima de Félix, livre de marcação. O primeiro tempo terminou em branco. No intervalo, com o sol a pino — a partida começou ao meio-dia —, o time brasileiro demorou cinco minutos a mais para voltar dos vestiários. Os jogadores ingleses, que retornaram no tempo previsto, ficaram expostos ao sol quente à espera dos brasileiros. Sorte do goleiro Banks, que conseguiu se proteger na sombra da trave.

O único gol do jogo saiu aos 14min do segundo tempo. E foi memorável. Tostão deu um chega pra lá em Alan Ball (com o braço), um ‘rolinho’ em Bobby Moore (com o pé esquerdo) e cruzou (de direita), depois de deixar Wright no chão. Pelé amorteceu a bola e esperou a chegada dos desesperados ingleses. Com classe, ele rolou para o lado e Jairzinho veio como um foguete: ajeitou e encheu o pé na saída de Banks. Desta vez, o goleiro nada pôde fazer: Brasil 1 a 0. Alan Ball ainda chutou uma bola no travessão de Félix, antes do apito final decretar a vitória brasileira.

Pela alegria de Pelé e Bobby Moore fica difícil saber quem saiu vitorioso. O Rei disse que Moore foi o "melhor zagueiro com quem já jogou contra, além de ser um cavalheiro."

Nem tudo estava perdido para os súditos de Sua Majestade. Na terceira rodada, os ingleses venceram os tchecos pelo placar mínimo e se classificaram para as quartas de final. O adversário era nada mais nada menos que a Alemanha Ocidental, que queria revanche da final da última Copa.

Confiante, Bobby Moore chegou a declarar que o English Team já estava esperando o adversário na final. O capitão inglês só não contava com uma refeição mal digerida por seu guarda-meta. Na véspera da partida contra os germânicos, Gordon Banks se esbaldou num banquete apimentado e regado a muita tequila, na concentração. No dia seguinte, foi obrigado a trocar o campo de jogo pelo banheiro. Os médicos ingleses constataram um impiedoso desarranjo intestinal. Mas os mexicanos não tinham dúvida: o “Mal de Montezuma” havia atacado mais uma vez.

Sem o seu “Bank of England” (apelido do goleiro Banks, em razão da segurança transmitida), o técnico Alf Ramsey escalou o reserva Peter Bonetti, que também sofria do mesmo mal, e não informou à delegação britânica. As câmeras captaram durante toda a partida as expressões faciais do arqueiro indisposto. A Inglaterra chegou a abrir 2 a 0 no marcador, com Mullery e Peters, mas permitiu a reação alemã. Beckenbauer e Seeler levaram a partida para a prorrogação. Esgotados, os ingleses sucumbiram com um gol de Gerd Müller, que aproveitou a bola alçada na área e, livre na pequena área, virou o placar para 3 a 2.

Müller marca seu oitavo gol na Copa.  A Alemanha Ocidental estava vingada e nas semifinais. A atual campeã, derrotada e eliminada.

Para muitos, a ausência de Banks foi determinante para a eliminação da Inglaterra. Assim como o goleiro inglês, inúmeras pessoas já foram vítimas da suposta “vingança” do imperador no decorrer dos anos. Entrentanto, mais do que uma praga do asteca, a eliminação inglesa foi uma lição ao time mais presunçoso que a Copa do Mundo já viu.

Não é de se admirar que o veneno do imperador tenha sido substituído por um tempero do cozinheiro do hotel.

O Calendário Asteca, também conhecido como Pedra do Sol, exposto no Museu Nacional de Antropologia, na Cidade do México. Os ingleses levaram a própria água para a Copa e acabaram bebendo do próprio veneno.





7/6/1970 – Guadalajara – Brasil 1 x 0 Inglaterra — Melhores Momentos



Um comentário:

  1. Excelente! A ilustração do encontro de Montezuma com Cortés é realmente extraordinária.

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