terça-feira, 18 de março de 2014

1954 | A Batalha de Berna

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A artilharia, um dos recursos das forças armadas, se utiliza de armamento pesado, produz fogos potentes e profundos e tem grande poder de destruição. O conceito é militar, mas se enquadra perfeitamente na Copa de 54.

Em 26 “batalhas”, foram 140 “disparos” bem-sucedidos às redes — 5,38 gols por partida, a média mais alta da história das Copas. Resultados como 9 a 0, 8 a 3, 7 a 5 e 4 a 4 passearam pelos gramados suíços. Na terra da diplomacia, prevaleceu a artilharia pesada.

A principal responsável por essa façanha, claro, foi a Hungria. A seleção magiar assinalou a incrível marca de 27 gols em cinco jogos e obteve a maior média de uma seleção em Copas do Mundo: 5,2 por partida. Um recorde que, em tempos de futebol-resultado, dificilmente será alcançado.

O início de Copa húngaro foi arrasador. Na estreia, uma sonora goleada por 9 a 0 contra os sul-coreanos, perdidos tanto dentro como fora de campo, já que não falavam uma palavra em inglês, francês ou alemão. Com a vitória diante da Alemanha Ocidental, na segunda partida — a história desse jogo você lê amanhã, aqui no DE LETRA NA COPA —, os húngaros alcançaram as quartas de final com um pé nas costas.

Puskás solta a bomba para abrir o placar contra a Coreia do Sul.

Se a classificação húngara foi tranquila, a brasileira foi “dramática”. Depois de estrear novamente goleando o México, por 5 a 0 — no Mundial anterior, em 50, o placar foi de 4 a 0 —, o Brasil chegou para o confronto contra a Iugoslávia precisando do empate para se classificar. Só que, pasmém, a comissão técnica e os jogadores não sabiam disso.

Com o 1 a 1 no placar — Didi, para o Brasil, e Zebec, para a Iugoslávia —, os jogadores da Seleção partiram desesperadamente para o ataque, acreditando que necessitavam da vitória. Ao final do jogo, alguns atletas saíram chorando do gramado, imaginando que estavam desclassificados.

O Brasil desesperado para marcar contra a Iugoslávia: comédia pastelão.

A eliminação, na verdade, veio na partida seguinte. O duelo entre Brasil e Hungria, pelas quartas de final, teve de tudo um pouco: gols, lances duvidosos, expulsões, pancadaria e até garrafadas. Só não teve Puskás, que, lesionado, assistiu ao embate das arquibancadas. O jogo, um dos episódios mais lamentáveis de todas as Copas, ficou conhecido como a “Batalha de Berna”.

Antes do início da partida, dirigentes invadiram o vestiário brasileiro e obrigaram os jogadores a beijar a bandeira nacional. Os atletas tiveram que ouvir discursos patrióticos classificando o jogo como uma vingança pela morte dos pracinhas na Segunda Guerra Mundial. O problema é que ninguém se deu conta de que húngaros e brasileiros jamais se enfrentaram no conflito. O resultado não poderia ser outro: o Brasil entrou em campo com os nervos à flor da pele.

Brasil x Hungria teve 42 faltas marcadas, um absurdo para a época.

Debaixo de chuva, a Seleção Brasileira foi surpreendida logo aos 4min. Numa confusão na área tupiniquim, Hidegkuti aproveitou a falha do zagueiro Pinheiro e abriu a contagem. 3min depois, Kocsis foi lançado e, de cabeça, encobriu o goleiro Castilho. 7min de jogo e o Brasil já perdia por 2 a 0.

Mas o que parecia o início de um massacre se transformou em esperança. Aos 18min, Índio foi derrubado na área e Djalma Santos diminuiu, de pênalti. 2 a 1, placar do primeiro tempo.

Na volta do intervalo, a Hungria continuou melhor, mas contou com uma ajudinha da arbitragem. Aos 15min, o árbitro marcou pênalti no choque entre Pinheiro e Czibor. Não adiantou nada reclamar: Lantos cobrou e aumentou a vantagem húngara.

5min depois, o ponteiro Julinho Botelho fez o segundo gol brasileiro, em uma arrancada de tirar o fôlego. A Seleção se animou e mandou duas bolas na trave adversária. Pouco depois, Nilton Santos e Boszik trocaram socos e foram expulsos.

A 2min do fim, o artilheiro Kocsis marcou o quarto gol para a Hungria, em suposto impedimento. 1min depois, o centroavante Humberto perdeu a cabeça e chutou Lóránt — a segunda expulsão brasileira.

O brasileiro Castilho entrou para a história como um goleiro "milagreiro".

Assim que o árbitro encerrou a partida, começou a confusão. Segundo Djalma Santos, o médico brasileiro, Newton Paes, teria jogado uma garrafa de água — na época eram de vidro, não de plástico — em Puskás. Só que a garrafa atingiu o alvo errado: o brasileiro Pinheiro. Quando o zagueiro se virou para ver quem havia arremessado o objeto, alguém gritou o nome de Puskás. Foi aí que deu início à pancadaria, que envolveu polícia, imprensa, dirigentes e jogadores, e se estendeu até os vestiários.

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, alguns torcedores brasileiros, insuflados pelas declarações do radialista Mario Vianna, partiram em vingança e depredaram a embaixada da... Suécia?

Pelo visto, o médico da Seleção não era o único brasileiro ruim de mira.

O capitão brasileiro Bauer tenta apaziguar os ânimos durante a "Batalha de Berna".


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