Para ler o texto anterior, "Recomeços", clique aqui.
A artilharia, um dos recursos das forças armadas, se utiliza de armamento pesado, produz fogos potentes e profundos e tem grande poder de destruição. O conceito é militar, mas se enquadra perfeitamente na Copa de 54.
A artilharia, um dos recursos das forças armadas, se utiliza de armamento pesado, produz fogos potentes e profundos e tem grande poder de destruição. O conceito é militar, mas se enquadra perfeitamente na Copa de 54.
Em 26 “batalhas”, foram 140 “disparos” bem-sucedidos
às redes — 5,38 gols por partida, a média mais alta da história das Copas. Resultados
como 9 a 0, 8 a 3, 7 a 5 e 4 a 4 passearam pelos gramados suíços. Na terra da
diplomacia, prevaleceu a artilharia pesada.
A principal responsável por essa façanha, claro, foi a
Hungria. A seleção magiar assinalou a incrível marca de 27 gols em cinco jogos
e obteve a maior média de uma seleção em Copas do Mundo: 5,2 por partida. Um
recorde que, em tempos de futebol-resultado, dificilmente será alcançado.
O início de Copa húngaro foi arrasador. Na estreia,
uma sonora goleada por 9 a 0 contra os sul-coreanos, perdidos tanto dentro como
fora de campo, já que não falavam uma palavra em inglês, francês ou alemão.
Com a vitória diante da Alemanha Ocidental, na segunda partida — a história
desse jogo você lê amanhã, aqui no DE LETRA NA COPA —, os húngaros alcançaram as
quartas de final com um pé nas costas.
Puskás solta a bomba para abrir o placar contra a Coreia do Sul. |
Se a classificação húngara foi tranquila, a brasileira
foi “dramática”. Depois de estrear novamente goleando o México, por 5 a 0 — no Mundial anterior, em 50, o placar foi de 4 a 0 —, o Brasil chegou para o
confronto contra a Iugoslávia precisando do empate para se classificar. Só que,
pasmém, a comissão técnica e os jogadores não sabiam disso.
Com o 1 a 1 no placar — Didi, para o Brasil, e Zebec,
para a Iugoslávia —, os jogadores da Seleção partiram desesperadamente para o
ataque, acreditando que necessitavam da vitória. Ao final do jogo, alguns
atletas saíram chorando do gramado, imaginando que estavam desclassificados.
O Brasil desesperado para marcar contra a Iugoslávia: comédia pastelão. |
A eliminação, na verdade, veio na partida seguinte. O
duelo entre Brasil e Hungria, pelas quartas de final, teve de tudo um pouco:
gols, lances duvidosos, expulsões, pancadaria e até garrafadas. Só não teve
Puskás, que, lesionado, assistiu ao embate das arquibancadas. O jogo, um dos
episódios mais lamentáveis de todas as Copas, ficou conhecido como a “Batalha
de Berna”.
Antes do início da partida, dirigentes invadiram o
vestiário brasileiro e obrigaram os jogadores a beijar a bandeira nacional. Os
atletas tiveram que ouvir discursos patrióticos classificando o jogo como uma
vingança pela morte dos pracinhas na Segunda Guerra Mundial. O problema é que
ninguém se deu conta de que húngaros e brasileiros jamais se enfrentaram no
conflito. O resultado não poderia ser outro: o Brasil entrou em campo com os
nervos à flor da pele.
Brasil x Hungria teve 42 faltas marcadas, um absurdo para a época. |
Debaixo de chuva, a Seleção Brasileira foi
surpreendida logo aos 4min. Numa confusão na área tupiniquim, Hidegkuti
aproveitou a falha do zagueiro Pinheiro e abriu a contagem. 3min depois, Kocsis
foi lançado e, de cabeça, encobriu o goleiro Castilho. 7min de jogo e o Brasil
já perdia por 2 a 0.
Mas o que parecia o início de um massacre se
transformou em esperança. Aos 18min, Índio foi derrubado na área e Djalma
Santos diminuiu, de pênalti. 2 a 1, placar do primeiro tempo.
Na volta do intervalo, a Hungria continuou melhor, mas
contou com uma ajudinha da arbitragem. Aos 15min, o árbitro marcou pênalti no choque
entre Pinheiro e Czibor. Não adiantou nada reclamar: Lantos cobrou e aumentou a
vantagem húngara.
5min depois, o ponteiro Julinho Botelho fez o segundo
gol brasileiro, em uma arrancada de tirar o fôlego. A Seleção se animou e
mandou duas bolas na trave adversária. Pouco depois, Nilton Santos e Boszik trocaram
socos e foram expulsos.
A 2min do fim, o artilheiro Kocsis marcou o quarto gol
para a Hungria, em suposto impedimento. 1min depois, o centroavante Humberto
perdeu a cabeça e chutou Lóránt — a segunda expulsão brasileira.
O brasileiro Castilho entrou para a história como um goleiro "milagreiro". |
Assim que o árbitro encerrou a partida, começou a
confusão. Segundo Djalma Santos, o médico brasileiro, Newton Paes, teria jogado
uma garrafa de água — na época eram de vidro, não de plástico — em Puskás. Só que a
garrafa atingiu o alvo errado: o brasileiro Pinheiro. Quando o zagueiro se
virou para ver quem havia arremessado o objeto, alguém gritou o nome de Puskás.
Foi aí que deu início à pancadaria, que envolveu polícia, imprensa, dirigentes
e jogadores, e se estendeu até os vestiários.
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, alguns torcedores
brasileiros, insuflados pelas declarações do radialista Mario Vianna, partiram
em vingança e depredaram a embaixada da... Suécia?
O capitão brasileiro Bauer tenta apaziguar os ânimos durante a "Batalha de Berna". |