terça-feira, 1 de abril de 2014

1962 | A Alegria do Povo

Para ser abduzido pelo texto anterior, "O Marciano das Pernas Tortas", clique aqui.


Jânio Quadros não era rico, não era influente, nem bonito e muito menos simpático. E, ainda por cima, era desajeitado. Ainda assim, foi eleito presidente com o recorde de votos até então no Brasil. Assumiu em 31 de janeiro de 1961 e, pressionado pelos militares, renunciou seis meses e 27 dias depois. Em sua carta de renúncia, em 25 de agosto, Jânio revelou que “forças terríveis se levantaram contra ele”, e terminou dizendo que “há muitas formas de servir nossa pátria”. Garrincha provavelmente não leu a carta — ele não sabia ler —, mas traduziu a mensagem ao pé da letra.

Depois de fazer de tudo um pouco nas semifinais — dribles, passes, gols e até um “pontapé amistoso” —, Mané fora absolvido por cinco votos a dois no julgamento da comissão disciplinar da FIFA e estava apto para disputar a grande final. Porém, no dia da decisão contra os tchecos, o craque acordou gripado, com quase 40 graus de febre.

A expulsão na semifinal contra o Chile foi a única de Garrincha em toda a carreira.
Ele respondeu a uma cusparada e um tapa no rosto dado pelo chileno Eládio Rojas com um singelo pontapé.

A Tchecoslováquia estava confiante pela vitória de 3 a 1 sobre a forte Iugoslávia, nas semifinais, a ponto do volante Nowak declarar que “sem Pelé e Garrincha, o Brasil era um time comum.” Quando os tchecos souberam que Garrincha iria para o jogo mesmo febril, foram eles que ficaram doentes.

Sem Pelé e com Mané, a Seleção Brasileira entrou no Estádio Nacional, em Santiago, amplamente apoiada pela torcida da casa. Na véspera da final, os chilenos haviam derrotado os iugoslavos na disputa de terceiro lugar — 1 a 0, gol de Rojas no último minuto — e declarado seu apoio ao Brasil. Com gritos de “Hoy Chile tercero, mañana Brasil en primero”, a honra do continente estava em jogo.

Assim como em 38, o Brasil enfrentou a Tchecoslováquia duas vezes em 62, com um empate e uma vitória.

Era o segundo encontro entre Brasil e Tchecoslováquia na Copa. No primeiro, válido pela primeira fase, houve empate sem gols — a única partida que a Seleção não havia vencido no Mundial. Os tchecos mostraram que eram mesmo uma pedra no sapato dos brasileiros aos 15 minutos do primeiro tempo. Masopust — que receberia o prêmio Bola de Ouro da revista “France Football” no final daquele ano — aproveitou a falha da defesa brasileira e abriu o placar para os europeus.

A euforia durou pouco. Dois minutos depois, Zagallo bateu o lateral para Amarildo, que se livrou de dois marcadores e chutou, quase sem ângulo, no contrapé do goleiro Schroif: 1 a 1. Era o terceiro gol do substituto de Pelé na Copa do Mundo. O primeiro tempo terminou com mais 45 minutos de empate entre as duas seleções.

Na falta de Pelé e de um chuveiro, Garrincha corre para abraçar Amarildo, no gol de empate.

O Brasil voltou melhor do intervalo, e, aos 25 minutos, virou a partida. Zito partiu num contra-ataque rápido e lançou Amarildo na esquerda. O “Possesso” fez excelente jogada, cortou o zagueiro e cruzou fora do alcance do goleiro tcheco. Zito acompanhou bem o lance e, livre, só encostou a cabeça para estufar as redes: 2 a 1.

Tchecos observam Zito subir sozinho para fazer o segundo gol brasileiro.

A Tchecoslováquia foi para cima querendo o título que lhe havia escapado das mãos em 1938, na França. No entanto, a arbitragem parecia que não iria colaborar. Três minutos depois da virada brasileira, Jelinek chutou de dentro da área e a bola bateu na mão de Djalma Santos. O árbitro Nikolai Latichev interpretou como “bola na mão” e não marcou o pênalti. O lance gerou muita reclamação do técnico Rudolf Vytlacil.

Se Djalma Santos foi quase um vilão no lance do “pênalti”, aos 33 minutos ele foi um dos responsáveis pelo terceiro gol da Seleção. O lateral brasileiro deu um balão para a área tcheca e o goleiro Schroif, atrapalhado pelo sol, soltou a bola nos pés de Vavá. Com o gol — o quarto na competição —, o “Peito de Aço” se tornou o primeiro jogador a marcar gols em duas finais consecutivas de Copa.

Vavá comemora o seu quarto gol no Mundial, que o igualou na artilharia com Garrincha, Ivanov (URSS),
Florent (Hungria), Sánchez (Chile) e Jerković (Iugoslávia). A artilharia durou 31 anos.

Não houve tempo para reação. Os 3 a 1 no placar condecoraram o Brasil com a Taça Jules Rimet, mais uma vez. A Seleção Brasileira havia se igualado a Uruguai e Itália com dois títulos mundiais cada um. Durante a comemoração no campo, um repórter de uma rádio local, ao entrevistar Garrincha, pediu ao brasileiro: “Dále un adios al micrófono”. Sem hesitar, Garrincha respondeu: “Adiós, micrófono”.

No auge da carreira, aos 29 anos, “o ponta-direita mais extraordinário que o futebol já conheceu” — segundo o jornal francês “L’Équipe” — se despedia, sem saber, de sua última conquista na Seleção Brasileira. Na vitória sobre “aquela equipe com a camisa do São Cristóvão” ele passou em branco. Mas, ali, no gramado do estádio Nacional de Santiago, ficariam para sempre as lembranças dos dribles mágicos e da genialidade quase acidental do homem que driblou a razão.

Para a alegria do povo. 

O capitão Mauro repete o gesto de Bellini e levanta a Taça Jules Rimet.  


Em pé: Djalma Santos, Zito, Gilmar, Zózimo, Nilton Santos e Mauro;
agachados: Garrincha, Didi, Vavá, Amarildo e Zagallo.