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Jânio Quadros não era rico, não era influente, nem
bonito e muito menos simpático. E, ainda por cima, era desajeitado. Ainda
assim, foi eleito presidente com o recorde de votos até então no Brasil. Assumiu
em 31 de janeiro de 1961 e, pressionado pelos militares, renunciou seis meses e
27 dias depois. Em sua carta de renúncia, em 25 de agosto, Jânio revelou que
“forças terríveis se levantaram contra ele”, e terminou dizendo que “há muitas formas
de servir nossa pátria”. Garrincha provavelmente não leu a carta — ele não
sabia ler —, mas traduziu a mensagem ao pé da letra.
Depois de fazer de tudo um pouco nas semifinais —
dribles, passes, gols e até um “pontapé amistoso” —, Mané fora absolvido por
cinco votos a dois no julgamento da comissão disciplinar da FIFA e estava apto
para disputar a grande final. Porém, no dia da decisão contra os tchecos, o
craque acordou gripado, com quase 40 graus de febre.
A expulsão na semifinal contra o Chile foi a única de Garrincha em toda a carreira. Ele respondeu a uma cusparada e um tapa no rosto dado pelo chileno Eládio Rojas com um singelo pontapé. |
A Tchecoslováquia estava confiante pela vitória de 3 a
1 sobre a forte Iugoslávia, nas semifinais, a ponto do volante Nowak declarar
que “sem Pelé e Garrincha, o Brasil era um time comum.” Quando os tchecos souberam
que Garrincha iria para o jogo mesmo febril, foram eles que ficaram doentes.
Sem Pelé e com Mané, a Seleção Brasileira entrou no
Estádio Nacional, em Santiago, amplamente apoiada pela torcida da casa. Na
véspera da final, os chilenos haviam derrotado os iugoslavos na disputa de
terceiro lugar — 1 a 0, gol de Rojas no último minuto — e declarado seu apoio
ao Brasil. Com gritos de “Hoy Chile tercero, mañana Brasil en primero”, a honra
do continente estava em jogo.
Assim como em 38, o Brasil enfrentou a Tchecoslováquia duas vezes em 62, com um empate e uma vitória. |
Era o segundo encontro entre Brasil e Tchecoslováquia
na Copa. No primeiro, válido pela primeira fase, houve empate sem gols — a
única partida que a Seleção não havia vencido no Mundial. Os tchecos mostraram
que eram mesmo uma pedra no sapato dos brasileiros aos 15 minutos do primeiro
tempo. Masopust — que receberia o prêmio Bola de Ouro da revista “France
Football” no final daquele ano — aproveitou a falha da defesa brasileira e
abriu o placar para os europeus.
A euforia durou pouco. Dois minutos depois, Zagallo
bateu o lateral para Amarildo, que se livrou de dois marcadores e chutou, quase
sem ângulo, no contrapé do goleiro Schroif: 1 a 1. Era o terceiro gol do
substituto de Pelé na Copa do Mundo. O primeiro tempo terminou com mais 45
minutos de empate entre as duas seleções.
Na falta de Pelé e de um chuveiro, Garrincha corre para abraçar Amarildo, no gol de empate. |
O Brasil voltou melhor do intervalo, e, aos 25
minutos, virou a partida. Zito partiu num contra-ataque rápido e lançou
Amarildo na esquerda. O “Possesso” fez excelente jogada, cortou o zagueiro e
cruzou fora do alcance do goleiro tcheco. Zito acompanhou bem o lance e, livre,
só encostou a cabeça para estufar as redes: 2 a 1.
Tchecos observam Zito subir sozinho para fazer o segundo gol brasileiro. |
A Tchecoslováquia foi para cima querendo o título que
lhe havia escapado das mãos em 1938, na França. No entanto, a arbitragem
parecia que não iria colaborar. Três minutos depois da virada brasileira,
Jelinek chutou de dentro da área e a bola bateu na mão de Djalma Santos. O
árbitro Nikolai Latichev interpretou como “bola na mão” e não marcou o pênalti.
O lance gerou muita reclamação do técnico Rudolf Vytlacil.
Se Djalma Santos foi quase um vilão no lance do
“pênalti”, aos 33 minutos ele foi um dos responsáveis pelo terceiro gol da
Seleção. O lateral brasileiro deu um balão para a área tcheca e o goleiro
Schroif, atrapalhado pelo sol, soltou a bola nos pés de Vavá. Com o gol — o
quarto na competição —, o “Peito de Aço” se tornou o primeiro jogador a marcar
gols em duas finais consecutivas de Copa.
Vavá comemora o seu quarto gol no Mundial, que o igualou na artilharia com Garrincha, Ivanov (URSS), Florent (Hungria), Sánchez (Chile) e Jerković (Iugoslávia). A artilharia durou 31 anos. |
Não houve tempo para reação. Os 3 a 1 no placar
condecoraram o Brasil com a Taça Jules Rimet, mais uma vez. A Seleção Brasileira
havia se igualado a Uruguai e Itália com dois títulos mundiais cada um. Durante
a comemoração no campo, um repórter de uma rádio local, ao entrevistar
Garrincha, pediu ao brasileiro: “Dále un adios al micrófono”. Sem hesitar,
Garrincha respondeu: “Adiós, micrófono”.
No auge da carreira, aos 29 anos, “o ponta-direita
mais extraordinário que o futebol já conheceu” — segundo o jornal francês
“L’Équipe” — se despedia, sem saber, de sua última
conquista na Seleção Brasileira. Na vitória sobre “aquela equipe com a camisa
do São Cristóvão” ele passou em branco. Mas, ali, no gramado do estádio
Nacional de Santiago, ficariam para sempre as lembranças dos dribles mágicos e
da genialidade quase acidental do homem que driblou a razão.
O capitão Mauro repete o gesto de Bellini e levanta a Taça Jules Rimet. |
Em pé: Djalma Santos, Zito, Gilmar, Zózimo, Nilton Santos e Mauro; agachados: Garrincha, Didi, Vavá, Amarildo e Zagallo. |