domingo, 27 de abril de 2014

1978 | Tango e Circo

Para ler o texto anterior sobre a final da Copa de 74, "Laranja Azeda", clique aqui.


Coragem, força e honra. Três virtudes enaltecidas durante o Império Romano. Lutas entre gladiadores, animais ferozes e corridas de bigas eram bons exemplos de tais atributos. Muito populares, os espetáculos sanguinários serviam de diversão para o povo. Já para os Césares, eram uma maneira de manter os cidadãos afastados das questões políticas.

Em 1978, a Argentina vivia o auge de sua ditadura militar. Liderado pelo general Jorge Videla, o governo viu na Copa do Mundo uma oportunidade de apaziguar os ânimos da população, que vivia em polvorosa. Mas para que a estratégia desse certo, o sucesso da seleção argentina era imprescindível. Os gladiadores da bola, no entanto, não precisaram derramar sangue. Apenas suor. Muito suor.

A distribuição de comida e as arenas faziam parte da chamada “política do pão e circo”, que se encarregava ao mesmo tempo de alimentar o povo e distraí-lo, o que aumentava a popularidade do imperador.

A Argentina, enfim, recebia o torneio com o qual sonhara e lhe fora negado por 40 anos, fazendo com que o país desistisse de três Mundiais, em represália — de 1938 a 1954. Porém, o desejo de sediar a Copa de 78 não evitou as falhas na organização. Os estádios ficaram prontos de última hora, o que fez tufos de grama recém-plantada se soltarem a cada jogada. As longas distâncias entre as sedes também incomodaram a maioria das seleções. Enquanto isso, o time da casa jogou praticamente só em Buenos Aires.

O goleiro alemão Sepp Maier na partida de abertura da Copa, entre a campeã Alemanha Ocidental e a Polônia. A única novidade estava na camisa das seleções: pela primeira vez, com o logotipo de seus fabricantes. Já o placar foi o mesmo dos últimos quatro jogos inaugurais de Mundial: 0 a 0.

As polêmicas na seleção argentina começaram antes mesmo da Copa. Um jogador do Argentino Juniors despontava como a grande revelação do futebol platino. Com sua mágica perna esquerda, seus lançamentos precisos, dribles curtos e chutes certeiros de onde fosse, o meia-atacante chegou a ser convocado para a seleção, mas foi preterido pelo técnico César Menotti antes da Copa por ser muito jovem. Aos 17 anos, Maradona teria que esperar para mostrar ao mundo todo o seu talento.

Com o escudo da A.F.A. (Associação Argentina de Futebol) bordado na camisa, pela primeira vez em Mundiais, a Argentina estreou no Grupo 1 contra a Hungria. E sofreu. A vitória, de virada, só se confirmou a 8min do fim, numa trombada entre Luque e o goleiro Gujdár, que Bertoni empurrou para o gol vazio. Na partida seguinte, contra a França, mais um lance discutível: um pênalti marcado para a anfitriã após um toque de mão involuntário, que Passarella cobrou e converteu. Platini empatou no segundo tempo — seu primeiro gol em Copas — e Luque fez o segundo dos hermanos, que repetiram o placar da estreia: 2 a 1.

No último minuto do primeiro tempo, Luque chuta e a bola desvia no braço de Trésor. As polêmicas partidas da Argentina na primeira fase eram um prenúncio do que ainda estava por vir.

Na rodada final da chave, a Itália roubou a cena e garantiu a primeira posição ao vencer a Argentina, por 1 a 0, com um gol de Bettega. Entretanto, quem chamou a atenção foi a França, em Mar Del Plata, na partida contra a Hungria. Em protesto contra as más arbitragens, os franceses entraram em campo de branco, mesmo sabendo que os húngaros jogariam de branco também. Sem uniforme reserva, os franceses tiveram que pegar emprestado as camisas listradas em verde e branco de um clube amador da cidade, o Kimberley.

O árbitro brasileiro Arnaldo Cézar Coelho recusou-se a iniciar a partida e ordenou que os franceses trocassem de camisa. Mesmo desconfigurada, a França venceu (3 a 1). Porém, os azuis de branco não se classificaram.

No Grupo 2, a Tunísia entrou para a história como o primeiro país africano a conquistar uma vitória em Copas. E foi logo na primeira partida: 3 a 1 diante do México — que até então nunca havia vencido uma estreia. As Águias de Cartago ainda arrancaram um 0 a 0 com a Alemanha Ocidental, o que foi decisivo para os germânicos terminarem atrás da líder Polônia no grupo. Apesar dos esforços, a Tunísia foi eliminada, mas deixou o seu legado: a partir daquela Copa, uma seleção africana sempre surpreenderia.

Sem Cruyff, a Laranja Mecânica perdeu o seu fascínio e, no Grupo 4, amargou uma apagada segunda colocação. Dirigido pelo austríaco Ernst Happel — a Holanda foi a única seleção comandada por um técnico estrangeiro —, o time venceu o Irã (3 a 0), empatou com o Peru (0 a 0) e, na última rodada, perdeu para a Escócia (3 a 2). Primeira colocada do grupo, a seleção peruana, campeã sul-americana de 75, foi o grande destaque da primeira fase, com o ataque mais positivo (7 gols) e uma das defesas menos vazadas.

Com apenas dois gols sofridos — média de menos de um por partida — o goleiro peruano Quiroga, mais tarde, seria a atração principal de um circo armado para a Seleção Brasileira dançar na Copa.

Rensenbrink se prepara para cobrar o pênalti do 1000° gol em Copas. Foi o primeiro dos cinco gols da derrota da Holanda para a Escócia, por 3 a 2.