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Em 1966, Willie, o leão, foi
o primeiro mascote da história das Copas, e um dos primeiros personagens a ser
associado a uma competição esportiva importante. O leão, símbolo do Reino Unido,
vestia uma camisa com a bandeira da união e as palavras “World Cup”. No
entanto, o grande xodó do torneio foi um cachorro.
Pickles, um vira-lata do
subúrbio de Londres, passava a maior parte do tempo farejando arbustos. Em 27
de março de 66, num jardim da zona sul da cidade, o cão encontrou uma pilha de
jornais velhos e enrolados escondida sob as folhagens. Avisado pelo latido do
animal, seu dono, David Corbett, descobriu que o embrulho se tratava de um
artefato que havia sido recentemente roubado: a taça Jules Rimet.
Chegava ao fim uma
verdadeira caçada ao troféu desaparecido há sete dias, que envolveu até mesmo a
Scotland Yard. Pickles virou celebridade, e a proeza rendeu ao seu dono uma
recompensa de três mil libras — cinco vezes menos que o resgate pedido pelos
ladrões e três vezes mais que os jogadores ingleses receberiam, mais tarde,
pela conquista do título.
O herói Pickles posa para as fotos: ao lado de seu dono, o cão foi convidado de honra da partida de abertura da Copa. 17 anos depois, no Brasil, a taça seria roubada novamente — e derretida. |
As polêmicas da Copa de 1966
começaram antes mesmo do início da competição. Dezesseis nações da África
boicotaram o torneio em protesto contra uma resolução da FIFA, que não dava
nenhuma vaga direta ao continente — o vencedor da zona africana enfrentaria o
vencedor da zona asiática ou da zona oceânica para conquistar um lugar no Mundial.
A decisão deixou o caminho livre para a Coreia do Norte se classificar diante
da Austrália.
Ainda que a Copa tenha
obtido grandes públicos, a escassez de gols demonstrou uma nova maneira de se
jogar futebol: tática e defensivamente. Exemplo disso foi a anfitriã, que
terminou na liderança do Grupo 1 sem sofrer gols, mas com apenas quatro gols a
favor. A partida de abertura, entre Inglaterra e Uruguai, marcou a
estreia dos replays nas transmissões de TV. Entretanto, os telespectadores não
tiveram sorte: o jogo inaugural não saiu do 0 a 0.
No intervalo do jogo de abertura, no estádio de Wembley, a Rainha Elizabeth II foi saudada apenas pelos uruguaios. O English Team passou reto. |
Em outro duelo entre Europa
e América do Sul, argentinos e alemães também não passaram de um 0 a 0, em
Birmingham. As duas seleções acabariam se classificando no Grupo 2, onde a
Espanha, mais uma vez, ficaria pelo caminho.
No Grupo 4, a Coreia do
Norte era uma total incógnita. Sob o regime comunista de Kim Il-Sung, o país
não tinha relações internacionais com a Inglaterra. Como condição para entrar
na ilha britânica, os norte-coreanos abdicaram de ter o seu hino nacional
tocado antes do início dos jogos. Apesar disso, os “cholima” (cavalo alado
mitológico e apelido da seleção) foram calorosamente recebidos em Middlesbrough,
uma cidade industrial do Nordeste da Inglaterra — sobretudo por se tratar de
uma equipe formada por trabalhadores comuns.
Nas duas primeiras partidas, a Coreia do Norte não foi bem: perdeu para a aliada União Soviética, por 3 a 0, e empatou com o Chile, por 1 a 1. No terceiro e decisivo confronto, em 19 de julho, a representante asiática enfrentou a bicampeã Itália e, para espanto geral, alcançou uma das maiores façanhas em Copas do Mundo.
Aos 43 minutos do primeiro
tempo, Pak Doo Ik — que era dentista — chutou
cruzado no canto de Albertosi e fez o gol da vitória. A Itália chegou a pressionar na etapa complementar, mas seus esforços foram em vão. Após a partida, os
descrentes chegaram a levantar boatos de que, no intervalo, os onze jogadores
trocaram de lugar com outros onze, diferentes e descansados, dado o fato de que
os norte-coreanos eram muito semelhantes entre si.
O "Brocador norte-coreano": o dentista Pak Doo Ik marca o gol da vitória. |
A vitória levou a Coreia do
Norte às quartas de final, logo em sua estreia de Mundial, enquanto o resultado
eliminou a Itália. No retorno para casa, a Azzurra foi recebida com uma chuva
de frutas e tomates podres.
O mascote era um leão; o
herói, um cachorro. Mas a Copa de 66 começava a mostrar que seria mesmo das
zebras.
Os norte-coreanos não puderam ouvir a Aegukka (“A Canção Patriótica”, hino do país), tampouco o trecho inicial “que a manhã brilhe”. Porém, naquela tarde, eles brilharam em Middlesbrough. |