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No auge de seu
império, em 1989, este empresário foi reconhecido como o sétimo homem mais rico
do mundo pela Revista Forbes, com uma fortuna estimada em 25 milhões de
dólares. Sua corporação, que possuía aviões, lanchas e automóveis de luxo,
faturava cerca de 30 bilhões de dólares por ano. Com inúmeras propriedades e
terras sob seu controle, ele ganhava uma incontável fortuna em dinheiro. Mas ao
contrário de outros magnatas, este homem trabalhava para melhorar a vida da
população carente. Por isso, muitos o consideravam um herói na cidade. Seu
nome: Pablo Escobar. Sua empresa: o Cartel de Medellín.
Inimigo dos
governos colombiano e norte-americano, Pablo Escobar cultivava um lado Robin
Hood ao distribuir dinheiro às comunidades mais pobres, além de bancar
atendimentos médicos e construir escolas. Em retribuição, o povo escondia
informações da polícia e fazia todo o possível para proteger o seu benfeitor. Fã
de futebol, Pablo almejava criar um campinho em cada esquina de Medellín. Foi
justamente num desses, de terra batida, que outro Escobar começou sua
trajetória: Andrés, jogador da seleção colombiana.
Andrés Escobar era
zagueiro do brilhante time da Colômbia que, em 5 de setembro de 1993, em Buenos
Aires, imprimiu à Argentina a mais acachapante derrota em casa de toda a sua
história: 5 a 0. Naquele dia, em que Rincón e Asprilla marcaram dois gols cada
um, a Colômbia assumiu o posto de favorita para ganhar a Copa do Mundo de 94,
segundo o Rei Pelé — o que, acredite, era um palpite bastante respeitável à
época.
O Mundial dos
Estados Unidos era um grande desafio para a FIFA. Primeiro, pelo próprio interesse
da população. Para os norte-americanos, o futebol não tinha o mesmo glamour do
beisebol, a mesma emoção do basquete e nem as infindáveis paradas no cronômetro
do futebol americano — o que, ao longo dos anos, se tornou o parque de
diversões dos anunciantes. Segundo, pelas várias mudanças na regra do jogo, impostas
pelo fracasso técnico do Mundial anterior, a fim de tornar as partidas mais
atraentes ao público. Entre as novidades, estavam o recuo de bola (o goleiro só
poderia receber a bola com os pés, salvo atrasos com a cabeça), o cartão
vermelho ao jogador que atingisse o adversário por trás, os nomes dos atletas
nas costas e os três pontos por vitória. Deu certo: os estádios lotaram e o
número de gols aumentou — 141, melhor marca desde 1982.
A Copa com a maior
média de público da história (68.991) começou em 17 de junho, em Chicago, com a
então campeã Alemanha enfrentando a surpresa das eliminatórias, a Bolívia, pelo
Grupo C. Os alemães conseguiram a vitória graças a uma escorregada do goleiro
Trucco no segundo tempo — Klinsmann aproveitou e marcou o único gol da partida.
Mesmo assim, a Alemanha não apagou a má apresentação na estreia, dando a
entender que dificilmente chegaria a sua quarta final de Copa consecutiva.
As baixas
expectativas foram confirmadas contra a Espanha (1 a 1) e, principalmente, a Coreia
do Sul (3 a 2). Nesta partida, disputada sob um calor de 46° em Dallas, o time
alemão abriu 3 a 0 no primeiro tempo, com dois gols de Klinsmann. Porém, na
segunda etapa, os sul-coreanos reagiram, marcaram duas vezes e por pouco não
empataram. Se já não bastasse o sufoco, Effenberg, ao ser substituído, fez
gestos obscenos para a torcida. A cena lhe custou mais que um lugar na equipe
titular: o jogador foi desligado da delegação alemã por indisciplina.
No grupo D, a então
vice-campeã Argentina começou arrasadora. Na goleada sobre a estreante Grécia
por 4 a 0, em Boston, o argentino Batistuta — também em sua primeira Copa – fez
um hat trick (3 gols), disparando na
artilharia logo na primeira rodada. No entanto, o gol que mais ficou marcado
foi o de Maradona, o terceiro dos Hermanos.
O chute de canhota acertou o ângulo do goleiro grego Minou, que nem se mexeu.
Na comemoração endiabrada do camisa 10, até o cameraman se assustou. Embalados, os argentinos viraram o jogo
contra a Nigéria, na segunda rodada, com dois gols de Caniggia. No final da
partida, Maradona saiu de mãos dadas com uma enfermeira, que o levou para o exame
antidoping. Por fora, o craque argentino deu uma aula de simpatia. Por dentro,
uma aula de química.
Efedrina,
norefedrina, pseudoefedrina, norpseudoefedrina e metaefedrina foram as
substâncias encontradas na urina do jogador. Dieguito foi suspenso por 15 meses, já
que era reincidente — em 91, fora punido também por 15 meses pelo uso de
cocaína. O escândalo foi decisivo para o moral da equipe, que vinha bem até
então. Na última rodada, a Argentina perdeu para a Bulgária, por 2 a 0, e da
primeira caiu para a terceira colocação no grupo. Nas oitavas, com Maradona nas
arquibancadas, uma nova derrota eliminou
a seleção portenha: 3 a 2 para a Romênia, num show do
meia Hagi.
Gheorghe Hagi era um
daqueles gênios da bola que esbanjavam habilidade com a perna esquerda — o que
lhe rendeu o apelido de "Maradona dos Cárpatos". Líder dentro e fora
de campo, o camisa 10 romeno conduziu sua seleção ao que, na época, poderia se
chamar de zebra: a derrota da "toda poderosa" Colômbia. No jogo disputado
em Pasadena, os colombianos nem de longe mostraram o futebol que os credenciaram
a favoritos. Com duas assistências para Răducioiu e um golaço da lateral esquerda, Hagi construiu o
placar de 3 a 1 que Pelé não esperava. Entretanto, na partida seguinte, uma
irreconhecível Romênia tropeçou de forma estrondosa diante da Suíça: 4 a 1. Mas
a surpresa estava no outro confronto da rodada: Estados Unidos x Colômbia.
A torcida contra em
Pasadena era o menor dos problemas para os jogadores colombianos, que depois da
derrota para a Romênia encontraram ameaças de morte nas paredes de seus quartos.
Mesmo tensa, a Colômbia chegou a esbanjar um bom futebol no início de jogo, e
chutou uma bola na trave de Meola. Porém, aos 35min, o mundo desabou. John
Harkes cruzou da esquerda e o zagueiro Escobar — aquele dos campos de terra, em
Medellín — tentou interceptar o passe, mas a bola acabou pegando o goleiro
Córdoba no contrapé. Escobar deitou no gramado com as mãos na cabeça. O sonho
virara pesadelo.
Desconcentrada, a Colômbia ainda levou outro
gol, de Stewart. Valencia diminuiu no último lance. A derrota por 2 a 1 eliminou a favorita ao título com uma rodada de antecipação. Nem a vitória por 2 a 0 sobre a Suíça, na última
partida, livrou os jogadores colombianos de críticas e ameaças. Andrés Escobar foi o alvo principal.
Onze dias depois de marcar um gol contra, o jogador estava num bar de Medellín quando, segundo uma testemunha,
se desentendeu com um grupo de quatro pessoas. Seguido até o estacionamento,
Andrés foi cercado e executado. De acordo com outra testemunha, o atirador teria
gritado "gol" em cada um dos 15 disparos. O inquérito policial apurou
que o assassino era um apostador ligado ao Cartel de Medellín. Uma triste
ironia do destino para o garoto que começou nos campos de terra — financiados pela organização — e acabou
debaixo dela.
A Colômbia perdera
mais que o seu zagueiro central. Perdera a alegria de jogar futebol.