sexta-feira, 30 de maio de 2014

1994 | Droga, Tá Fora

Para ler o texto anterior, "1990 | Queda e Apogeu", clique aqui.


No auge de seu império, em 1989, este empresário foi reconhecido como o sétimo homem mais rico do mundo pela Revista Forbes, com uma fortuna estimada em 25 milhões de dólares. Sua corporação, que possuía aviões, lanchas e automóveis de luxo, faturava cerca de 30 bilhões de dólares por ano. Com inúmeras propriedades e terras sob seu controle, ele ganhava uma incontável fortuna em dinheiro. Mas ao contrário de outros magnatas, este homem trabalhava para melhorar a vida da população carente. Por isso, muitos o consideravam um herói na cidade. Seu nome: Pablo Escobar. Sua empresa: o Cartel de Medellín.

Inimigo dos governos colombiano e norte-americano, Pablo Escobar cultivava um lado Robin Hood ao distribuir dinheiro às comunidades mais pobres, além de bancar atendimentos médicos e construir escolas. Em retribuição, o povo escondia informações da polícia e fazia todo o possível para proteger o seu benfeitor. Fã de futebol, Pablo almejava criar um campinho em cada esquina de Medellín. Foi justamente num desses, de terra batida, que outro Escobar começou sua trajetória: Andrés, jogador da seleção colombiana.

Pablo Escobar fazendo a contabilidade. Em 1993, o governo colombiano declarou guerra ao narcotráfico. Depois de inúmeras tentativas frustradas, a polícia conseguiu fechar o cerco a Pablo e o assassinou.

Andrés Escobar era zagueiro do brilhante time da Colômbia que, em 5 de setembro de 1993, em Buenos Aires, imprimiu à Argentina a mais acachapante derrota em casa de toda a sua história: 5 a 0. Naquele dia, em que Rincón e Asprilla marcaram dois gols cada um, a Colômbia assumiu o posto de favorita para ganhar a Copa do Mundo de 94, segundo o Rei Pelé — o que, acredite, era um palpite bastante respeitável à época.

O Mundial dos Estados Unidos era um grande desafio para a FIFA. Primeiro, pelo próprio interesse da população. Para os norte-americanos, o futebol não tinha o mesmo glamour do beisebol, a mesma emoção do basquete e nem as infindáveis paradas no cronômetro do futebol americano — o que, ao longo dos anos, se tornou o parque de diversões dos anunciantes. Segundo, pelas várias mudanças na regra do jogo, impostas pelo fracasso técnico do Mundial anterior, a fim de tornar as partidas mais atraentes ao público. Entre as novidades, estavam o recuo de bola (o goleiro só poderia receber a bola com os pés, salvo atrasos com a cabeça), o cartão vermelho ao jogador que atingisse o adversário por trás, os nomes dos atletas nas costas e os três pontos por vitória. Deu certo: os estádios lotaram e o número de gols aumentou — 141, melhor marca desde 1982.

Etcheverry lamenta a sua expulsão na estreia contra a Alemanha, que fez jus ao seu apelido de "El Diablo". Pela segunda vez um jogador levou cartão vermelho em uma abertura de Copa. Sem a altitude, a Bolívia ficou sem fôlego para se classificar.

A Copa com a maior média de público da história (68.991) começou em 17 de junho, em Chicago, com a então campeã Alemanha enfrentando a surpresa das eliminatórias, a Bolívia, pelo Grupo C. Os alemães conseguiram a vitória graças a uma escorregada do goleiro Trucco no segundo tempo — Klinsmann aproveitou e marcou o único gol da partida. Mesmo assim, a Alemanha não apagou a má apresentação na estreia, dando a entender que dificilmente chegaria a sua quarta final de Copa consecutiva.

As baixas expectativas foram confirmadas contra a Espanha (1 a 1) e, principalmente, a Coreia do Sul (3 a 2). Nesta partida, disputada sob um calor de 46° em Dallas, o time alemão abriu 3 a 0 no primeiro tempo, com dois gols de Klinsmann. Porém, na segunda etapa, os sul-coreanos reagiram, marcaram duas vezes e por pouco não empataram. Se já não bastasse o sufoco, Effenberg, ao ser substituído, fez gestos obscenos para a torcida. A cena lhe custou mais que um lugar na equipe titular: o jogador foi desligado da delegação alemã por indisciplina.

Al Owairan parte para cima da defesa belga, dribla meio time e marca o gol mais bonito da Copa. Como recompensa, o jogador ganhou um Rolls Royce da família real saudita. A Arábia Saudita se classificou em 1° no Grupo F, à frente de Holanda e Bélgica.

No grupo D, a então vice-campeã Argentina começou arrasadora. Na goleada sobre a estreante Grécia por 4 a 0, em Boston, o argentino Batistuta — também em sua primeira Copa – fez um hat trick (3 gols), disparando na artilharia logo na primeira rodada. No entanto, o gol que mais ficou marcado foi o de Maradona, o terceiro dos Hermanos. O chute de canhota acertou o ângulo do goleiro grego Minou, que nem se mexeu. Na comemoração endiabrada do camisa 10, até o cameraman se assustou. Embalados, os argentinos viraram o jogo contra a Nigéria, na segunda rodada, com dois gols de Caniggia. No final da partida, Maradona saiu de mãos dadas com uma enfermeira, que o levou para o exame antidoping. Por fora, o craque argentino deu uma aula de simpatia. Por dentro, uma aula de química.

Efedrina, norefedrina, pseudoefedrina, norpseudoefedrina e metaefedrina foram as substâncias encontradas na urina do jogador. Dieguito foi suspenso por 15 meses, já que era reincidente — em 91, fora punido também por 15 meses pelo uso de cocaína. O escândalo foi decisivo para o moral da equipe, que vinha bem até então. Na última rodada, a Argentina perdeu para a Bulgária, por 2 a 0, e da primeira caiu para a terceira colocação no grupo. Nas oitavas, com Maradona nas arquibancadas, uma nova derrota eliminou a seleção portenha: 3 a 2 para a Romênia, num show do meia Hagi.

Rasheed Yekini comemora o primeiro gol da Nigéria em Copas, na vitória de 3 a 0 sobre a Bulgária. Emocionado, o atacante se agarrou às redes para agradecer. Os nigerianos ficaram em primeiro lugar no grupo D, da Argentina.

Gheorghe Hagi era um daqueles gênios da bola que esbanjavam habilidade com a perna esquerda — o que lhe rendeu o apelido de "Maradona dos Cárpatos". Líder dentro e fora de campo, o camisa 10 romeno conduziu sua seleção ao que, na época, poderia se chamar de zebra: a derrota da "toda poderosa" Colômbia. No jogo disputado em Pasadena, os colombianos nem de longe mostraram o futebol que os credenciaram a favoritos. Com duas assistências para Răducioiu e um golaço da lateral esquerda, Hagi construiu o placar de 3 a 1 que Pelé não esperava. Entretanto, na partida seguinte, uma irreconhecível Romênia tropeçou de forma estrondosa diante da Suíça: 4 a 1. Mas a surpresa estava no outro confronto da rodada: Estados Unidos x Colômbia.

Hagi comemora mais um gol... com passe seu. O romeno deu três assistências e marcou três gols na Copa de 94. Um deles, contra a Colômbia, num chute de 30 metros da lateral esquerda. "Meu pé esquerdo é realmente muito bom", disse ele.

 A torcida contra em Pasadena era o menor dos problemas para os jogadores colombianos, que depois da derrota para a Romênia encontraram ameaças de morte nas paredes de seus quartos. Mesmo tensa, a Colômbia chegou a esbanjar um bom futebol no início de jogo, e chutou uma bola na trave de Meola. Porém, aos 35min, o mundo desabou. John Harkes cruzou da esquerda e o zagueiro Escobar — aquele dos campos de terra, em Medellín — tentou interceptar o passe, mas a bola acabou pegando o goleiro Córdoba no contrapé. Escobar deitou no gramado com as mãos na cabeça. O sonho virara pesadelo.

Desconcentrada, a Colômbia ainda levou outro gol, de Stewart. Valencia diminuiu no último lance. A derrota por 2 a 1 eliminou a favorita ao título com uma rodada de antecipação. Nem a vitória por 2 a 0 sobre a Suíça, na última partida, livrou os jogadores colombianos de críticas e ameaças. Andrés Escobar foi o alvo principal.

Escobar, no chão, lamenta o erro — fatal. O futebol colombiano vivia o auge de sua história graças ao capital injetado pelos mafiosos. Eles usavam os clubes do país para lavar dinheiro e faturar com manipulação de resultados e apostas. As equipes contavam com os melhores jogadores e não por acaso incomodaram na Taça Libertadores — o América de Cali foi vice três anos seguidos e o Atlético Nacional, campeão em 89.

Onze dias depois de marcar um gol contra, o jogador estava num bar de Medellín quando, segundo uma testemunha, se desentendeu com um grupo de quatro pessoas. Seguido até o estacionamento, Andrés foi cercado e executado. De acordo com outra testemunha, o atirador teria gritado "gol" em cada um dos 15 disparos. O inquérito policial apurou que o assassino era um apostador ligado ao Cartel de Medellín. Uma triste ironia do destino para o garoto que começou nos campos de terra — financiados pela organização — e acabou debaixo dela.

A Colômbia perdera mais que o seu zagueiro central. Perdera a alegria de jogar futebol.

Maradona deixa o gramado pela última vez em uma Copa do Mundo. Depois de cumprir os 15 meses de suspensão, ele voltou ao Boca Juniors, seu time do coração, onde encerrou a carreira — futebolística —, em 97, no dia do seu aniversário de 37 anos.