quarta-feira, 9 de abril de 2014

1970 | Cabeça nas Nuvens

Para ler o texto anterior "Um Gol Para Inglês Ver" (a final da Copa de 66), clique aqui.


As faltas de ar e de apetite causam mal estar. As náuseas aumentam. A frequência cardíaca dispara. A dor de cabeça é inevitável. E o prato principal fica a gosto do cliente: vômitos, diarreias e sangramento no nariz. Parecem sintomas de algum personagem da famosa série de TV sobre zumbis, mas são apenas os possíveis efeitos em pessoas — vivas — que viajam para grandes altitudes.

As sensações podem aparecer a partir de 2 mil metros acima do nível do mar, mas são mais comuns a partir de 2.300 metros. A pressão atmosférica é menor, o que deixa o ar mais rarefeito, com menos circulação de oxigênio. Quanto mais alto, pior. Argumentos mais do que suficientes para a Inglaterra ir contra a Copa do Mundo no México, em 70.

Campeões do mundo, os ingleses também foram campeões em antipatia. O medo de “prováveis” contaminações com alguma peste das águas mexicanas — o verdadeiro argumento contra a Copa no México — fez a delegação bretã levar sua própria água e comida. Foi a deixa para o English Team passar a ser odiados pelos mexicanos. Nos estádios e no hotel onde estavam concentrados, a torcida da casa não deixou os ingleses em paz.

Na bagagem, a Inglaterra trouxe água e comida. Com medo do "mal da atitude", os ingleses respiram outro ar: o de superioridade.

Alheio às intrigas, o embaixador brasileiro, João Batista Pinheiro, ciente do fato, divulgou uma nota afirmando que “o que é bom para os mexicanos, é bom para os brasileiros”. Com isso, a Seleção Brasileira conquistou a torcida mexicana antes mesmo de entrar em campo.

A verdade era que só uma das cinco sedes superava o limite de 2.300 metros de altura: o estádio Luis Gutiérrez Dosal, em Toluca, localizado a 2.680 metros acima do nível do mar. No estádio mais elevado em uma edição de Copa do Mundo, os italianos sofreram muito com os efeitos da altitude. O empate por 0 a 0 com Israel, pelo Grupo 2, começava a mostrar uma nova característica da Azzurra: os tropeços na fase de grupos. Ainda assim, a Itália se classificou, alo lado do Uruguai.

O estádio Azteca, na Cidade do México, que fica 2.235 metros acima do nível do mar. Palco de dez partidas na Copa de 70, incluindo a final.

Outro desafeto dos mexicanos era o mascote da Copa, Juanito. O menino sorridente, com um sombreiro e uma bola sob seu pé direito, não agradou por ser “horrível, óbvio, de mau gosto, perigosamente folclórico e insultuoso”, segundo os torcedores. Só faltou mesmo ele vestir uma camisa da Inglaterra.

A Copa das polêmicas também foi das novidades: a primeira a ser transmitida ao vivo, em cores, via satélite para quase todo o planeta — no total, 50 países assistiram ao evento. Contudo, para que as transmissões se encaixassem nas programações das emissoras europeias, algumas partidas foram jogada sob o intenso calor do sol do meio-dia.

Juanito: o mascote menos charmoso da história das Copas.

Dentro de campo, a inovação foram os cartões amarelo e vermelho, criados pela FIFA em analogia aos semáforos de trânsito, e as duas substituições por equipe, o que livrou a pele dos jogadores contundidos durante os embates.

Em 70, a bola também mudou. A Adidas tornou-se fornecedora oficial de bolas e criou a Telstar, famosa por seus 32 gomos pretos e brancos. As vantagens da redonda eram simples: seu desenho e suas cores facilitavam a visualização nos aparelhos de TV em preto e branco — no Brasil, por exemplo.

Como não podia deixar de ser, a partida inaugural entre México e União Soviética, pelo Grupo 1, foi recheada de ineditismo. Na falta dos gols (0 a 0), o jogo marcou a primeira substituição (o soviético Puzach no lugar do compatriota Serebrianikov) e o primeiro cartão amarelo (para o soviético Lovchev) — nenhum cartão vermelho foi mostrado na competição.

México e União Soviética não saíram do zero, mas saíram do Grupo 1 classificados. 

No jogo seguinte, entre México e El Salvador — o primeiro confronto de Copa sem nenhuma seleção europeia ou sul-americana —, a bizarrice substituiu o ineditismo. Aos 45min do primeiro tempo, com o placar ainda em branco, um lance chamou a atenção por ser, no mínimo, inusitado.

Os salvadorenhos tinham uma cobrança de falta a favor no campo de defesa, mas o mexicano Padilha pegou a bola, a pôs no chão e bateu como se a infração fosse para a sua seleção. Na sequência da jogada, Valdivia recebeu cruzamento e, sem marcação, fez o primeiro dos anfitriões.

O árbitro egípcio Ali Hussein Kandil validou o gol, que abriu caminho para a goleada mexicana, por 4 a 0 — Basaguren fez o último e tornou-se o primeiro reserva a marcar em Copas. Depois da partida, Kandil não apitou mais no Mundial.

Após o gol bizarro, os salvadorenhos se negaram a dar a saída de bola. O árbitro, então, resolveu terminar o primeiro tempo.

No Grupo 4, a grande surpresa das eliminatórias, o Peru, que tirou a Argentina da Copa — primeira e única vez que os platinos caíram na disputa qualificatória  —, venceu Bulgária e Marrocos e ficou com a segunda vaga. Os marroquinos chegaram ao Mundial como o representante africano, depois que o continente ganhou o direito a uma vaga direta na Copa. Enquanto isso, na seleção da Alemanha Ocidental, a primeira colocada da chave, Gerd Müller já se distanciava na artilharia, com 7 gols.

No Grupo 3, se os ingleses tinham medo do “mal da altitude”, é porque ainda não conheciam o poder de quem ocupava o lugar mais alto do trono da bola: o Rei Pelé.

Müller perder pênalti contra o Marrocos. Se tivesse convertido a cobrança, seria hoje o maior artilheiro das Copas, ao lado de Ronaldo, com 15 gols.