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As faltas de ar e de apetite
causam mal estar. As náuseas aumentam. A frequência cardíaca dispara. A dor de
cabeça é inevitável. E o prato principal fica a gosto do cliente: vômitos,
diarreias e sangramento no nariz. Parecem sintomas de algum personagem da
famosa série de TV sobre zumbis, mas são apenas os possíveis efeitos em pessoas
— vivas — que viajam para grandes altitudes.
As sensações podem aparecer
a partir de 2 mil metros acima do nível do mar, mas são mais comuns a partir de
2.300 metros. A pressão atmosférica é menor, o que deixa o ar mais rarefeito,
com menos circulação de oxigênio. Quanto mais alto, pior. Argumentos mais do
que suficientes para a Inglaterra ir contra a Copa do Mundo no México, em 70.
Campeões do mundo, os
ingleses também foram campeões em antipatia. O medo de “prováveis”
contaminações com alguma peste das águas mexicanas — o verdadeiro argumento
contra a Copa no México — fez a delegação bretã levar sua própria água e
comida. Foi a deixa para o English Team passar a ser odiados pelos mexicanos.
Nos estádios e no hotel onde estavam concentrados, a torcida da casa não deixou
os ingleses em paz.
Na bagagem, a Inglaterra trouxe água e comida. Com medo do "mal da atitude", os ingleses respiram outro ar: o de superioridade. |
Alheio às intrigas, o embaixador brasileiro, João Batista Pinheiro, ciente do fato, divulgou uma nota afirmando que “o que é bom para os mexicanos, é bom para os brasileiros”. Com isso, a Seleção Brasileira conquistou a torcida mexicana antes mesmo de entrar em campo.
A verdade era que só uma das cinco sedes superava o limite de 2.300 metros de altura: o estádio Luis Gutiérrez
Dosal, em Toluca, localizado a 2.680 metros acima do nível do mar. No estádio
mais elevado em uma edição de Copa do Mundo, os italianos sofreram muito com os
efeitos da altitude. O empate por 0 a 0 com Israel, pelo Grupo 2, começava a
mostrar uma nova característica da Azzurra: os tropeços na fase de grupos. Ainda
assim, a Itália se classificou, alo lado do Uruguai.
O estádio Azteca, na Cidade do México, que fica 2.235 metros acima do nível do mar. Palco de dez partidas na Copa de 70, incluindo a final. |
Outro desafeto dos mexicanos
era o mascote da Copa, Juanito. O menino sorridente, com um sombreiro e uma
bola sob seu pé direito, não agradou por ser “horrível, óbvio, de mau gosto,
perigosamente folclórico e insultuoso”, segundo os torcedores. Só faltou mesmo ele
vestir uma camisa da Inglaterra.
A Copa das polêmicas também foi
das novidades: a primeira a ser transmitida ao vivo, em cores, via satélite
para quase todo o planeta — no total, 50 países assistiram ao evento. Contudo,
para que as transmissões se encaixassem nas programações das emissoras
europeias, algumas partidas foram jogada sob o intenso calor do sol do
meio-dia.
Juanito: o mascote menos charmoso da história das Copas. |
Dentro de campo, a inovação
foram os cartões amarelo e vermelho, criados pela FIFA em analogia aos
semáforos de trânsito, e as duas substituições por equipe, o que livrou a pele
dos jogadores contundidos durante os embates.
Em 70, a bola também mudou.
A Adidas tornou-se fornecedora oficial de bolas e criou a Telstar, famosa por
seus 32 gomos pretos e brancos. As vantagens da redonda eram simples: seu
desenho e suas cores facilitavam a visualização nos aparelhos de TV em preto e
branco — no Brasil, por exemplo.
Como não podia deixar de
ser, a partida inaugural entre México e União Soviética, pelo Grupo 1, foi
recheada de ineditismo. Na falta dos gols (0 a 0), o jogo marcou a primeira
substituição (o soviético Puzach no lugar do compatriota Serebrianikov) e o
primeiro cartão amarelo (para o soviético Lovchev) — nenhum cartão vermelho foi
mostrado na competição.
México e União Soviética não saíram do zero, mas saíram do Grupo 1 classificados. |
No jogo seguinte, entre
México e El Salvador — o primeiro confronto de Copa sem nenhuma seleção
europeia ou sul-americana —, a bizarrice substituiu o ineditismo. Aos 45min do
primeiro tempo, com o placar ainda em branco, um lance chamou a atenção por
ser, no mínimo, inusitado.
Os salvadorenhos tinham uma
cobrança de falta a favor no campo de defesa, mas o mexicano Padilha pegou a
bola, a pôs no chão e bateu como se a infração fosse para a sua seleção. Na
sequência da jogada, Valdivia recebeu cruzamento e, sem marcação, fez o
primeiro dos anfitriões.
O árbitro egípcio Ali
Hussein Kandil validou o gol, que abriu caminho para a goleada mexicana, por 4
a 0 — Basaguren fez o último e tornou-se o primeiro reserva a marcar em Copas. Depois
da partida, Kandil não apitou mais no Mundial.
Após o gol bizarro, os salvadorenhos se negaram a dar a saída de bola. O árbitro, então, resolveu terminar o primeiro tempo. |
No Grupo 4, a grande
surpresa das eliminatórias, o Peru, que tirou a Argentina da Copa — primeira e
única vez que os platinos caíram na disputa qualificatória —, venceu Bulgária e Marrocos e ficou com a
segunda vaga. Os marroquinos chegaram ao Mundial como o representante africano,
depois que o continente ganhou o direito a uma vaga direta na Copa. Enquanto
isso, na seleção da Alemanha Ocidental, a primeira colocada da chave, Gerd
Müller já se distanciava na artilharia, com 7 gols.
Müller perder pênalti contra o Marrocos. Se tivesse convertido a cobrança, seria hoje o maior artilheiro das Copas, ao lado de Ronaldo, com 15 gols. |