segunda-feira, 7 de abril de 2014

1966 | Um Gol Para Inglês Ver

Para ler a história anterior, "A Taça de Babel", clique aqui.


Os Beatles sempre foram tachados de “bons moços”. O rótulo de celebridades os incomodava. Rebeldes contra a própria imagem, em março de 1966, o grupo polemizou. A capa da coletânea “Yesterday And Today” trazia o quarteto vestindo jalecos de açougueiro em meio a pedaços de carne crua e bonecas mutiladas. De protesto contra a Guerra do Vietnã — o álbum foi lançado apenas nos Estados Unidos e Canadá — à alfinetada na gravadora, as explicações para a foto não impediram a substituição da capa, o que fez a original virar item valioso de colecionador.

Mais tarde, o fotógrafo Robert Whitaker revelou que tudo não passou de uma caracterização. As bonecas representavam as fãs histéricas e a carne crua, os pedaços que elas tentavam arrancar dos músicos toda vez que eles saíam do palco. No fim das contas, Whitaker só queria mostrar que os Beatles eram pessoas comuns, feitas de carne e osso — e sangue.

Da música à política, da religião à realeza, os ingleses sempre foram chegados a uma polêmica. Mas foi no futebol, mais precisamente na final da Copa de 66, que a maior de todas elas aconteceu.

Foto original da primeira capa do disco. A imagem mal falada ficou conhecida como “Butcher Photo” (“Foto do Carniceiro”)

A Inglaterra recebeu o torneio mais importante do esporte que ela mesma inventou — e esnobou por tantos anos — buscando provar que também sabia como jogá-lo. Apesar de não ser um celeiro de craques como o Brasil, o English Team possuía uma seleção digna de respeito: a segurança de Gordon Banks no gol, a classe de Bobby Moore na zaga, a visão de Bobby Charlton no meio e o oportunismo de Geoffrey Hurst no ataque. O que os diferenciava não era apenas a categoria dentro de campo. Fora dele, eram verdadeiros gentlemen.

Depois do susto do roubo da taça, do sufoco na estreia e do pragmatismo até as quartas de final, o time inglês finalmente tinha mostrado um bom futebol contra a sensação portuguesa, nas semifinais. Do outro lado, a força alemã, um futebol já consagrado, era a última barreira para a coroação.

A elegância do capitão Bobby Moore na entrada do English Team na semifinal contra Portugal. Em 2004, ele foi eleito o melhor jogador da Inglaterra dos 50 anos da UEFA 

Após a execução dos hinos, o árbitro suíço Gottfried Dienst atirou a moeda para o alto, que, ao cair, foi a favor dos visitantes. Uwe Seeler optou pela bola e Bobby Moore preferiu o campo em que os companheiros estavam aquecendo. Foi a última vez que alemães e ingleses concordaram em alguma coisa naquele dia.

O árbitro suíço Gottfried Dienst observa a troca de flâmulas entre os capitães. Ele não imaginava que seria um dos personagens principais da decisão.

A rainha Elizabeth II era uma das 96.924 pessoas presentes a Wembley. Vestida de amarelo, a soberana ficou branca quando Haller, aos 12 minutos, colocou a Alemanha Ocidental na frente do placar. Era a primeira vez que o esquadrão real saia atrás no marcador. A vantagem durou pouco. 6 minutos depois, Moore levantou na área e Hurst subiu, completamente sozinho entre os zagueiros, para testar: 1 a 1.

Haller marca o primeiro dos seis gols da decisão. Seis também foi o número de gols dele no Mundial. O alemão foi vice-artilheiro, com três gols a menos que Eusébio.

Aos 33 minutos do segundo tempo, os ingleses viraram. Hurst pegou o rebote de um escanteio e chutou forte, em cima de Hoettges. A bola sobrou livre para Peters fazer 2 a 1. Quando os bretões já comemoravam o título, aos 44 minutos, os alemães tiveram uma última cobrança de falta. Emmerich alçou na área e, na confusão, a bola passou por Seeler, mas não por Weber. O zagueirão antecipou a zaga e empurrou para as redes: 2 a 2. Estava decretado — não pela rainha, mas pelas circunstâncias — que a única final de Copa do Mundo disputada em um sábado seria decidida na prorrogação.

Weber silencia Wembley a um minuto do fim da partida.

O que ninguém imaginava era que, aos 11 minutos do tempo extra, um lance ficaria marcado na história. Hurst apanhou um cruzamento da direita e virou de frente para o gol. Caindo, o atacante chutou forte, encobrindo o goleiro Tilkowski. A bola bateu no travessão, no chão e saiu. Weber afastou para escanteio, mas o córner nunca chegou a ser cobrado. Enquanto os ingleses comemoravam, os alemães protestavam. O árbitro suíço consultou o auxiliar soviético, Tofik Bakhramov, e confirmou o gol — décadas depois, com o avanço da tecnologia, foi possível afirmar com segurança que a bola não cruzou a linha totalmente e, portanto, não entrou.


Hurst, caído, observa a bola não entrar no gol. A dúvida permaneceu por anos, até a invenção do tira-teima.

No último minuto da prorrogação, com a Alemanha Ocidental se atirando à frente, Hurst partiu no contra-ataque e, mesmo com a invasão de três torcedores, atirou no ângulo do goleiro alemão, que não se deu ao trabalho de se mexer. A Inglaterra conquistava o seu único título de expressão e Geoffrey Hurst se tornava o único jogador a marcar três vezes numa final de Copa do Mundo — com uma ajudinha da arbitragem.

Bobby Moore recebe a taça das mãos da rainha Elizabeth II. Coroação de uma das melhores gerações de jogadores da Inglaterra.

“Durmo tranquilo, sei que a bola entrou”, disse Gottfried Dienst, anos depois. O árbitro suíço validou um gol para inglês ver, mas que só ele viu.


Bobby Charlton declarou, em 1996, que aquela era "a maior conquista na história do esporte na Inglaterra", e completou dizendo que "será por muitos anos, quem sabe, para sempre".