Existe uma linha
tênue entre torcer e sofrer. Na torcida e no sofrimento há o grito, há o choro,
há a vibração e há tantas outras coisas comuns à emoção humana. Sábado, no
Mineirão, houve tudo isso: o torcedor brasileiro foi da alegria à tristeza e de
novo à alegria num turbilhão de sentimentos jamais vistos em campos brasileiros.
Afinal, é Copa do Mundo. E, em 1950, ainda não existia a decisão por pênaltis.
O sol a pino do
meio-dia emanava um calor só comparável ao que vinha das arquibancadas. A
verdadeira febre amarela engoliu o hino chileno cantado a plenos pulmões pelas inúmeras
camisas vermelhas. Da já tradicional entrada em campo com as mãos nos ombros ao
hino nacional brasileiro à capela, a rouquidão precoce na voz de torcedores e jogadores
anunciava o drama que abriria as oitavas de final da melhor Copa dos últimos
anos.
Brasil x Chile era
uma barbada. Três encontros em Mundiais, três vitórias; uma delas na casa
chilena, o Estádio Nacional de Santiago, em 1962. Quando a bola rolou, ficou
ainda mais evidente quem mandava no Mineirão, dentro e fora de campo. Com 16
minutos a Seleção cobrava seu terceiro escanteio na partida. Neymar botou na
cabeça do capitão Thiago Silva, que desviou com autoridade para a pequena área,
onde a bola encontrou a perna do chileno Jara e, depois, a barriga de David
Luiz. Era o primeiro gol do zagueiro com a camisa amarela. Era a estrela de
David brilhando mais alto que o sol das Minas Gerais.
Porém, o Chile de
2014 não tinha jeito de freguês. Queria se servir na área brasileira, balançar
a rede verde-amarela e criar um "Mineirazo". O time do ótimo Jorge
Sampaoli encurralou um Brasil desatento em seu próprio campo. Numa cobrança de
lateral de Marcelo, Vargas roubou a bola de Hulk, cruzou para a área e Alexis
Sánchez bateu colocado, à direita de Julio Cesar. O canto de "O campeão
voltou" emudeceu em meio às manchas vermelhas enlouquecidas. A posse de
bola virou propriedade chilena: 57%. O primeiro tempo, graças a Deus,
terminou.
A Seleção voltou do
intervalo aguerrida. Enquanto a torcida cantava o hino, anunciava a volta do campeão
e exaltava seu orgulho e amor, o time em campo tentava retomar as rédeas da
partida. Hulk fez o segundo, mas o inglês Howard Webb flagrou um leve domínio
com o braço do atacante brasileiro. O Chile tinha toque de bola, velocidade e
vontade de aprontar. O Brasil não tinha criatividade. Aránguiz testou Julio com
um belíssimo arremate, e lá estava ele, com uma defesa excepcional. Fred saiu,
Jô nem entrou. O fim do jogo foi o começo. Depois de 16 anos, a Seleção
Brasileira se encontrava com a famigerada prorrogação — 1998, Holanda, em
Marselha.
"Eu
acredito!" Um apelo nunca ouvido num jogo da Seleção mostrava o quanto de
tensão havia no ar. O cansaço psicológico virou físico. Brasileiros e chilenos
se fecharam em rodinhas procurando na alma forças que faltavam às pernas. Passes
errados e cruzamentos sem perigo foram um enredo previsível. Até que aos 119 minutos e 40 segundos de bola rolando, Pinilla acertou
um torpedo que explodiu no travessão de Julio. Um frio na espinha se espalhou
por todo o estádio. Quando Howard Webb apitou o fim do tempo extra, o Mineirão
estava exausto.
Com os olhos
marejados, Julio Cesar olhou para o nada e viu Sneijder. Voltou para a Terra e
viu, um a um, todos os jogadores o abraçarem. Foi para a meta e esperou a sua
primeira vítima: Pinilla, o mesmo que ousara carimbar a trave brasileira na prorrogação. Pegou. Veio Alexis, o craque chileno. Mas Julio
virara um animal debaixo das traves, que não distinguia craque de perna-de-pau.
Sem piscar, pegou também. Neymar cobrou o quarto, e assim como David Luiz e
Marcelo, fez. Era o último pênalti chileno, e Jara — o coautor do gol
brasileiro — chutou na trave. Não era mesmo dia dele. O dia era, sim, de Julio Cesar.