quinta-feira, 10 de abril de 2014

1970 | Os Homens do Presidente

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Em 1968, o “ano que não acabou”, o Brasil vivia sob uma falsa democracia, mantida pelo marechal Artur da Costa e Silva. Seu governo — o segundo do regime militar — teve como ápice o Ato Institucional n° 5, que lhe concedeu poderes para fechar o Congresso Nacional, cassar politicos e institucionalizar a repressão. “É proibido proibir” virou lema do célebre movimento estudantil. Em contrapartida, o governo adotou uma postura linha-dura. Militantes esquerdistas, como o cronista esportivo João Saldanha, passaram a ser inimigos do sistema.

A Passeata dos Cem Mil tomou o centro do Rio de Janeiro em junho de 1968. Do alto das escadarias do Teatro Municipal, líderes estudantis, artistas e intelectuais discursaram para a multidão.

Convidado por João Havelange, então presidente da CBD, João Saldanha assumiu o cargo — ou fardo — de técnico da Seleção Brasileira em 1969. Nas eliminatórias para a Copa, o Brasil se classificou ao passar por cima de todos os adversários, com destaque para as goleadas contra a Colômbia, por 6 a 2, e sobre a Venezuela, por 6 a 0. A campanha arrasadora de seis vitórias em seis partidas terminou em 31 de agosto de 1969, com o 1 a 0 diante do Paraguai (gol de Pelé). Naquele dia, o Maracanã registrou o seu maior público oficial: 183.341 espectadores. Naquele dia, Costa e Silva veio a falecer.

A Junta Militar assumiu o poder e o general Emílio Garrastazu Médici tornou-se o vigésimo oitavo presidente do Brasil. As perseguições, as torturas e os desaparecimentos forçados aumentaram. Por meios legais e ilegais, o governo Médici eliminou as guerrilhas comunistas. Começava o período mais cruel da repressão política. Começavam os problemas para João Saldanha.

Fã de futebol, o presidente Médici, que costumava frequentar os estádios, não se limitou a torcer. Os palpites na escalação do time incomodaram Saldanha — Médici queria a convocação do centroavante Dadá Maravilha, do Atlético Mineiro. Além do mais, o general não simpatizava com um comunista dirigindo a Seleção. O técnico acabou batendo de frente com o presidente. “O senhor organiza o seu ministério e eu organizo o meu time.” Porém, a campanha irretocável das eliminatórias, que rendeu ao time o apelido de “feras de Saldanha”, desapareceu.

Antes de entrar para a escola militar, o gaúcho Emílio Médici foi jogador do Grêmio de Bagé (RS). A torcida pelo Flamengo era vista como uma atitude populista, para ganhar a simpatia da maior torcida do País.

O desgaste como treinador do Brasil começou em maio de 1970, com uma derrota para a Argentina — eliminada da Copa pelo Peru —, por 2 a 0, no Beira-Rio. Os resultados ruins nos amistosos preparatórios aliados ao temperamento difícil de Saldanha conturbaram o ambiente da Seleção. Criticado pelo técnico do Flamengo, Yustrich, Saldanha teria invadido a concentração rubro-negra armado de revólver para tirar satisfações. A gota d’água foi o empate de 1 a 1 contra o Bangu num jogo-treino, em Moça Bonita.

Demitido, Saldanha deu lugar a Zagallo. O novo treinador manteve o time, mas mudou o esquema de um ousado 4-2-4 para um tradicional 4-3-3. Ainda assim, os resultados não vieram. Nos cinco jogos que antecederam a estreia brasileira, só a vitória de 5 a 0 sobre o Chile convenceu. Somado a duas vitórias magras e dois empates, o Brasil embarcou rumo ao México sem inspirar confiança para os 90 milhões de brasileiros, à época.

No dia 3 de junho de 1970, o Brasil estreou contra a Tchecoslováquia. E o único torcedor que parecia mesmo acreditar na Seleção Brasileira era o presidente Médici.

“Eles me chamaram (para ser técnico da Seleção) como uma espécie de desafio, porque eu era crítico. Mas botar gente no meu time, ninguém bota”, revelou Saldanha ao Roda Viva.
O técnico chegou a criticar Pelé, dizendo que o Rei estava “míope”.