Para ler o texto anterior, "Cabeça nas Nuvens", clique aqui.
Em 1968, o “ano que não
acabou”, o Brasil vivia sob uma falsa democracia, mantida pelo marechal Artur
da Costa e Silva. Seu governo — o segundo do regime militar — teve como ápice o
Ato Institucional n° 5, que lhe concedeu poderes para fechar o Congresso
Nacional, cassar politicos e institucionalizar a repressão. “É proibido proibir”
virou lema do célebre movimento estudantil. Em contrapartida, o governo adotou
uma postura linha-dura. Militantes esquerdistas, como o cronista esportivo
João Saldanha, passaram a ser inimigos do sistema.
A Passeata dos Cem Mil tomou o centro do Rio de Janeiro em junho de 1968. Do alto das escadarias do Teatro Municipal, líderes estudantis, artistas e intelectuais discursaram para a multidão. |
Convidado por João Havelange, então presidente da CBD, João Saldanha assumiu o cargo — ou fardo — de técnico da Seleção Brasileira em 1969. Nas eliminatórias para a Copa, o Brasil se classificou ao passar por cima de todos os adversários, com destaque para as goleadas contra a Colômbia, por 6 a 2, e sobre a Venezuela, por 6 a 0. A campanha arrasadora de seis vitórias em seis partidas terminou em 31 de agosto de 1969, com o 1 a 0 diante do Paraguai (gol de Pelé). Naquele dia, o Maracanã registrou o seu maior público oficial: 183.341 espectadores. Naquele dia, Costa e Silva veio a falecer.
A Junta Militar assumiu o poder e o general Emílio Garrastazu Médici tornou-se o vigésimo oitavo presidente do Brasil. As perseguições, as torturas e os desaparecimentos forçados aumentaram. Por meios legais e ilegais, o governo Médici eliminou as guerrilhas comunistas. Começava o período mais cruel da repressão política. Começavam os problemas para João Saldanha.
Fã de futebol, o presidente
Médici, que costumava frequentar os estádios, não se limitou a torcer. Os palpites na escalação do time incomodaram Saldanha — Médici queria a convocação do centroavante Dadá Maravilha, do Atlético Mineiro. Além do mais, o general não simpatizava com um comunista dirigindo a Seleção. O técnico acabou batendo de
frente com o presidente. “O senhor organiza o seu ministério e eu organizo o
meu time.” Porém, a campanha irretocável das eliminatórias, que rendeu ao time
o apelido de “feras de Saldanha”, desapareceu.
O desgaste como treinador do
Brasil começou em maio de 1970, com uma derrota para a Argentina — eliminada da
Copa pelo Peru —, por 2 a 0, no Beira-Rio. Os resultados ruins nos amistosos
preparatórios aliados ao temperamento difícil de Saldanha conturbaram o
ambiente da Seleção. Criticado pelo técnico do Flamengo, Yustrich, Saldanha teria invadido
a concentração rubro-negra armado de revólver para tirar satisfações. A gota d’água
foi o empate de 1 a 1 contra o Bangu num jogo-treino, em Moça Bonita.
Demitido, Saldanha deu lugar
a Zagallo. O novo treinador manteve o time, mas mudou o esquema de um ousado 4-2-4
para um tradicional 4-3-3. Ainda assim, os resultados não vieram. Nos cinco
jogos que antecederam a estreia brasileira, só a vitória de 5 a 0 sobre o Chile
convenceu. Somado a duas vitórias magras e dois empates, o Brasil embarcou rumo ao México sem inspirar confiança para os 90 milhões de brasileiros, à época.