quinta-feira, 6 de março de 2014

1930 | Cidades Maravilhosas


Com a queda da monarquia, no fim do século 19, o Rio de Janeiro, sede da corte, começou a perder espaço para uma pequena cidade, até então sem nenhuma expressão política, econômica e cultural no Brasil, chamada São Paulo. A imigração, o café e a industrialização fizeram a cidade crescer e, em pouco tempo, tornar-se o xodó da recém-nascida república. O tempo passou; do ressentimento e do orgulho nasceu a rixa. E como toda rivalidade que se preze, ela chegou ao futebol.

A primeira Copa do Mundo estava para começar, mas CBD (atual CBF) e Apea (a Federação Paulista da época) não se entendiam de jeito nenhum. O motivo era simples: a entidade que regia o futebol não colocara entre os membros da comissão técnica que iria a Montevidéu sequer um integrante paulista. Em represália, a Associação Paulista de Esportes Atléticos se recusou a liberar à CBD os jogadores que atuavam em clubes paulistas. Entre eles, os craques Friedenreich e Feitiço.

Resultado: em 29 de junho de 1930, a Seleção Brasileira embarcou no navio ‘Conte Verde’ com um grupo de atletas quase que exclusivamente formado por jogadores do Rio de Janeiro – à exceção era o paulista Araken Patuska, que estava sem clube. No barco também estavam Jules Rimet e a taça, e a Seleção mal sabia que demoraria muito tempo para chegar perto dela outra vez.

Enfraquecido, o Brasil estreou na Copa no dia 14 de julho, contra a Iugoslávia. Não deu outra: derrota por 2 a 1. No entanto, a notícia foi comemorada nas ruas de São Paulo. A torcida paulista chegou a fazer o enterro simbólico da CBD, atirando um caixão de papelão no Viaduto do Chá.

O Brasil voltou a campo no dia 20, contra a Bolívia, já eliminado. Três dias antes, a Iugoslávia havia vencido a mesma Bolívia, por 4 a 0, e só o campeão do grupo se classificava. O Brasil repetiu o placar e venceu com dois gols de Moderato e dois de Preguinho, mas pouco aliviou o vexame da eliminação precoce.

Um mês depois da Copa, a Seleção enfrentou na capital fluminense três equipes que voltavam de navio de Montevidéu: França, Estados Unidos e a algoz Iugoslávia. Contando com força máxima (cariocas e paulistas), o Brasil superou a França por 3 a 2; os EUA, por 4 a 0; e a Iugoslávia, por 4 a 1. No ano seguinte, em mais um amistoso no Rio, o Brasil venceu o Uruguai, campeão do mundo, por 2 a 0. 

Depois de aprenderem a lição, cariocas e paulistas transferiram a rivalidade da Seleção para os clubes. Em 1933, criaram o Torneio Rio-São Paulo, um interestadual apenas para times dos dois Estados. Em 1950, a disputa passou a ser anual. Em 1967, foi ampliado e deu origem ao Campeonato Brasileiro.

Hoje, o ídolo mais recente da maior torcida paulista é carioca, sugerindo que a política da boa vizinhança ganhou do próprio umbigo. E que umbigo.


















Dia de Mandela


"Mandela Day" é uma música gravada pela banda escocesa Simple Minds, lançada em 1989. Foi composta especialmente para um concerto no antigo estádio de Wembley, em Londres, em homenagem aos 70 anos do então ativista e preso político Nelson Mandela.

Ontem, no estádio Soccer City, em Joanesburgo, mais uma vez Mandela serviu de inspiração. Em homenagem ao ex-presidente, os jogadores da África do Sul exibiram em suas camisas o número 4666/64 — número da cela e do ano em que Mandela esteve aprisionado. O amistoso, o último antes da lista final para a Copa do Mundo, no dia 7 de maio, marcou exatos três meses da morte do líder sul-africano, e o resultado de 5 a 0 não poderia ter sido melhor para a Seleção Brasileira. A começar pelo retorno de Fred, que apesar de não ter marcado, cumpriu bom papel em campo, com uma bela assistência para um dos três gols de Neymar.

O Brasil começou o primeiro tempo vestindo amarelo, errando passes e perdendo gols. O estreante Fernandinho e o titularíssimo Paulinho eram o retrato de um time desatento. Nem o gol de Oscar, aos 9min — com cavadinha e tudo —, foi capaz de acender a equipe. Por outro lado, a dupla Thiago Silva e David Luiz mostrava a segurança de sempre. Foi então que a seleção tomou vergonha e resolveu jogar. Aos 40min, Neymar recebeu, avançou e, da entrada da área, chutou forte e rasteiro. A bola passou por baixo das pernas do goleiro Williams, que acabou engolindo um frango em plena quarta-feira de cinzas. Ao final da etapa inicial, os 2 a 0 ficaram de bom tamanho.

Veio o segundo tempo e a Seleção mudou de lado, de atitude e de uniforme. A nova camisa azul, com listras de diferentes tons, foi logo mostrando a que veio. Em 29 segundos, Fred deu um belo passe para Neymar, que com um toque apoteótico por cima do goleiro ampliou o placar. 3 a 0: vantagem confortável para Felipão fazer experiências. Na melhor delas, Luiz Gustavo entrou como primeiro volante e, enfim, Fernandinho pode mostrar toda a sua versatilidade. Aos 33min, o meia do Manchester City ganhou o rebote da defesa sul-africana e acertou um míssil indefensável para o goleiro: 4 a 0, no momento em que a África do Sul buscava o seu gol de honra. A Seleção ainda conseguiu um quinto e último gol, aos 45min, quando Daniel Alves cruzou da esquerda para Jô, que ajeitou de cabeça para a chegada de Neymar.

Na terra de Nelson Mandela, o Brasil viu o seu melhor desfile neste carnaval. Até porque em nenhum momento o torcedor sul-africano deixou de fazer festa, apesar da impiedosa goleada. Nem mesmo uma invasão de campo foi capaz de tirar o brilho do espetáculo. O garoto de sete anos só queria ver os ídolos de perto, mas acabou provando que a Seleção Brasileira ainda tem carinho e respeito por onde passa — uma espécie de Madiba da bola.