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Os milagres estão, geralmente, vinculados às religiões. Contudo, uma vez ou outra, esses acontecimentos extraordinariamente sem explicação aterrissam em outros campos do conhecimento, como aqueles cobertos de grama. Mas se formos pensar que, para muitos, o futebol é uma religião, nada mais natural do que o improvável dar as caras nos gramados.
Os milagres estão, geralmente, vinculados às religiões. Contudo, uma vez ou outra, esses acontecimentos extraordinariamente sem explicação aterrissam em outros campos do conhecimento, como aqueles cobertos de grama. Mas se formos pensar que, para muitos, o futebol é uma religião, nada mais natural do que o improvável dar as caras nos gramados.
Se a palavra da Copa de 50 foi “tragédia”, a do
Mundial de 54 foi “milagre”. A começar pelos resultados exóticos: Alemanha
Ocidental 7 x 2 Turquia e Inglaterra 4 x 4 Bélgica, pela primeira fase, além de
Áustria 7 x 5 Suíça, pelas quartas de final — a partida com maior número de
gols em Mundiais. Mas uma partida, em especial, chamou a atenção na fase de
grupos: Hungria 8 x 3 Alemanha Ocidental.
Prevendo dificuldades em derrotar os húngaros, o
técnico alemão Sepp Herberger poupou vários titulares. Resultado: a Alemanha
Ocidental perdeu e acabou empatada com a Turquia na classificação do grupo. Os
dois países tiveram de decidir a vaga em um jogo extra — na estreia da Copa, os
alemães venceram os turcos por 4 a 1.
A estratégia acabou dando certo: com os titulares de
volta, a Alemanha Ocidental goleou, mais uma vez, a Turquia (7 a 2) e se
classificou para a fase seguinte. Os alemães só não contavam com a humilhante
derrota para a Hungria.
Em um confronto bastante equilibrado, nas quartas de
final, a Alemanha Ocidental passou pela forte Iugoslávia: 2 a 0. E, nas
semifinais, em tarde inspirada de Morlock, autor de três gols, a equipe germânica arrasou a Áustria, por 6 a 1 — a partida marcou uma possível revanche
austríaca pela não participação do país na Copa de 38, o que não aconteceu.
Cansada pela dura batalha contra o Brasil, a Hungria enfrentou, nas semifinais, o então campeão Uruguai. Com a eliminação da Itália ainda na fase de grupos, a Celeste era a única que poderia conquistar a posse definitiva da taça Jules Rimet.
A partida em Lausanne foi dura. Os uruguaios
ofereceram uma resistência inesperada aos favoritos húngaros. Mesmo assim, a
Hungria abriu 2 a 0, com Czibor e Hidegkuti. Ferrenho, o Uruguai foi buscar a
igualdade nos 15 minutos finais, com dois gols de Hohberg — que desmaiou de
emoção no lance do empate.
Na prorrogação, com as equipes esgotadas, o artilheiro
húngaro Kocsis, um dos poucos com fôlego àquela altura, marcou duas vezes e deu
a vitória aos magiares: 4 a 2. Curiosamente, era a primeira vez que a Celeste
saia derrotada em um jogo de Copa do Mundo.
A partida entre Hungria e Uruguai é tida por muitos como uma das melhores de toda a história das Copas. |
A capital suíça amanheceu sob chuva no dia da grande
final. Nem mesmo os relâmpagos eram capazes de assustar os húngaros, que,
francos favoritos, enfrentariam os alemães, mais uma vez. Entretanto, o capitão
germânico, Fritz Walter, jogava seu melhor futebol debaixo d’água, devido a
problemas com o calor após ter contraído malária durante a guerra — ele foi
paraquedista do exército nazista.
Pensando nisso, o proprietário da Adidas, fornecedora
de material esportivo da seleção alemã, apresentou chuteiras com cravos
intercambiáveis, que se adaptariam melhor ao gramado molhado. Os alemães não
tinham a mesma técnica que os húngaros, mas compensavam com certa dose de esperteza.
A Alemanha Ocidental entrou em campo sem a pressão de ter que ganhar. |
Do lado da Hungria, as condições físicas de Puskás
eram duvidosas; o craque havia ficado de fora das duas últimas partidas. Somado
a isso, o cansaço pelos árduos confrontos contra Brasil e Uruguai. Mas com um futebol
à frente do seu tempo — toques rápidos e um sistema tático moderno
(protótipo do 4-2-4) —, os magiares tinham uma grande vantagem sobre os rivais.
Quando os húngaros fizeram 2 a 0 em oito minutos, gols
de Puskás e Czibor — numa bobeada incrível do goleiro Turek —, a confiança no
título ficou ainda maior. No entanto, os alemães estavam preparados. O campo
pesado, por causa da chuva, favoreceu o melhor preparo físico do escrete alemão.
Aos 10min, Morlock reduziu o placar. Oito minutos
depois, Rahn concluiu um escanteio cobrado por Fritz Walter e empatou. A reação
alemã abateu o time húngaro.
Nervosa, a Hungria desperdiçou diversas oportunidades.
Foi quando Schäfer roubou a bola no meio-campo e cruzou na área. A defesa
afastou mal e Rahn bateu rasteiro, no canto, depois de cortar a marcação. A
Alemanha Ocidental virava o jogo, 3 a 2, a seis minutos do fim.
De nervosa à desesperada, a Hungria foi com tudo para
cima em busca do empate; por pouco não conseguiu. Primeiro, o goleiro Turek
defendeu um arremate à queima-roupa de Czibor. Depois, Puskás chegou a marcar,
mas teve seu gol anulado por impedimento. Não havia tempo para mais nada.
O capitão Fritz Walter e o técnico Sepp Herberger são carregados na comemoração do título. |
Quatro anos depois de o Uruguai calar o Maracanã, a
zebra marcou presença novamente na final da Copa do Mundo. Para a Alemanha
Ocidental, significou a superação de uma equipe limitada em prol de um país
esfacelado pela guerra. Para a Hungria, foi o fim de 31 jogos de
invencibilidade e o início da decadência de uma geração de ouro.
O estilo
pragmático de jogar futebol vencia, pela primeira vez, o futebol arte. E o
mundo aprendia uma lição: jamais duvide do potencial da seleção alemã.
Puskás cumprimenta Fritz Walter pelo título: anos depois, o craque abandonaria o país por causa da intervenção soviética, se naturalizaria espanhol e disputaria a Copa de 62 por sua nova pátria. |
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