quarta-feira, 19 de março de 2014

1954 | O Milagre de Berna

Para ler o texto anterior, "A Batalha de Berna",clique aqui.


Os milagres estão, geralmente, vinculados às religiões. Contudo, uma vez ou outra, esses acontecimentos extraordinariamente sem explicação aterrissam em outros campos do conhecimento, como aqueles cobertos de grama. Mas se formos pensar que, para muitos, o futebol é uma religião, nada mais natural do que o improvável dar as caras nos gramados.

Se a palavra da Copa de 50 foi “tragédia”, a do Mundial de 54 foi “milagre”. A começar pelos resultados exóticos: Alemanha Ocidental 7 x 2 Turquia e Inglaterra 4 x 4 Bélgica, pela primeira fase, além de Áustria 7 x 5 Suíça, pelas quartas de final — a partida com maior número de gols em Mundiais. Mas uma partida, em especial, chamou a atenção na fase de grupos: Hungria 8 x 3 Alemanha Ocidental.

Prevendo dificuldades em derrotar os húngaros, o técnico alemão Sepp Herberger poupou vários titulares. Resultado: a Alemanha Ocidental perdeu e acabou empatada com a Turquia na classificação do grupo. Os dois países tiveram de decidir a vaga em um jogo extra — na estreia da Copa, os alemães venceram os turcos por 4 a 1.

A estratégia acabou dando certo: com os titulares de volta, a Alemanha Ocidental goleou, mais uma vez, a Turquia (7 a 2) e se classificou para a fase seguinte. Os alemães só não contavam com a humilhante derrota para a Hungria.

Em um confronto bastante equilibrado, nas quartas de final, a Alemanha Ocidental passou pela forte Iugoslávia: 2 a 0. E, nas semifinais, em tarde inspirada de Morlock, autor de três gols, a equipe germânica arrasou a Áustria, por 6 a 1 — a partida marcou uma possível revanche austríaca pela não participação do país na Copa de 38, o que não aconteceu.

Puskás em ação contra os alemães: a Hungria revolucionou não só no esquema tático, em que os atacantes não tinham posição fixa, mas também em sua preparação. Antes das partidas, os húngaros faziam aquecimento, prática incomum na época.





















Cansada pela dura batalha contra o Brasil, a Hungria enfrentou, nas semifinais, o então campeão Uruguai. Com a eliminação da Itália ainda na fase de grupos, a Celeste era a única que poderia conquistar a posse definitiva da taça Jules Rimet.

A partida em Lausanne foi dura. Os uruguaios ofereceram uma resistência inesperada aos favoritos húngaros. Mesmo assim, a Hungria abriu 2 a 0, com Czibor e Hidegkuti. Ferrenho, o Uruguai foi buscar a igualdade nos 15 minutos finais, com dois gols de Hohberg — que desmaiou de emoção no lance do empate.

Na prorrogação, com as equipes esgotadas, o artilheiro húngaro Kocsis, um dos poucos com fôlego àquela altura, marcou duas vezes e deu a vitória aos magiares: 4 a 2. Curiosamente, era a primeira vez que a Celeste saia derrotada em um jogo de Copa do Mundo.

A partida entre Hungria e Uruguai é tida por muitos como uma das melhores de toda a história das Copas.

 A capital suíça amanheceu sob chuva no dia da grande final. Nem mesmo os relâmpagos eram capazes de assustar os húngaros, que, francos favoritos, enfrentariam os alemães, mais uma vez. Entretanto, o capitão germânico, Fritz Walter, jogava seu melhor futebol debaixo d’água, devido a problemas com o calor após ter contraído malária durante a guerra — ele foi paraquedista do exército nazista.

Pensando nisso, o proprietário da Adidas, fornecedora de material esportivo da seleção alemã, apresentou chuteiras com cravos intercambiáveis, que se adaptariam melhor ao gramado molhado. Os alemães não tinham a mesma técnica que os húngaros, mas compensavam com certa dose de esperteza.

A Alemanha Ocidental entrou em campo sem a pressão de ter que ganhar.

 Do lado da Hungria, as condições físicas de Puskás eram duvidosas; o craque havia ficado de fora das duas últimas partidas. Somado a isso, o cansaço pelos árduos confrontos contra Brasil e Uruguai. Mas com um futebol à frente do seu tempo — toques rápidos e um sistema tático moderno (protótipo do 4-2-4) —, os magiares tinham uma grande vantagem sobre os rivais.

Quando os húngaros fizeram 2 a 0 em oito minutos, gols de Puskás e Czibor — numa bobeada incrível do goleiro Turek —, a confiança no título ficou ainda maior. No entanto, os alemães estavam preparados. O campo pesado, por causa da chuva, favoreceu o melhor preparo físico do escrete alemão.

Aos 10min, Morlock reduziu o placar. Oito minutos depois, Rahn concluiu um escanteio cobrado por Fritz Walter e empatou. A reação alemã abateu o time húngaro.

Nervosa, a Hungria desperdiçou diversas oportunidades. Foi quando Schäfer roubou a bola no meio-campo e cruzou na área. A defesa afastou mal e Rahn bateu rasteiro, no canto, depois de cortar a marcação. A Alemanha Ocidental virava o jogo, 3 a 2, a seis minutos do fim.

De nervosa à desesperada, a Hungria foi com tudo para cima em busca do empate; por pouco não conseguiu. Primeiro, o goleiro Turek defendeu um arremate à queima-roupa de Czibor. Depois, Puskás chegou a marcar, mas teve seu gol anulado por impedimento. Não havia tempo para mais nada.

O capitão Fritz Walter e o técnico Sepp Herberger são carregados na comemoração do título.

 Quatro anos depois de o Uruguai calar o Maracanã, a zebra marcou presença novamente na final da Copa do Mundo. Para a Alemanha Ocidental, significou a superação de uma equipe limitada em prol de um país esfacelado pela guerra. Para a Hungria, foi o fim de 31 jogos de invencibilidade e o início da decadência de uma geração de ouro.


O estilo pragmático de jogar futebol vencia, pela primeira vez, o futebol arte. E o mundo aprendia uma lição: jamais duvide do potencial da seleção alemã.


Puskás cumprimenta Fritz Walter pelo título: anos depois, o craque abandonaria o país por causa
da intervenção soviética, se naturalizaria espanhol e disputaria a Copa de 62 por sua nova pátria.






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