sexta-feira, 30 de maio de 2014

1994 | Droga, Tá Fora

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No auge de seu império, em 1989, este empresário foi reconhecido como o sétimo homem mais rico do mundo pela Revista Forbes, com uma fortuna estimada em 25 milhões de dólares. Sua corporação, que possuía aviões, lanchas e automóveis de luxo, faturava cerca de 30 bilhões de dólares por ano. Com inúmeras propriedades e terras sob seu controle, ele ganhava uma incontável fortuna em dinheiro. Mas ao contrário de outros magnatas, este homem trabalhava para melhorar a vida da população carente. Por isso, muitos o consideravam um herói na cidade. Seu nome: Pablo Escobar. Sua empresa: o Cartel de Medellín.

Inimigo dos governos colombiano e norte-americano, Pablo Escobar cultivava um lado Robin Hood ao distribuir dinheiro às comunidades mais pobres, além de bancar atendimentos médicos e construir escolas. Em retribuição, o povo escondia informações da polícia e fazia todo o possível para proteger o seu benfeitor. Fã de futebol, Pablo almejava criar um campinho em cada esquina de Medellín. Foi justamente num desses, de terra batida, que outro Escobar começou sua trajetória: Andrés, jogador da seleção colombiana.

Pablo Escobar fazendo a contabilidade. Em 1993, o governo colombiano declarou guerra ao narcotráfico. Depois de inúmeras tentativas frustradas, a polícia conseguiu fechar o cerco a Pablo e o assassinou.

Andrés Escobar era zagueiro do brilhante time da Colômbia que, em 5 de setembro de 1993, em Buenos Aires, imprimiu à Argentina a mais acachapante derrota em casa de toda a sua história: 5 a 0. Naquele dia, em que Rincón e Asprilla marcaram dois gols cada um, a Colômbia assumiu o posto de favorita para ganhar a Copa do Mundo de 94, segundo o Rei Pelé — o que, acredite, era um palpite bastante respeitável à época.

O Mundial dos Estados Unidos era um grande desafio para a FIFA. Primeiro, pelo próprio interesse da população. Para os norte-americanos, o futebol não tinha o mesmo glamour do beisebol, a mesma emoção do basquete e nem as infindáveis paradas no cronômetro do futebol americano — o que, ao longo dos anos, se tornou o parque de diversões dos anunciantes. Segundo, pelas várias mudanças na regra do jogo, impostas pelo fracasso técnico do Mundial anterior, a fim de tornar as partidas mais atraentes ao público. Entre as novidades, estavam o recuo de bola (o goleiro só poderia receber a bola com os pés, salvo atrasos com a cabeça), o cartão vermelho ao jogador que atingisse o adversário por trás, os nomes dos atletas nas costas e os três pontos por vitória. Deu certo: os estádios lotaram e o número de gols aumentou — 141, melhor marca desde 1982.

Etcheverry lamenta a sua expulsão na estreia contra a Alemanha, que fez jus ao seu apelido de "El Diablo". Pela segunda vez um jogador levou cartão vermelho em uma abertura de Copa. Sem a altitude, a Bolívia ficou sem fôlego para se classificar.

A Copa com a maior média de público da história (68.991) começou em 17 de junho, em Chicago, com a então campeã Alemanha enfrentando a surpresa das eliminatórias, a Bolívia, pelo Grupo C. Os alemães conseguiram a vitória graças a uma escorregada do goleiro Trucco no segundo tempo — Klinsmann aproveitou e marcou o único gol da partida. Mesmo assim, a Alemanha não apagou a má apresentação na estreia, dando a entender que dificilmente chegaria a sua quarta final de Copa consecutiva.

As baixas expectativas foram confirmadas contra a Espanha (1 a 1) e, principalmente, a Coreia do Sul (3 a 2). Nesta partida, disputada sob um calor de 46° em Dallas, o time alemão abriu 3 a 0 no primeiro tempo, com dois gols de Klinsmann. Porém, na segunda etapa, os sul-coreanos reagiram, marcaram duas vezes e por pouco não empataram. Se já não bastasse o sufoco, Effenberg, ao ser substituído, fez gestos obscenos para a torcida. A cena lhe custou mais que um lugar na equipe titular: o jogador foi desligado da delegação alemã por indisciplina.

Al Owairan parte para cima da defesa belga, dribla meio time e marca o gol mais bonito da Copa. Como recompensa, o jogador ganhou um Rolls Royce da família real saudita. A Arábia Saudita se classificou em 1° no Grupo F, à frente de Holanda e Bélgica.

No grupo D, a então vice-campeã Argentina começou arrasadora. Na goleada sobre a estreante Grécia por 4 a 0, em Boston, o argentino Batistuta — também em sua primeira Copa – fez um hat trick (3 gols), disparando na artilharia logo na primeira rodada. No entanto, o gol que mais ficou marcado foi o de Maradona, o terceiro dos Hermanos. O chute de canhota acertou o ângulo do goleiro grego Minou, que nem se mexeu. Na comemoração endiabrada do camisa 10, até o cameraman se assustou. Embalados, os argentinos viraram o jogo contra a Nigéria, na segunda rodada, com dois gols de Caniggia. No final da partida, Maradona saiu de mãos dadas com uma enfermeira, que o levou para o exame antidoping. Por fora, o craque argentino deu uma aula de simpatia. Por dentro, uma aula de química.

Efedrina, norefedrina, pseudoefedrina, norpseudoefedrina e metaefedrina foram as substâncias encontradas na urina do jogador. Dieguito foi suspenso por 15 meses, já que era reincidente — em 91, fora punido também por 15 meses pelo uso de cocaína. O escândalo foi decisivo para o moral da equipe, que vinha bem até então. Na última rodada, a Argentina perdeu para a Bulgária, por 2 a 0, e da primeira caiu para a terceira colocação no grupo. Nas oitavas, com Maradona nas arquibancadas, uma nova derrota eliminou a seleção portenha: 3 a 2 para a Romênia, num show do meia Hagi.

Rasheed Yekini comemora o primeiro gol da Nigéria em Copas, na vitória de 3 a 0 sobre a Bulgária. Emocionado, o atacante se agarrou às redes para agradecer. Os nigerianos ficaram em primeiro lugar no grupo D, da Argentina.

Gheorghe Hagi era um daqueles gênios da bola que esbanjavam habilidade com a perna esquerda — o que lhe rendeu o apelido de "Maradona dos Cárpatos". Líder dentro e fora de campo, o camisa 10 romeno conduziu sua seleção ao que, na época, poderia se chamar de zebra: a derrota da "toda poderosa" Colômbia. No jogo disputado em Pasadena, os colombianos nem de longe mostraram o futebol que os credenciaram a favoritos. Com duas assistências para Răducioiu e um golaço da lateral esquerda, Hagi construiu o placar de 3 a 1 que Pelé não esperava. Entretanto, na partida seguinte, uma irreconhecível Romênia tropeçou de forma estrondosa diante da Suíça: 4 a 1. Mas a surpresa estava no outro confronto da rodada: Estados Unidos x Colômbia.

Hagi comemora mais um gol... com passe seu. O romeno deu três assistências e marcou três gols na Copa de 94. Um deles, contra a Colômbia, num chute de 30 metros da lateral esquerda. "Meu pé esquerdo é realmente muito bom", disse ele.

 A torcida contra em Pasadena era o menor dos problemas para os jogadores colombianos, que depois da derrota para a Romênia encontraram ameaças de morte nas paredes de seus quartos. Mesmo tensa, a Colômbia chegou a esbanjar um bom futebol no início de jogo, e chutou uma bola na trave de Meola. Porém, aos 35min, o mundo desabou. John Harkes cruzou da esquerda e o zagueiro Escobar — aquele dos campos de terra, em Medellín — tentou interceptar o passe, mas a bola acabou pegando o goleiro Córdoba no contrapé. Escobar deitou no gramado com as mãos na cabeça. O sonho virara pesadelo.

Desconcentrada, a Colômbia ainda levou outro gol, de Stewart. Valencia diminuiu no último lance. A derrota por 2 a 1 eliminou a favorita ao título com uma rodada de antecipação. Nem a vitória por 2 a 0 sobre a Suíça, na última partida, livrou os jogadores colombianos de críticas e ameaças. Andrés Escobar foi o alvo principal.

Escobar, no chão, lamenta o erro — fatal. O futebol colombiano vivia o auge de sua história graças ao capital injetado pelos mafiosos. Eles usavam os clubes do país para lavar dinheiro e faturar com manipulação de resultados e apostas. As equipes contavam com os melhores jogadores e não por acaso incomodaram na Taça Libertadores — o América de Cali foi vice três anos seguidos e o Atlético Nacional, campeão em 89.

Onze dias depois de marcar um gol contra, o jogador estava num bar de Medellín quando, segundo uma testemunha, se desentendeu com um grupo de quatro pessoas. Seguido até o estacionamento, Andrés foi cercado e executado. De acordo com outra testemunha, o atirador teria gritado "gol" em cada um dos 15 disparos. O inquérito policial apurou que o assassino era um apostador ligado ao Cartel de Medellín. Uma triste ironia do destino para o garoto que começou nos campos de terra — financiados pela organização — e acabou debaixo dela.

A Colômbia perdera mais que o seu zagueiro central. Perdera a alegria de jogar futebol.

Maradona deixa o gramado pela última vez em uma Copa do Mundo. Depois de cumprir os 15 meses de suspensão, ele voltou ao Boca Juniors, seu time do coração, onde encerrou a carreira — futebolística —, em 97, no dia do seu aniversário de 37 anos. 



terça-feira, 27 de maio de 2014

1990 | Queda e Apogeu

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As ruas estavam tomadas. Milhares de pessoas celebravam, se abraçavam e se beijavam, sem nunca antes terem se visto. Outras tantas bebiam cerveja gratuita em bares, servida pelos próprios estabelecimentos. Tudo em ritmo de batucada e samba. Porém, em vez de subir em trios elétricos, o povo estava aglomerado sobre o muro; e no lugar de pandeiros e tamborins, tinham martelos e picaretas nas mãos. Era 9 de novembro de 1989, e Berlim vivia um verdadeiro Carnaval fora de época.

Nas cercanias do Portão de Brandeburgo, um dos principais pontos de travessia do muro, cidadãos das duas Berlins passavam de um lado (oriental) para o outro (ocidental, e vice-versa) pelo simples prazer de saciar — matar, nunca mais — a curiosidade. Afinal, após 27 anos, os berlinenses podiam sentir a sensação de estarem juntos e livres novamente.


A queda do Muro de Berlim sepultou a Guerra Fria, deu início a reunificação alemã e acelerou o fim da União Soviética (em 1991), além de motivar diversos desmembramentos territoriais no Leste Europeu.

Enquanto uma muralha ruía, outra se erguia no centro-sul da Europa. Seu nome: Walter Zenga. Com a vitória por 1 a 0 sobre a Argélia, no dia seguinte à queda do Muro de Berlim, o goleiro italiano completou 103 minutos sem tomar gols pela seleção — o último havia sido do brasileiro André Cruz, em outubro. A squadra italiana ainda disputou mais cinco partidas amistosas antes de estrear na Copa. Quando a equipe entrou no estádio Olímpico de Roma para enfrentar a Áustria, no dia 9 de junho de 1990, Zenga estava há 450 minutos sem ser vazado.

No entanto, o time do técnico Azeglio Vicini só havia marcado um gol naquele ano. Quatro empates por 0 a 0 eram preocupantes mesmo para quem jogava o Mundial em casa. Na estreia não foi diferente. O sofrimento dos tifosi permeou quase toda a partida, até que, aos 33min da etapa final, Salvatore Schillaci marcou o gol salvador. Ele entrara na partida dois minutos antes no lugar de Carnevale. Era a sua segunda partida com a camisa azul e o seu primeiro gol com ela.

Schillaci virou titular na terceira partida da Itália, quando a Azzurra venceu a Tchecoslováquia por 2 a 0 — um gol dele — e, enfim, ultrapassou a marca de um gol por partida, depois de nove meses. Com ele em campo, a Itália alcançou três vitórias no Grupo A — havia vencido os Estados Unidos por 1 a 0, na segunda rodada, com gol de Giannini. A anfitriã chegava à segunda fase como favorita e 'Totó' Schillaci como o xodó da Copa.


As manchetes da imprensa italiana à época revelavam a devoção italiana por Schillaci: "Totó, o gênio do gol", "Totó, você nos faz sonhar" e "Com Totó a festa não acaba".

O siciliano de olhos esbugalhados que corria enlouquecido a cada gol que marcava embalou a Azzurra. Nos 2 a 0 sobre o Uruguai, nas oitavas, Totó marcou o primeiro num belo chute de fora da área. Na vitória de 1 a 0 diante da Irlanda, nas quartas, o atacante mostrou que também era oportunista. No arremate de Donadoni, o goleiro Pat Bonner rebateu a bola no pé do artilheiro, que aproveitou para marcar o seu quarto gol na competição. Mas não era só Schillaci que vivia um conto de fadas.

Na Argentina de Maradona, adversária da Itália nas semifinais, havia também um predestinado. Assim como Totó, o goleiro Sergio Goycochea saiu do banco de reservas e se tornou o principal responsável pela Argentina ter ido tão longe. Depois de segurar o Brasil nas oitavas, o goleiro foi o herói da classificação contra a Iugoslávia, nas quartas de final. O empate por 0 a 0 levou a decisão para os pênaltis, e o arqueiro pegou duas cobranças — de Brnović e Hadzibegić.


Goycochea defendeu quatro pênaltis na Copa. Ele entrou aos 11min do primeiro tempo da partida contra a URSS, depois que o goleiro titular Pumpido fraturou a perna numa dividida com o zagueiro Olarticoechea.

A semifinal entre Itália e Argentina, em Nápoles, foi diferente de todas as outras já disputadas em uma Copa do Mundo. A começar pelos tifosi napolitanos, que, em parte, torceram para Argentina e não para a Itália. Isso graças a uma divindade chamada Maradona, que tirou o pequeno Napoli do anonimato com dois scudettos. Até mesmo os italianos fiéis se sentiram na obrigação de dar explicações: "Desculpe, Dieguito, nós te amamos, mas a Itália é a nossa pátria", dizia uma das faixas nas arquibancadas do estádio San Paolo. A genialidade de Maradona havia tomado proporções inimagináveis ao fazer um povo duvidar de seu próprio sentimento.

Em campo, o gol de Schillaci não foi novidade para ninguém. O artilheiro marcou seu quinto na Copa logo a 17min, aproveitando a rebatida do goleiro, assim como acontecera frente à Irlanda. Tudo levava a crer que a Itália disputaria o tetra em seus domínios, mas os tifosi não contavam com a falha de Zenga, aos 22min do segundo tempo. O goleiro italiano saiu mal do gol e Caniggia, o carrasco dos tricampeões, desviou de cabeça para o fundo das redes. Acabava ali uma invencibilidade de 517 minutos de Zenga sem sofrer gols — 967 minutos, se contarmos os amistosos.

O empate seguiu prorrogação adentro, e a angústia aumentou quando o árbitro Michel Vautrot se esqueceu de olhar o relógio: o tempo extra durou 8 minutos a mais do que deveria. Extenuados, italianos e argentinos acabaram decidindo a vaga nos pênaltis. Foi então que o destino brilhou mais uma vez para Goychochea, que defendeu as cobranças de Donadoni e Serena e colocou a Argentina de Maradona na final. A cidade de Nápoles estava dividida entre alegrias e tristezas.


Maradona observa a Etrusco — a bola da Copa — vencer Zenga após 517 minutos. Depois de sorrir nas semifinais, o craque argentino chorou na decisão, em Roma. Jamais um capitão levantou a taça duas vezes.

Pela primeira vez na história, uma final de Copa do Mundo se repetiu. Argentina e Alemanha Ocidental estavam de volta à decisão depois de apenas quatro anos. O time de Franz Beckenbauer era a única luz no fim do túnel de um futebol desesperado por arte. Os germânicos chegaram a ensaiar um espetáculo ao golear a Iugoslávia (4 a 1) e os Emirados Árabes (5 a 1) nas duas primeiras partidas do Grupo D, mas o empate com a Colômbia por 1 a 1 — Rincón empatou nos acréscimos — deixou claro que os artistas da bola haviam ficado no passado.

Era a vez da eficiência tática. E da rivalidade. Contra a Holanda nas oitavas, a derrota em casa pela Euro 88 ainda estava fresca na memória alemã. O clássico também envolveu os dois clubes de Milão, local do confronto. Do lado germânico, Brehme, Matthäus e Klinsmann faziam parte da Internazionale; do lado holandês, Rijkaard, Gullit e van Basten defendiam o Milan. Com tantos egos a serem administrados, a partida não poderia mesmo começar bem.

Aos 20min, Rijkaard e Völler se desentenderam na pequena área defendida pela Holanda e foram expulsos. Na saída do campo, o holandês deu uma cusparada no alemão, que ameaçou revidar, mas se segurou. Sem os brigões, a partida voltou à civilidade. Klinsmann, de cabeça, abriu o placar aos 6min da etapa final, após o cruzamento de Buchwald. Brehme fez o segundo da Alemanha Ocidental: um golaço do bico da grande área, a 8 minutos do fim. Coube a Koeman, de pênalti, fazer o gol de honra holandês, aos 44min do segundo tempo.


A atitude lamentável de Rijkaard só aumentou a decepção com o futebol holandês. Ainda pelas oitavas, a Espanha foi eliminada pela Iugoslávia (2 a 1) e a Irlanda tirou a Romênia nos pênaltis (5 a 4), depois do 0 a 0 no tempo normal e na prorrogação.

Também de pênalti foi o gol do excelente Lothar Matthäus contra a surpresa tcheca, nas quartas de final. Com cinco tentos assinalados, o tcheco Skuhravý se despediu da Copa como artilheiro momentâneo — dois contra os Estados Unidos, na fase de grupos, e três contra a Costa Rica, nas oitavas. Foi a última Copa da Tchecoslováquia, que se dissolveria em duas nações em 1992: República Tcheca e Eslováquia.

As semifinais da Copa de 90 colocaram frente a frente, pela última vez, quatro campeões mundiais. No dia seguinte à eliminação italiana, a Inglaterra voltou a disputar uma semifinal depois de 24 anos, apesar de ser apenas a segunda vez que ficava entre os quatro. Com gols de Brehme, para a Alemanha Ocidental, e Lineker, para a Inglaterra, a outra vaga na finalíssima também foi decidida nos pênaltis. O goleiro alemão Illgner defendeu a cobrança de Pearce e Waddle chutou para o alto a oportunidade inglesa de ir à final.

Illgner pega o pênalti de Pearce. A Copa de 90 teve o recorde de decisões por pênalti: quatro. A partida foi arbitrada pelo brasileiro José Roberto Wright, que ficou de fora da final por veto alemão, antes mesmo das semifinais — eles acreditavam que a culpa pelos dois vices era das arbitragens brasileiras.

Na grande final, transmitida via satélite para milhões em todo o planeta, Maradona estava só. Sem Caniggia, suspenso, a Argentina perdeu sua única jogada — e a cabeça. Para conter a velocidade alemã, os hermanos abusaram das faltas, algumas delas bastante violentas. Como já era esperado, Monzón foi expulso aos 20min do segundo tempo, depois de atingir Klinsmann pela segunda vez — na primeira, dentro da área, o árbitro fez vista grossa. A Argentina tinha o primeiro jogador expulso em uma final de Copa do Mundo e, com um a menos, limitou-se a se defender.

Faltando cinco minutos para o encerramento do jogo, Völler entrou na área e caiu no choque com Sensini. O árbitro mexicano Edgardo Codesal, notório pela marcação de pênaltis durante o Mundial — que o levaram à decisão — correu imediatamente para a marca da cal, certamente pensando em compensar o erro anterior. Os jogadores argentinos cercaram Codesal e deram peitadas no árbitro, que distribuiu cartões amarelos.

Com a confusão controlada, Brehme se encarregou da cobrança — Matthäus, o cobrador oficial, estava com dores no pé direito. Goycochea, o pegador de pênaltis, chegou a tocar na bola com a ponta dos dedos, mas não conseguiu evitar o gol: Alemanha Ocidental 1 a 0. A Argentina ainda teve mais um jogador expulso, Dezotti, antes do apito final. Enquanto os alemães comemoravam o tricampeonato mundial, os argentinos amargavam o título de equipe mais indisciplinada do torneio. O choro de Maradona representava o último tango em uma final de Copa.


Brehme, autor do gol do título, conversa com um inconformado Maradona durante a partida, em Roma. A Argentina foi a primeira seleção a não marcar gols em uma final de Copa do Mundo.

Em Berlim, os sinos tocaram, os fogos de artifício dominaram os céus e o povo comemorou nas ruas o feito de Beckenbauer e seus comandados. Era um pequeno ensaio do que viria a acontecer três meses depois, na festa da reunificação da Alemanha — apenas e tão somente Alemanha.


Matthäus, o capitão e responsável pela organização do time, levanta a taça. Era a última vez que as Alemanhas competiam separadamente. Sob uma única bandeira, a Alemanha se tornou o mais bem-sucedido país europeu no futebol e na economia.

domingo, 25 de maio de 2014

1990 | Me Engana que Eu Gosto

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Símbolo carioca do luxo — e da luxúria —, o Copacabana Palace hospedou, em 16 de janeiro de 1989, todos os então 26 dirigentes das federações estaduais de futebol do Brasil. Com tudo pago pela CBF, Ricardo Teixeira foi eleito por unanimidade o novo presidente da entidade. Ao assumir o cargo, negou ter gasto 2 bilhões de cruzados em sua campanha eleitoral, falou em "dar vez ao Norte e Nordeste" e prometeu retirar sua candidatura à reeleição.

{ acusado de corrupção e desvio de verba, Ricardo Teixeira ficou no poder até 2012, quando então renunciou }

Ricardo Teixeira durante a apresentação de Sebastião Lazaroni como novo técnico da Seleção Brasileira. Lazaroni acreditava que "a arte é um requinte que se pode usar a cada momento. Mas só com arte não se ganha títulos", o que nos revelava um futuro sombrio.

Seis meses depois, Sebastião Lazaroni, o homem de confiança de Ricardo Teixeira, levou o Brasil a conquistar sua primeira Copa América em 50 anos. Com vitórias marcantes contra a Argentina (2 a 0) e o Uruguai (1 a 0, no aniversário de 49 anos do "Maracanazo"), o torneio consagrou a dupla Bebeto e Romário, autora de 9 dos 11 gols brasileiros na campanha do título. A dupla caiu nas graças do treinador, que preparou um esquema com três atacantes para as eliminatórias: Bebeto, Romário e Careca. O chamado "ataque dos sonhos" seria o grande trunfo de Lazaroni na Copa.

{ Bebeto amargou o banco de reservas do início de 90 até o Mundial, Romário se lesionou e o ataque foi formado por Careca e Müller }

Bebeto marca um golaço de voleio contra a Argentina. Preterido por Lazaroni, o atacante desabafou: "Lazaroni foi desonesto comigo". Já o baixinho Romário sofreu uma lesão no tornozelo antes da Copa e só entrou em campo contra a Escócia. 

 Em 3 de setembro, o palco da decisão foi novamente o Maracanã. O Brasil vencia facilmente o Chile pelas eliminatórias da Copa — 1 a 0, gol de Careca aos 4min do segundo tempo —, quando, aos 24min, um sinalizador marítimo caiu na área defendida pelo time chileno. O goleiro Rojas imediatamente desabou com as mãos no rosto, sugerindo que havia sido atingido pelo artefato. Depois de muito rolar na grama — e no meio da fumaça —, o jogador, ensanguentado, foi para o vestiário carregado pelos próprios companheiros, que dispensaram a maca. Meia hora depois, o árbitro argentino Juan Carlos Loustau declarou o Brasil vencedor por abandono de campo do Chile. O medo de uma punição por parte da FIFA tomou conta da torcida brasileira.

{ a farsa foi logo descoberta: o sinalizador lançado — sem querer — pela torcedora Rosenery Mello não atingiu o goleiro, que cortara a si próprio com uma lâmina de barbear, escondida numa das luvas }

Fotos de um jornalista argentino flagraram o exato momento em que o sinalizador não atingiu Rojas. A imagem negativa do jogador fez com que o São Paulo FC, onde atuava, colocasse seu passe à venda na mesma semana.

Rosenery Mello: capa da Playboy de dezembro de 89. A "Fogueteira do Maracanã" foi a única que saiu no lucro com o incidente. A FIFA excluiu o Chile da Copa de 90 e das eliminatórias de 94, declarou o Brasil vencedor (2 a 0) e baniu o goleiro Rojas do futebol.

Em 17 de dezembro, o futebol deu lugar à política com a vitória do alagoano Fernando Collor de Mello nas primeiras eleições diretas para presidência desde 1960. Classificando o ex-presidente José Sarney como "corrupto, incompetente e safado", Collor se autodenominou caçador de marajás e defensor dos descamisados. "Lutarei contra a inflação, a corrupção e o desvio de recursos da administração pública", declarou ao Estado de São Paulo em sua primeira entrevista como presidente.

{ o Plano Collor trouxe a maior recessão da história do Brasil e o presidente corrupto acabou desmascarado pela CPI do "Esquema PC", que desviara grandes quantias de dinheiro dos cofres públicos }

"Caras-pintadas" tomam as ruas e pedem o impeachment do presidente. Collor renunciou ao cargo, mas, com o processo já em andamento, teve seus direitos políticos cassados por oito anos, até 2000.

A Seleção Brasileira voltou a campo no final de 1989. Com duas boas vitórias nos amistosos contra a Itália em Bolonha, em outubro, e a Holanda em Roterdã, em dezembro (ambos por 1 a 0), o time de Lazaroni se credenciou entre os favoritos ao título mundial. Tricampeão carioca com Flamengo e Vasco em três anos consecutivos (1986 a 1988), Lazaroni transformou-se na esperança do futebol brasileiro depois de seguidos insucessos em Copas do Mundo.

{ no último jogo-treino antes da Copa, a Seleção Brasileira foi derrotada pelo inexpressivo combinado da Úmbria, que revelou a fragilidade do esquema tático 3-5-2 de Lazaroni }

Cabeça de chave do Grupo C, o Brasil disputou a primeira fase em Turim. A estreia foi apertada: 2 a 1 contra a Suécia, com dois gols de Careca. Na segunda rodada, a Seleção enfrentou a estreante Costa Rica, que vestiu camisas listradas idênticas às da Juventus, dona do estádio — a ideia de ganhar simpatizantes locais nunca foi confirmada. Foi um massacre brasileiro, com quatro bolas na trave, apesar de ter feito apenas um gol, de Müller, herói também contra a Escócia. Com 100% de aproveitamento, o Brasil fez a segunda melhor campanha da fase de grupos.

{ diante de três atuações medíocres da Seleção Brasileira, Romeu Tuma, à época superintendente da Polícia Federal, disse que a seleção deveria treinar pontaria com a polícia }

Entre muitas atitudes polêmicas, Lazaroni vetou o acesso da imprensa à concentração. Perguntado por um jornalista do por que de não usar três atacantes contra a Costa Rica, o técnico não mediu palavras. "Se você quiser escalar três atacantes, faça o curso de treinador e venha treinar o time."  

Depois da derrota na estreia para Camarões, a Argentina se recuperou ao vencer a União Soviética, em Nápoles, por 2 a 0. Maradona não marcou gols, mas salvou uma bola em cima da linha quando a partida ainda estava 0 a 0. Na última rodada, o empate de 1 a 1 com a Romênia foi o suficiente para os platinos se classificarem para a segunda fase.

{ a exemplo do que havia feito em 86, Maradona usou a mão para evitar o gol soviético e salvar a Argentina, classificada às oitavas pelo bizarro regulamento que beneficiava os melhores terceiros colocados dos grupos }

Romário contra a Escócia. O Baixinho soltou o verbo na Itália: "O Brasil não perdeu a Copa fora de campo. Perdeu dentro, por incompetência de alguns jogadores." Depois disse que "essa foi a minha primeira e última Copa". Bebeto o convenceu do contrário.  

O chaveamento colocou o favoritíssimo Brasil e a Argentina frente a frente nas oitavas de final. Era um clássico, mas os hermanos estavam caindo pelas tabelas. Com um problema na clavícula, Maradona não tinha totais condições físicas de jogo. Caçado em campo até mesmo pelo colega de Napoli, Alemão, o craque argentino passou mais tempo estirado no gramado do que efetivamente em pé. Numa das faltas, o lateral brasileiro Branco aproveitou a presença do departamento médico argentino para se refrescar com a água do adversário — e ficou levemente atordoado.

{ anos depois, Maradona admitiu sem o menor constrangimento que a água que Branco bebeu estava "batizada", num dos episódios preparados premeditadamente para pegar os brasileiros desprevenidos }

Machucado e jogando no sacrifício, Maradona só precisou de um único lance — genial — para acabar com a melhor apresentação da Seleção Brasileira na Copa de 90. Aos 35min, El Pibe dominou a bola no meio-campo, deixou Dunga e Alemão para trás e partiu com ela até a entrada da grande área. Ricardo Gomes, Ricardo Rocha, Mauro Galvão e Branco cercaram o camisa 10, que passou para Caniggia, absolutamente livre. O atacante tirou de Taffarel e rolou a bola mansamente para o gol vazio.

{ faltando dez minutos para o fim da partida, o pique de Maradona mostrou que sua condição física era tão perfeita quanto a sua inteligência no lance, quando chamou a atenção dos zagueiros brasileiros para que Caniggia pudesse receber sem marcação }

Caniggia dribla Taffarel e marca o gol da vitória argentina. No lance, o líbero Mauro Galvão literalmente bateu cabeça com o zagueiro Ricardo Gomes, evidenciando as falhas de posicionamento da defesa brasileira.

 A amarga derrota escancarou os problemas internos do time de Lazaroni: as divergências quanto às premiações, as brigas no elenco, as festas na concentração e as táticas pouco compreendidas pelos jogadores — o próprio líbero Mauro Galvão não entendia muito bem a sua função. Derrotada por si mesma, a Seleção Brasileira ficou com fama de mercenária. Começava a chamada "Era Dunga", do futebol defensivo, prosaico e de poucos gols. Taxado de grosso, o volante Dunga foi alvo de críticas. Dizia-se que um jogador como ele jamais teria condições de ser campeão do mundo.

{  estavam enganados }    

O duelo de eras: Dunga x Maradona. Enquanto Dunga seguia a linha de Lazaroni e declarava que "o futebol requintado não traz títulos", Maradona fazia uma média com os brasileiros: "O Brasil merecia ganhar, mas o futebol é assim mesmo".

quinta-feira, 22 de maio de 2014

1990 | Camarões à Milanesa

Para acessar o texto anterior, "1986 | O Gênio Indomável", clique aqui.


Era manhã de 11 de junho de 1889. Rafaelle Esposito estava um tanto nervoso. Uma ocasião assim, tão especial, jamais passara por suas mãos. E justamente elas, exímias na arte do preparo de iguarias, seriam as responsáveis por agradar Sua Majestade. Isso mesmo: a própria rainha consorte do Reino da Itália, Margarida de Sabóia, apreciaria a culinária mais falada na região de Nápoles: a pizza.

O pizzaiolo teria poucas horas para trabalhar. Naquela noite, ele visitaria o Palácio Real de Capodimonte. Trancado em seu estabelecimento, Rafaelle preparou suas melhores receitas e, sempre atualizado nos assuntos do reino, pensou em uma nova que simbolizasse a recém-unificação da Itália. Não deu outra: a pizza com as cores da bandeira italiana ­— branco (do queijo), vermelho (do tomate) e verde (do manjericão) — foi a preferida. Nascia um dos mais tradicionais sabores de pizza: a margherita, em clara homenagem ao bom gosto da rainha.

De lá para cá a culinária italiana evoluiu, ganhou a influência do ‘Novo Mundo’ e desenvolveu outros grandes sucessos: a alcachofra de Roma, a trufa da Úmbria, a lasanha de Bolonha e o presunto de Parma, entre outros. Mas foi em Milão, em 8 de junho de 1990, que o planeta conheceu um dos mais surpreendentes e saborosos pratos: Camarões à milanesa, que se tornaram indigestos para os argentinos.

Placa comemorativa do centenário da pizza margherita, criada por Esposito, no Restaurante Brandi. Uma das primeiras ideias para as pizzas da rainha era fazer a massa em forma de bota (mapa da Itália), abortada por sugerir certo dissabor.

A abertura da Copa do Mundo de 1990, entre Argentina e Camarões, no estádio Giuseppe Meazza — ou San Siro, depende para que time de Milão seja a torcida —, foi com certeza umas das mais emblemáticas partidas inaugurais da competição: pela emoção, pelo placar e até pelo pontapé inicial, com os mesmos jogadores que encerraram a Copa de 86. Entretanto, nem Maradona, nem Burruchaga estavam à altura do futebol de quatro anos antes. E, do outro lado, havia um grande e desconhecido adversário.

Comandados pelo soviético Valery Nepomnyashchy, os africanos mesclavam bom futebol e ousadia, onde o toque de bola e a velocidade contrastavam com as faltas abusivas. Kana-Biyik e Massing, peças importantes no esquema do treinador, foram expulsos no segundo tempo em lances com Caniggia. Na primeira expulsão, o atacante argentino tropeçou nas próprias pernas e garantiu as vaias ao árbitro Michel Vautrot; na segunda, Massing, que anulou Maradona, praticamente dividiu Caniggia ao meio.

Aos 16min da etapa complementar, o que ninguém esperava aconteceu. Em uma cobrança de falta, a bola voou para a área argentina e encontrou o atacante Omam-Biyik, irmão de Kana-Biyik, no terceiro andar. A cabeceada saiu fraca, mas o goleiro Pumpido não segurou. Camarões fez 1 a 0 com um frango, e a zebra passeou pelas televisões brasileiras.

O voo de Omam-Biyik. A exemplo do que aconteceu com Marrocos em 86, a campanha surpreendente de Camarões em 90 notabilizou o futebol do continente no cenário futebolístico. "Sim, nós existimos", diziam os africanos no mais puro silêncio.

 Na segunda rodada do Grupo B, o mundo foi apresentado de fato a Roger Milla, de 38 anos. Na vitória diante da Romênia, em Bari, por 2 a 1, o "vovô artilheiro" fez os dois gols camaroneses e se tornou o jogador mais velho a marcar em Copas do Mundo — recorde que seria quebrado por ele mesmo quatro anos depois. A terceira partida, também em Bari, contra a União Soviética, foi um hiato na campanha de Camarões. A derrota do time de Nepomnyashchy para seu país de origem foi vexaminosa. Porém, mesmo sofrendo uma goleada (4 a 0), a equipe se classificou em primeiro lugar em um grupo que tinha Argentina, Romênia e União Soviética. A essa altura do campeonato, Camarões já era o segundo time de todos os torcedores.

Uruguai e Espanha não saíram do zero na estreia em Údine. O time de Francescoli só conseguiu a classificação graças a um gol no último minuto contra a Coreia do Sul, na rodada final do Grupo E. A Espanha, de Míchel, ficou em primeiro, a Bélgica em segundo e o Uruguai em terceiro.

A Copa da Itália apresentou um nível técnico muito ruim em relação aos belos espetáculos dos dois Mundiais anteriores. A prova disso foi a média de gols: pífios 2,21 por partida, a pior de toda a história do torneio. O culpado foi facilmente identificado, e respondia pelo nome de "Grupo F". Das seis partidas na chave, cinco terminaram empatadas, duas delas sem gols. A mediocridade era tanta que foi preciso um sorteio para definir a segunda posição do grupo.

A Holanda estreou contra o Egito, em Palermo, como uma das favoritas ao título. Campeã da Euro 88, a Laranja tinha um ataque poderosíssimo, com Gullit e van Basten. Este, no entanto, se preparava para sua terceira cirurgia no tornozelo e não estava em totais condições de jogo. A presente ausência de van Basten na equipe era um fator de desânimo para o mundo do futebol, que guardava na memória o gol de sem-pulo na final da Euro, contra os soviéticos.

"O Egito é um país pequeno e muita gente se espanta de eles conseguirem jogar futebol. É claro que jogam. Se você der espaço a eles, vão jogar mesmo." A crítica de Johan Cruyff ao desafeto Leo Benhakker, técnico da seleção, era resultado do terrível empate por 1 a 1 da campeã europeia contra os egípcios.

Depois de empatar com Irlanda (1 a 1) e Holanda (0 a 0), a Inglaterra de Gascoigne venceu o Egito por 1 a 0, na rodada decisiva. Os britânicos foram os únicos a vencer uma partida dentro do Grupo F de 1990.

Na última rodada, Holanda e Irlanda não só empataram por 1 a 1 como também se igualaram em todos os critérios de desempate. O sorteio foi cruel com os holandeses: em terceiro lugar no grupo, teriam que enfrentar a Alemanha Ocidental nas oitavas — um castigo para o mau futebol apresentado. Os irlandeses, com a média de idade mais alta da Copa (28,9), ficaram em segundo.

Gullit, em raro momento de felicidade na Copa, fez o gol holandês contra a Irlanda. O camisa 10 não foi nem sombra do jogador que encantou o mundo na Euro 88.

As oitavas de final começaram com duas boas surpresas: Camarões x Colômbia. Depois de 90 minutos de muitas oportunidades e nenhum gol,  a vaga acabou sendo decidida na prorrogação. Foi entao que brilhou a estrela de Roger Milla, autor de dois gols. No primeiro, mostrou habilidade ao dominar entre os zagueiros colombianos; no segundo, mostrou oportunismo ao roubar a bola do espalhafatoso goleiro Higuita. A Colômbia diminuiu em um belo gol de Redín — passe preciso de Valderrama —, mas o dia era de Camarões na terra da pizza.

O folclórico goleiro René Higuita, da Colômbia, persegue o ladrão Roger Milla, de Camarões. Na comemoração, o atacante camaronês imitou o brasileiro Careca na bandeirinha de escanteio, que ensaiava passos de lambada após seus gols.

Os leões — ou camarões ou zebras — pareciam indomáveis. Nas quartas de final, contra os ingleses, travaram a melhor de todas as batalhas da Copa de 90. O English Team saiu na frente com uma cabeceada de Platt, aos 25min, especialista no assunto, que já havia marcado dessa forma na vitória contra a Bélgica (1 a 0), nas oitavas. Camarões empatou aos 16min da etapa complementar, depois que Milla foi derrubado na área por Gascoigne: Kundé bateu com categoria no alto, sem chances para Shilton.

A Inglaterra se lançou ao ataque a fim de espantar a zebra, mas acabou chamando Camarões ainda mais para o seu campo. Com a entrada do veloz Ekéké, os africanos aceleraram a partida e, não demorou muito, viraram o marcador. Aos 20min, Ekéké recebeu passe açucarado de Milla e, na saída de Shilton, tocou com classe por cima. Lambada, malabarismos e outras danças típicas se embaralharam na festa do gol.

As comemorações camaronesas eram o espelho da irreverência do time em campo. Um bom exemplo é Omam-Biyik, autor do gol contra a Argentina, que tentou fazer um gol de calcanhar no experiente Shilton.

O show de Camarões parou nos pés de Gary Lineker, artilheiro da Copa de 86, e que só havia marcado na estreia, diante da Irlanda. A 7min do fim, a imprudência de Massing foi bem observada pelo árbitro, que assinalou pênalti em cima de Lineker. O camisa 10 inglês cobrou com perfeição e levou a decisão para o tempo extra.

As pernas que correram por 90 minutos cansaram nos primeiros 15 minutos de prorrogação. Os britânicos, mais objetivos, saíram em rápido contra-ataque com Gascoigne. O meia lançou Lineker, que se livrou da marcação, entrou na área e foi atingido novamente por Massing. O mexicano Edgardo Codesal correu pela terceira vez na partida até a marca da cal, com razão absoluta, e garantiu sua presença na final da Copa. E Lineker, a Inglaterra nas semifinais: 3 a 2.

Para alguns, Camarões havia ido longe demais. Mas quando se joga com alegria, o futebol não mede distâncias, apenas agradece. Sem Camarões, a Copa perdera seu sorriso e ficara mais sisuda.

 O primeiro pênalti em Lineker. Camarões fez história e se tornou a primeira seleção africana a alcançar as quartas de final. Senegal, em 2002, e Gana, em 2010, repetiriam o feito, mas cometeriam o mesmo erro dos camaroneses: umas pitadas a mais de irresponsabilidade.