sexta-feira, 4 de abril de 2014

1966 | Rei Morto, Rei Posto

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Construído pelo Duque de Buckingham, em 1703, o Palácio de Buckingham só se tornou a residência oficial da monarquia com a ascensão da rainha Vitória, em 1873. Hoje, além de moradia para a realeza, o local recebe banquetes, visitas oficiais de chefes de estado e até turistas no verão. No entanto, segundo votação dos próprios ingleses, o palácio é o quarto edifício mais feio de Londres.

Das várias atrações da “Casa da Rainha”, a cerimônia de Troca da Guarda Real é a mais popular. O evento acontece diariamente de maio a julho e em dias alternados, dependendo do clima. A troca se dá às 11h, com duração de aproximadamente 45 minutos, ao som das marchinhas da banda oficial. Tomadas as devidas proporções, a Seleção Brasileira pareceu ter se inspirado na tradição militar britânica para disputar a Copa de 66.

Garrincha ao lado de um policial inglês: Mané jogou 60 vezes pela Seleção Brasileira e só perdeu uma vez. Fez 16 gols.

Numa época em que as substituições eram proibidas, o técnico Vicente Feola escalou na primeira fase da competição nada menos que 20 dos 22 convocados — apenas dois atletas (Jairzinho e Lima) participaram dos três jogos na Copa. As trocas foram reflexo da preparação desorganizada. O excesso de confiança pelo bicampeonato provocou uma série de equívocos, a começar pela indefinição do elenco, que chegou a contar com 47 jogadores. Nos amistosos antes do embarque, nunca o mesmo time entrou duas vezes seguida.

Seleção em fase de preparação: o elenco — uma mescla de campeões mundiais e jovens promessas — foi definido a duas semanas da estreia na Copa.

A busca pelo tri começou no dia 12 de julho. Pelo Grupo 3, o Brasil estreou contra a Bulgária, em Liverpool — onde jogaria também com Hungria e Portugal. Os búlgaros abusaram das faltas e, numa delas, aos 15 minutos, Pelé abriu o placar. O camisa dez continuou apanhando no segundo tempo, até que, aos 11 minutos, em outra falta na entrada da área, Garrincha acertou o ângulo do goleiro Naidenov: 2 a 0. Uma partida marcada pela violência do adversário só poderia mesmo terminar com dois gols em cobranças de falta.

Se por um lado Pelé e Garrincha foram os primeiros jogadores a balançarem as redes em três edições consecutivas de Copa, por outro, foi a última vez em que os dois maiores jogadores brasileiros atuaram lado a lado. Com Pelé e Garrincha juntos em campo, a Seleção Brasileira jamais perdeu.

Jogadores comemoram o gol de Pelé: assim como quatro anos antes, o Rei só marcou um gol na Copa — também na estreia.

Alvo preferido da brutalidade búlgara, Pelé, com dores no joelho esquerdo, foi poupado para a partida seguinte, três dias depois, contra a Hungria. Gérson e Tostão jogaram entre os titulares, mas o Brasil voltou a apresentar o mesmo futebol apático da estreia. Contra uma Hungria bem estruturada, a derrota foi inevitável.

O placar de 3 a 1 — gol de Tostão — quebrou a maior série invicta de uma seleção em Mundiais. De 1954 a 1966, o Brasil jogou 13 vezes, com 11 vitórias e dois empates. A partida também marcou a única derrota de Mané Garrincha com a camisa amarela. Precisamente nesse dia, ele deu adeus à Seleção Brasileira.

Defesa brasileira observa mais um gol húngaro: a última derrota do Brasil havia sido justamente para a Hungria, em 1954, no jogo que ficou conhecido como “A Batalha de Berna”.

A pressão em cima de Feola havia aumentado. Para o duelo decisivo contra Portugal, o técnico foi obrigado a mudar radicalmente a equipe. Nove jogadores entraram, incluindo Pelé, recuperado de contusão. Depois de duas entradas criminosas do zagueiro português Morais, Pelé saiu de campo, aos 33 minutos, amparado nos ombros de Mário Américo. Voltou aos 37, mancando.

Pelé cobra uma das muitas faltas que sofreu: o camisa dez foi mais uma vez caçado pelos adversários e, sabe-se lá como, manteve-se em pé até o fim da partida.

Desentrosado, o Brasil já perdia aos 15 minutos de jogo. Eusébio cruzou da esquerda, o goleiro Manga não segurou e Simões, de cabeça, empurrou a bola para o fundo do gol. Não demorou muito, Portugal fez o segundo, com Eusébio — mais um gol de bola aérea.

Eusébio sobe para fazer o segundo gol de Portugal: vitória indiscutível que deu moral para os portugueses irem longe na Copa.

Na etapa final, com o joelho direito enfaixado, Pelé limitou-se a ficar plantado na esquerda. Mesmo assim, o Brasil ainda conseguiu diminuir num chute de longe de Rildo. Mas nem isso foi suficiente para dar ânimo à equipe. Portugal continuou atacando e, depois de tanto martelar, Eusébio fez o terceiro num rebote dentro da área — o mais bonito gol da partida.

Com a vitória por 3 a 1, os portugueses decretaram o fim — ainda que provisório — do reinado de Pelé e coroaram o moçambicano Eusébio, o novo rei de Portugal. Eliminado, o Brasil terminou em 11° na classificação geral — a pior campanha na fase de grupos em toda a história dos Mundiais. Na terra dos Beatles, a seleção que cantou de galo, dançou bonito.

Capa da primeira edição da Revista Realidade, em 1966. A realidade foi outra. 


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