Numa breve
definição, território é aquela porção de terra que faz os homens lutarem uns
contra os outros. Em 1982, uma das mais curtas, sangrentas e desnecessárias
guerras eclodiu no Atlântico Sul, provando que sábios são os cães: mesmo
urinando para estabelecer fronteiras, eles respeitam os limites do próximo.
As Ilhas Malvinas
(Falkland, para os ingleses), distantes 500 quilômetros da costa argentina,
faziam parte do vasto império britânico desde o século XIX. Ao longo do tempo,
pouca importância se deu ao arquipélago. Com a eminente perda de prestígio do
governo militar argentino, em 2 de abril de 1982, o general Leopoldo Galtieri
desafiou as tropas inglesas pela posse das ilhas. Uma tentativa desesperada
de ganhar o povo pelo patriotismo — em vão. Mas o conflito não era uma questão
de orgulho e credibilidade exclusiva dos argentinos.
A então primeira-ministra britânica Margaret Thatcher interveio na batalha. Reforços cruzaram o oceano e, no dia 14 de junho, os argentinos se renderam com 649 baixas, contra 255 dos ingleses. Às vésperas da Copa do Mundo da Espanha, a participação das nações britânicas (Inglaterra, Escócia e Irlanda do Norte) no Mundial virou um desrespeito aos mortos. O futebol, porém, não poderia perder mais uma vez para a estupidez humana. A "Dama de Ferro" convenceu o parlamento que a disputa ajudaria a levantar o moral da população e, sobretudo, das tropas britânicas. A mulher poderosa, que não gostava de futebol, marcara um gol.
O porta-aviões britânico Invincible retorna para casa em festa. A Guerra das Malvinas fortaleceu a imagem política de Margaret Thatcher, que conseguiu a reeleição como primeira-ministra. |
A Argentina, por
sua vez, perdeu duplamente. Um dia antes da rendição nas Malvinas, a seleção
argentina, então campeã do mundo, abriu a Copa do outro lado do Atlântico — em Barcelona — com
uma derrota para a Bélgica, por 1 a 0, pelo Grupo 3. A equipe
alviceleste vivia um período tenso dentro e fora do âmbito esportivo. Enquanto
a rixa entre o jovem astro Maradona e o capitão Passarella dividia o time, o
país acompanhava o final tenso de uma ditadura desmoralizada. Com os nervos a
flor da pele, começava a Copa do Mundo de 1982.
Ao contrário dos argentinos, que colecionavam problemas, os ingleses triunfavam cada vez mais. Em Bilbao, o English Team estreou com uma bela vitória diante da França, 3 a 1, pelo Grupo 4 — dois gols de Bryan Robson. Nas duas rodadas seguintes, mais dois triunfos: 2 a 0 contra a Tchecoslováquia e 1 a 0 frente ao Kuwait. A Argentina se recuperou da má estreia e também venceu seus outros dois compromissos, em Alicante: Hungria (4 a 1) e El Salvador (2 a 0). Ambas as seleções se classificaram para a segunda fase — a Argentina em segundo, no Grupo 3, e a Inglaterra em primeiro, no Grupo 4 . Porém, o tão esperado encontro entre os rivais declarados só aconteceria quatro anos depois, no México.
Sonho antigo do
presidente João Havelange, a Copa do Mundo com 24 seleções se tornou realidade
em 82. Dessa forma, pela primeira vez na história todos os continentes tiveram
representantes na competição. Países sem nenhuma tradição acabaram garantindo
vaga. E para não passar em branco, alguns deles protagonizaram momentos inusitados.
No Grupo 3 — o
da Argentina —, a Hungria demonstrou um lampejo de brilhantismo dos tempos de
Puskás e aplicou a maior goleada de todos os Mundiais, ao alcançar um placar de
dois dígitos contra o estreante El Salvador. A goleada por 10 a 1, em Elche, ainda contou
com outro recorde. Pela primeira vez em Copas, um reserva marcou três gols numa
mesma partida. Para espanto ainda maior, o hat-trick de László
Kiss aconteceu num intervalo de sete minutos: dos 24 aos 31min do segundo tempo. Ele havia
entrado aos 11min da etapa final, no lugar de András Törőczik.
Já pelo Grupo 4 — o da Inglaterra —, o Kuwait, outro estreante em Mundiais, vendeu caro a derrota para a França, apesar do placar elástico de 4 a 1. Aos 36min, quando a partida ainda estava 3 a 1, o baixinho Giresse (1,62 m) invadiu a área kuwaitiana e marcou o quarto gol francês. Imediatamente, nas tribunas do estádio José Zorrilla, em Valladolid, um homem se levantou, em protesto, e desceu as escadas até o gramado: era o príncipe Fahad Al-Sabah, do Kuwait. Os policiais que faziam a segurança não tiveram reação. O xeque entrou em campo e se dirigiu ao árbitro soviético Miroslav Stupar, exigindo que o gol fosse anulado — um apito nas arquibancadas teria atrapalhado o time no lance. A solicitação foi atendida, o juiz invalidou o gol e deu bola ao chão. O mundo ficou atônito.
Além de anular o gol francês, o príncipe do Kuwait acusou a FIFA de ser manipulada pela máfia. Foi multado em 11 mil dólares. |
Se a invasão do
príncipe já havia causado fervor, o que dizer do "jogo da vergonha",
entre Alemanha Ocidental e Áustria, no Grupo 2? Na partida em Gijón, pela
última rodada da chave, os alemães fizeram 1 a 0 e, no segundo tempo, passaram
a tocar bola com os austríacos, sem objetividade, esperando o fim do jogo — o
resultado classificava ambos. A torcida vaiou e gritou "Argélia",
seleção que já havia aprontado uma zebra ao vencer a Alemanha Ocidental, por 2
a 1, e dependia de um empate em Gijón para avançar. A vitória
classificou a Alemanha Ocidental em primeiro e a Áustria em segundo. Com o
mesmo número de pontos que os dois qualificados, a Argélia ficou de fora pelo
saldo de gols. Anos mais tarde, o zagueiro alemão Hans-Peter Briegel pediu
perdão em público aos argelinos.
A Espanha teve 18 anos para organizar a Copa e, com erros na organização, não cumpriu o melhor dos papéis.
Nem o país e muito menos a seleção espanhola pareciam preparados para o
Mundial. Jogando em Valência, pelo Grupo 5, a Fúria só não perdeu na estreia para Honduras —
isso mesmo, Honduras — graças a um pênalti salvador dos hondurenhos,
transformado em gol por Ufarte. A única vitória na competição veio na segunda
partida, contra a Iugoslávia (2 a 1). A derrota para a Irlanda do Norte (1 a 0) na rodada final só confirmou a má fase da anfitriã, que se classificou em segundo lugar na chave. Com boas chances de qualificação, a estreante Honduras disse adeus ao Mundial ao cometer um pênalti infantil nos minutos finais do jogo decisivo contra a Iugoslávia. Alheia aos tropeços dos rivais, a Irlanda do Norte surpreendeu e ficou com a primeira posição.
Itália e Brasil, nos Grupos 1 e 6, respectivamente, tiveram
caminhos totalmente inversos na primeira fase do Mundial. E, como se sabe, os
opostos se atraem.