A Coadjuvância dos Fenecos
O escrete argelino é conhecido como Raposas do Deserto, ou simplesmente
Fenecos. Pequenos, esquisitos e frágeis, esses simpáticos animaizinhos possuem apenas
1,5 kg — as maiores raposas chegam a ter mais de 6 kg —, sobrevivendo em locais
áridos, algo muito semelhante ao estéril futebol africano. Alimentam-se de
qualquer criatura de pequenas dimensões, assim como os argelinos fazem em seu
continente. Todavia, caso encontre um adversário grande, se acovardam e fogem,
sendo, não raro, capturados e transformados em presa. Esta tem sido a sina da
seleção da Argélia, candidata mais uma vez à figuração no grande habitat do
Futebol: a Copa do Mundo.
Fenecos são as menores raposas do mundo. Apesar de espertas, são frágeis, tal qual a seleção da Argélia. |
A Argélia, de fato, nunca foi protagonista. Do ponto de vista histórico,
serviu como região de trânsito entre os grandes impérios antigos da Europa e do
Oriente. O povo berbere, conhecido como “Povo da Areia” em um famoso filme de
ficção científica, sofreu dominações cartaginesas, romanas, bizantinas, árabes,
otomanas e francesas. Como herança, destacam-se a predominância da religião
muçulmana oriunda dos árabes, a pujança e beleza de cidades como Constantine
(Cartaginesa) e Djemila (Romana). Já a lembrança francesa é de dominação
política (guerra civil), econômica (disputa pelo gás natural) e futebolística.
Craques como Zidane, Benzema e Nasri são descendentes de argelinos e,
teoricamente, não teriam dificuldades em disputar partidas pelo selecionado do
norte da África. Mas preferiram abdicar de seu passado e atender aos apelos da
Metrópole, deixando o segundo maior país da África literalmente na condição de
um deserto de craques — em tempo: 87% do território do país é coberto pelo
Saara.
ESSE CONHECE: Sofiane Feghouli é o que se pode chamar de meia moderno. No ataque, é veloz habilidoso e finaliza bem. Na defesa, é aplicado e preciso nos desarmes. |
Assim, apesar de brilharecos ludopédios como o título da Copa Africana de
Nações de 90 e as vitórias contra a poderosa Alemanha Ocidental e sobre o Chile
na Copa de 82, a equipe jamais passou da primeira fase em Mundiais. Na edição
de 2014 fará sua quarta participação — a segunda consecutiva—, sem maiores
aspirações. A equipe se classificou de forma sofrida em um playoff tenso contra
a desconhecida seleção de Burkina Faso, decidida no critério de gols marcados
fora de casa. A descarga emocional foi tanta que 12 pessoas acabaram perdendo
suas vidas na intensa comemoração.
Apesar de 16 jogadores franceses em sua lista de convocados, fica a
impressão da velha relação Metrópole-Colônia, em que a nação dominante se
apropria da mais rica matéria-prima e exporta produtos excedentes de baixo
valor em seu mercado interno. Uma exceção é o meia Sofiane Feghouli, do
Valencia (Espanha), que dá bom equilíbrio tático e respaldo técnico á zona
central do campo. Porém, este alento não será suficiente para o alviverde
saariano.
FIQUE DE OLHO: Nabil Bentaleb, companheiro de Paulinho no Tottenham, é um maestro no meio-campo argelino. Canhoto, tem bom passe e joga de cabeça erguida, como os antigos meias esquerdas. |
Em um grupo com duas potências médias e ascendentes da Europa — Bélgica e
Rússia — resta aos argelinos perpetuarem sua sina de eternos coadjuvantes e
brigarem para não serem lanternas do grupo na partida contra os sul-coreanos, a
ser disputada na também secundária sede de Porto Alegre. Tais quais os
simpáticos fenecos, os Raposas do Deserto do futebol norte-africano devem
continuar se alimentando apenas dos pequenos, mas fugindo e/ou sendo devorados,
invariavelmente, por quem tem um pouquinho de tamanho e força.
ESQUEMA TÁTICO
O esquema do técnico bósnio Vahid Halilhodzic gira em torno de um 4-2-3-1,
onde os meias, mesmo os mais criativos como Feghouli e Bentaleb, cumprem funções
defensivas.
Rafael Bauer,
professor de turismo e turista profissional