sexta-feira, 3 de julho de 2015

De Letra no Chile




Miércoles, 24/6 : El Dedo de Díos


A capital chilena amanheceu com dezenas de milhares de pessoas marchando pelas amplas avenidas do centro da cidade. Na principal delas, a Avenida Libertador Bernardo O'Higgins, professores e alunos, juntos, cantaram contra o governo de esquerda da presidente Michelle Bachelet, cuja promessa de reforma universitária ficou aquém de suas expectativas. Com cartazes, faixas e até um dragão chinês, os manifestantes desfilaram toda a sua indignação, com criatividade e organização. Indignação que não foi exclusividade dos chilenos neste dia.

À noite, Chile e Uruguai abriram a fase de mata-mata da Copa América, num gélido Estádio Nacional, abarrotado de hinchas e de esperança. O frio inebriante se limitou às arquibancadas, onde cachorros agasalhados se misturavam aos torcedores. Em campo, chilenos e uruguaios se embrenharam em acaloradas discussões. A principal delas, logo após a ‘dedada’ de Gonzalo Jara em Edinson Cavani — que culminou na expulsão do uruguaio —, decidiu a partida. Revoltada com o árbitro brasileiro Sandro Meira Ricci, a Celeste foi presa fácil para La Roja, que pressionou até alcançar o gol, a cinco minutos do apito final, com Mauricio Isla. O atual campeão, maior da história do torneio, estava fora.


Viernes, 26/6 : Nostalgia à Beira-Mar


Capital turística do Chile, Viña del Mar possui algumas das melhores praias do país. Mas quem roubou a cena no fim de tarde foi a belíssima lagoa que permeia o Estádio Sausalito. No fundo de suas águas, dizem, repousa uma bola chutada por Garrincha, na Copa de 62. A esmagadora torcida colombiana também tinha suas memórias: cantou a plenos pulmões “5 a 0 de nuevo”, em alusão ao histórico placar obtido em 1993, em Buenos Aires, pelas Eliminatórias da Copa de 94.

Em campo, Messi e seus companheiros não deram ouvidos. A intensa pressão argentina durante toda a partida não resultou em nada além da consagração do goleiro Ospina, que quando não fez milagre foi salvo pela zaga ou pela trave. A decisão por pênaltis foi inevitável, assim como as más lembranças para os hermanos.

Quatro anos antes, como anfitriã da competição, a Argentina perdeu a vaga nas semifinais para o Uruguai na marca da cal. Confiantes em um desfecho diferente desta vez, os argentinos acertaram suas quatro primeiras cobranças. Tiveram a chance da classificação nas mãos, porém os pés de Biglia e Rojo desperdiçaram dois “match points”. Quando o colombiano Murillo, impecável na zaga durante os 90 minutos, cobrou a penalidade na lua — por pouco a bola do zagueiro não foi ao encontro da de Garrincha —, coube a Carlitos Tévez a responsabilidade de definir. E foi justamente o homem que desperdiçou a cobrança decisiva em 2011 que bateu com extrema categoria e se redimiu, classificando a Argentina.


Sábado, 27/6 : O Fantasma Paraguaio


Cobertura, um novíssimo sistema de iluminação e tantas outras reformas transformaram o Estádio Ester Roa, em Concepción, no mais moderno da competição. Entretanto, os alicerces do reinaugurado estádio guardam um passado de prisões e torturas políticas dos tempos da ditadura chilena, além da fama de assombrações, segundo relatos de funcionários. Mas mal-assombrado mesmo estava o time brasileiro.

Brasil, Paraguai, Copa América, quartas de final, pênaltis. Uma combinação que definitivamente não dá certo. A Seleção até que começou bem, com confiança e bom toque de bola. Assim nasceu o gol de Robinho, aos 14min do 1º tempo, depois de uma rápida troca de passes e o cruzamento de Dani Alves. Porém, na etapa final, o Brasil não suportou a pressão paraguaia. Numa das muitas bolas aéreas, aos 25min, Thiago Silva fez a besteira de por a mão na bola e ofereceu de bandeja o empate: Derlis González cobrou e empatou. Assustada, a Seleção Brasileira viu novamente o fantasma paraguaio dos pênaltis pela frente.

Fernandinho, Miranda e Philippe Coutinho converteram suas cobranças, mas a falta de pontaria voltou a assombrar os cobradores brasileiros. Éverton Ribeiro chutou para fora e Douglas Costa cobrou na lua, lembrando muito os pênaltis de Elano e André Santos, em 2011. Se vale de conforto, o aproveitamento brasileiro nas penalidades foi melhor que na edição passada. E a seleção do discurso pronto se calou novamente.


Lunes, 29/6 : O Clássico do Pacífico


132 anos depois de anexar a província peruana de Tarapacá na chamada "Guerra do Pacífico", o Chile voltou a enfrentar o Peru; desta vez, no âmbito esportivo. A primeira semifinal da Copa América teve sabor de clássico para os rivais declarados — tão ferrenhos como Brasil e Argentina, segundo os hinchas chilenos. Mais do que vencer o oponente, para o Chile era o penúltimo passo antes da glória inédita.

O Peru foi aguerrido. Perdeu o zagueiro Zambrano, expulso, ainda no 1° tempo, mas jogou de igual para igual com os donos da casa. A tensão nas arquibancadas refletiu o respeito e o temor diante do rival. Mas o Chile tinha Vargas, o artilheiro da Copa América. O ex-gremista abriu o placar aos 41 do 1° tempo e garantiu a classificação chilena à final num golaço de fora da área, aos 18 do 2° tempo, logo após o gol contra de Medel, que quase complicou os anfitriões. Aos gritos de "Sale Chile!", a vitória deixou a seleção sem títulos mais perto de seu primeiro troféu. Mas o vizinho de Andes promete atrapalhar a festa.


Martes, 30/6 : O Massacre da Argentina Elétrica


A pretensão paraguaia de assombrar a Argentina teve efeito contrário: virou filme de terror. O reencontro entre as duas seleções, desta vez, foi desigual — empataram por 2 a 2 na primeira fase. A goleada passou pelos pés de Messi, Pastore e Di María e terminou com seis gols de um futebol empolgante e, finalmente, eficiente. De quebra, a equipe de Tata Martino alcançou mais gols do que já tinha feito em toda a competição.

A decisão contra o Chile, amanhã, no Estádio Nacional, confrontará um duelo de jejuns de título: o de 22 anos, da seleção argentina, e o de 120 anos da seleção chilena. O papel de favorito, comprovado e aprovado, é da Argentina. Mas o Chile tem o estádio, a torcida e um time habilidoso. Como os chilenos têm dito a semana toda, “si, se puede”. 




Protestos na Avenida Libertador Bernardo O'Higgins


Hinchas chilenos lotando o Estádio Nacional de Santiago, em Chile x Uruguai


Laguna Sausalito


Sua Santidade o Papa Francisco em Argentina x Colômbia


Estádio Ester Roa, em Concepción


Pontapé inicial de Chile x Peru


Manchete do jornal uruguaio La Diaria, pedindo aos argentinos
que vençam os chilenos, em decorrência da 'dedada' de Jara.