Nas fábricas do Rio de Janeiro da primeira década do
século XX, os trabalhadores que se destacavam com a bola nos pés desfrutavam de
vários benefícios: prêmio por vitórias (o ‘bicho’), dispensa para treinar e
trabalhos mais leves. Surgia o chamado ‘operário-jogador’, e a possibilidade do
futebol ser uma segunda fonte de renda. Mas essa prática, aparentemente
altruísta, tinha um porquê. Os donos das fábricas perceberam que aquele
esporte, praticado inicialmente como lazer, era um ótimo meio de divulgação de
seus produtos. Foi o início da popularização do futebol e, anos depois, da
briga entre o amadorismo e o profissionalismo.
Em 1934, duas entidades comandavam o futebol no País.
De um lado, a amadora CBD. Do outro, a nova Federação Brasileira de Futebol (FBF),
que apoiava os profissionais. A federação havia sido criada pela Liga Carioca
de Football e pela Associação Paulista de Esportes Atléticos quando ambas se
desfiliaram da CBD.
Às vésperas da Copa do Mundo de 34, na Itália, a CBD persistia
em levar apenas jogadores amadores — a entidade condenava o profissionalismo —,
o que deixava de fora a maioria dos grandes craques. Para conseguir montar a
Seleção, a CBD resolveu pagar — e bem — para que os jogadores profissionais participassem
do Mundial.
Essa manobra causou episódios inusitados. Para evitar
o aliciamento de seus jogadores, o Palestra Itália teria escondido três deles
(Gabardo, Tunga e Junqueira) em uma chácara na região de Araras (SP). Ao governo
fascista italiano agradava ter a presença de jogadores palestrinos na Copa, já
que se tratava de um clube de colônia italiana em um país apoiador do regime.
Oferecendo pequenas fortunas em dinheiro, a CBD acabou
seduzindo atletas como Leônidas, Luisinho e Waldemar de Brito. A Seleção que
embarcou para a Copa contava com 17 jogadores, sendo oito do Botafogo e nove
‘da CBD’.
Dos onze titulares, oito foram 'comprados' pela CBD. |
Não bastasse a equipe desfalcada, a viagem até a Itália levou 15 dias, o que deixou a Seleção com um péssimo condicionamento físico. Desgastado e com apenas um treino antes da estreia, o time brasileiro entrou em campo no dia 27 de maio contra a poderosa Espanha, em Gênova, aos frangalhos. E o novo regulamento da competição era cruel: partidas eliminatórias, onde a derrota significava a eliminação.
Pouco inspirado, o Brasil foi presa fácil. Aos 17min, a
Espanha abriu o placar com Iraragorri, de pênalti. O Brasil teve a chance do
empate 3min depois, também de pênalti, mas o excelente goleiro Zamora defendeu
a cobrança de Valdemar de Brito. A partir daí, só deu Espanha. Aos 25min, Iraragorri
ampliou e, aos 29min, Langara assinalou o terceiro. A Seleção conseguiu diminuir
no 2° tempo, com Leônidas, mas já era tarde demais. A derrota por 3 a 1 impôs ao
Brasil a sua pior campanha na história das Copas.
Quatro espanhóis contra um brasileiro: reflexo de uma Seleção apática. |
Depois da briga entre cariocas e paulistas na Copa de 30, foi a vez de amadores e profissionais impedirem a Seleção Brasileira de fazer uma boa campanha no Mundial. Entretanto, em 1937, a CBD aceitou o profissionalismo em troca da manutenção do seu poder sobre o esporte. Era o fim do amadorismo e o prenúncio do fascismo no futebol brasileiro.