sexta-feira, 7 de março de 2014

1930 | O Clássico do Rio da Prata


O assunto da final da Copa do Mundo de 1930 não era quem seria o campeão — os uruguaios eram amplamente favoritos —, e sim o local de nascimento de Carlos Gardel. O famoso cantor de tango havia sido convidado pela FIFA para fazer um concerto diante das delegações de Argentina e Uruguai, a fim de acalmar os ânimos dos finalistas, rivais declarados. Além do título, Gardel também era motivo de disputa entre os dois países, que o reclamavam como seu. Ninguém ao certo sabia onde o astro havia nascido e as opiniões se dividiam entre Toulouse, na França, e Tacuarembó, no Uruguai, perto da fronteira com o Brasil. Questionado sobre o tema durante a visita a Montevidéu, Gardel foi enfático ao responder que nascera em Buenos Aires, aos dois anos e meio de idade.

Tirada a dúvida, argentinos e uruguaios voltaram suas atenções para a grande decisão — a terceira entre eles em três anos. A Celeste vinha de um bicampeonato olímpico, em 1924 e 28 — este diante da Argentina —, e a Albiceleste havia acabado de conquistar o bi sul-americano, em 1929, contra o Uruguai. O equilíbrio no clássico ficava evidente na campanha das duas equipes. A Argentina vencera a França na estreia por 1 a 0 e, nas semifinais, os Estados Unidos por 6 a 1. O Uruguai, 1 a 0 no Peru, na estreia, e 6 a 1 na Iugoslávia, nas semifinais (para a alegria dos cariocas). Alguns na imprensa consideravam a Argentina a melhor seleção das Américas. Já a opinião sobre o Uruguai era unânime: uma verdadeira máquina de futebol.


O estádio Centenário lotado para a grande final.

















Com receio do confronto entre as torcidas, a polícia de Montevidéu destacou 10 mil homens para garantir a segurança. Cerca de 30 mil argentinos atravessaram o rio da Prata, mas apenas 10 mil puderam assistir à final. No dia 30 de julho de 1930, os portões do estádio Centenário — nome devido à celebração do 100º aniversário da Primeira Constituição do Uruguai — foram abertos às oito da manhã, seis horas antes do pontapé inicial. Ao meio-dia, todos os lugares estavam tomados. Naquela tarde, o estádio, construído especialmente para a Copa, teve seu recorde de público: mais de 80 mil pessoas, chegando a 93 mil, extraoficialmente.

Como não poderia deixar de ser, uruguaios e argentinos se desentenderam antes mesmo de a bola rolar. O problema era justamente a redonda: cada um queria jogar com a sua. A FIFA interveio e decretou que a bola argentina seria usada no 1ª tempo e a uruguaia no 2ª, o que provavelmente inspirou as gerações futuras de garotos "donos da bola".

Apesar dos desentendimentos, argentinos e uruguaios entram juntos no gramado.


















Em campo, o Uruguai mostrou a raça e a determinação de sempre, mas não sem antes levar um susto. Após sair na frente com Dorado, aos 12min, a Argentina virou a partida ainda na etapa inicial, com Peucelle, aos 20min, e Stábile, aos 38min. O 1º tempo terminou com a vitória e a bola argentina. Veio o 2ª tempo e a bola uruguaia. Cea empatou aos 12min, o que incendiou a torcida. Empurrada pelas arquibancadas, a Celeste virou o jogo aos 23min, com um lindo chute de fora da área de Iriarte. A um minuto do fim, quando a Argentina buscava desesperadamente o empate, o uruguaio Castro “El Manco” — ele não tinha a mão direita — marcou, de cabeça, o quarto gol. Final de jogo: Uruguai 4 x 2 Argentina, Uruguai campeão do mundo.

O governo decretou feriado nacional no dia seguinte. Em Buenos Aires, arruaceiros jogaram pedras no consulado uruguaio. O clima esquentou com as declarações argentinas de violência, deslealdade e intimidação por parte do time celeste, além de uma suposta má fé da arbitragem belga. A Asociación del Fútbol Argentino (AFA) cortou relações com sua congênere uruguaia. Os jornais de Buenos Aires chegaram a admitir o corte de relações entre os dois países. Mas, no final, tudo isso não passou de ameaça e, claro, desculpas de mau perdedor.

A Celeste Olímpica e, agora, Mundial.