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Diego voltou para
casa pelo mesmo caminho de todos os dias. Porém, naquela tarde, ele não estava
sozinho. Ao seu lado, caminhando pelas ruas de terra da favela onde morava, no
subúrbio de Buenos Aires, estava Francis Cornejo, técnico de los Cebollitas.
Ainda incrédulo com o que acabara de ver, o treinador pediu à mãe de "Pelusa"
(apelido de Diego) que desfizesse aquele mal-entendido. Mas a documentação
estava certa. Aquele menino — que na primeira jogada da peneira deu um balão no
adversário com sua mágica perna esquerda — tinha mesmo só nove anos de idade. E
um sobrenome: Maradona.
Dos 'potreros'
(campos de terra) para os gramados, Maradona logo se tornou a criança mais
popular da Villa Fiorito. Aos quinze anos, já lotava as arquibancadas em jogos
preliminares do Argentinos Juniors. Não demorou muito, subiu aos profissionais.
Aos dezessete, foi convocado para a seleção argentina principal. Preterido
pelo técnico Menotti, em 78, estreou na Copa de 82, onde foi do céu ao inferno
ao ser expulso na eliminação argentina — contra o Brasil. Mais quatro anos de
espera, e lá estava ele outra vez. No entanto, mais forte, mais rápido, mais
decisivo e, como mostraria no decorrer de sua carreira, mais polêmico do que
nunca.
A primeira fase de
Maradona em 86 foi de certa forma discreta, perto do que ele ainda iria fazer. A
Argentina venceu Coreia do Sul (3 a 1) e Bulgária (2 a 0), mas o grande
adversário do Grupo A era a então campeã Itália. No empate por 1 a 1, em
Puebla, pela segunda rodada, os argentinos reclamaram muito do pênalti para a
Azzurra, convertido por Altobelli. Para a sorte platina, Maradona estava
inspirado. Lançado por Valdano, aos 34min, o craque ganhou de Scirea na corrida
e deu um leve tapa para tirar a bola do alcance de Galli. O arqueiro italiano
nem se mexeu, acreditando que ela sairia. Quando percebeu, era tarde demais. A genialidade
de Dieguito havia ludibriado mais um.
O gol contra a Itália é um bom exemplo da facilidade com que Maradona passava pelos adversários e batia na bola. Foi o primeiro de cinco gols do Pibe de Oro na Copa do Mundo de 86. |
Em um campo
encharcado não só pela chuva, mas também pela rivalidade, Argentina e Uruguai
duelaram por uma vaga nas quartas de final. 56 anos depois da final em
Montevidéu, os hermanos queriam a desforra. A Celeste tinha Francescoli, El
Príncipe, com seu estilo clássico e elegante, toque de bola refinado e inteligência
apurada. Contudo, a Argentina tinha Maradona. No jogo, o camisa 10
argentino desequilibrou. Com dribles desconcertantes e passes precisos,
Dieguito por pouco não transformou a magra vitória argentina — 1 a 0, gol de
Pasculli, aos 42min — em goleada. 12 anos para voltar à Copa, e o Uruguai, em
12 dias, já voltava para casa.
É fato: Maradona
lutou na Guerra das Malvinas. Foi no dia 22 de junho de 1986, no estádio
Azteca, na Cidade do México — o conflito entre Argentina e
Inglaterra havia se estendido para os gramados. Com os nervos à flor da pele, o
primeiro tempo foi tenso e, na falta de gols, sobraram faltas. O
"melhor" lance acabou sendo o de Maradona na cobrança de um
escanteio. Sem espaço para a cobrança, ele arrancou o pau da bandeirinha e foi
repreendido pelo auxiliar, que fez o craque recolocá-la no lugar. A rebeldia
era a marca do gênio. E seria mostrada no segundo tempo.
Aos 5min da etapa
complementar, Maradona começou a jogada que ele mesmo concluiu. O craque tocou
para Valdano, que não dominou e permitiu o corte do inglês Hodge. A bola pegou
efeito contrário e foi para trás. O goleiro Shilton e Maradona chegaram juntos
no lance, ambos com o braço levantado: o esquerdo de Diego venceu o direito do
inglês. Enquanto Maradona corria para comemorar — com o punho direito alto e
cerrado —, os britânicos corriam para cima do árbitro Ali Bin Nasser, da
Tunísia. Para a Inglaterra, o gol havia sido feito com a mão do jogador. Para o
juiz, com a cabeça. Para Maradona, com a mão de Deus.
Quatro minutos
depois de fazer um gol com a mão, Maradona fez outro; desta vez usando o
cérebro. Na jogada, que durou 10,6 segundos, seis ingleses ficaram pelo
caminho. Maradona recebeu de Enrique e, como um tanque de guerra, se livrou de
Beardsley e Reid. Arrancou pela direita, passou por cima de Fenwick e, sem dar
trela para Butcher, driblou Stevens e, por último, o goleiro Shilton. Com
Butcher ainda em seu encalço, Maradona chutou para o gol, que a essa altura estava
protegido por Hoddle. Mas todo o esforço foi inútil: o Azteca presenciara o
"gol do século".
A Inglaterra ainda
teve força para diminuir, com Lineker — o que lhe conferiu a artilharia da
Copa, com seis gols —, mas não para reagir. Depois da derrota, o atacante
inglês chegou a declarar que, se não fosse uma partida tão importante, teria
aplaudido o gol de Maradona. "Não se pode marcar um gol assim",
concluiu Lineker. Certo ou errado, humilhante ou não, o placar de 2 a 1
amenizou o orgulho ferido dos argentinos. A Guerra das Malvinas, que, para
muitos, nunca teve de fato um vencedor, terminava com vitória de Maradona.
As semifinais da
Copa de 86 tiveram clima de revanche. A começar pelo confronto entre França e
Alemanha Ocidental, em Guadalajara, um repeteco da Copa de 82. Os alemães
abriram o placar logo aos 9min, em uma cobrança de falta de Brehme — um frango
do goleiro Bats, herói contra o Brasil. A França pressionou, perdeu chance
atrás de chance e, no último minuto, levou o gol de misericórdia, com direito a
chapéu de Völler em Bats. Pela segunda Copa consecutiva, os franceses caíam nas
semifinais diante dos alemães.
Três dias depois de
eliminar a Inglaterra, a Argentina voltou ao Azteca para enfrentar a Bélgica,
algoz platina na abertura da Copa de 82. Com moral, Maradona foi novamente o
dono do jogo. A cada arrancada, os zagueiros belgas perdiam um pouco de fôlego,
que sobrava em Maradona. Na segunda etapa, El Diez precisou de apenas dez
minutos para por um ponto final na surpreendente campanha do adversário — a
Bélgica eliminara a Espanha nas quartas, depois de 1 a 1 no tempo normal e 5 a
4 nos pênaltis.
No primeiro gol,
aos 6min, Maradona mostrou oportunismo, ao receber belo passe de Burruchaga e
tocar com categoria na saída de Pfaff, entre dois defensores. No segundo, aos
18min, outra pintura: Dieguito se infiltrou pelo meio da zaga e, driblando quatro
belgas, chutou forte no canto esquerdo de Pfaff. Com cinco gols no Mundial,
Maradona colocava a Argentina em mais uma final de Copa do Mundo.
Alemanha Ocidental
e Argentina entraram em campo, no dia 29 de junho, na Cidade do México, para
ver quem seria a segunda seleção da história a levantar a Taça FIFA. O futebol
força dos alemães até que conseguiu conter o ímpeto de Maradona, que, marcado
de perto por Förster, não teve espaço para arrancar com a bola dominada. Mas o
time argentino tinha outros trunfos, e, aos 23min, Burruchaga cobrou falta na
cabeça de Brown. O goleiro alemão Schumacher saiu mal pela primeira e única vez
em toda a Copa, e sofreu o gol.
A Argentina
continuou melhor no segundo tempo. Aos 10min, Enrique lançou Valdano, que só
rolou na saída do arqueiro germânico. Com o placar confortável de 2 a 0, os
hermanos relaxaram em campo — erro fatal quando se joga contra os alemães. Em
seis minutos, a Alemanha Ocidental empatou, em dois lances praticamente idênticos:
cobrança de escanteio e finalização na pequena área: primeiro Rummenigge, com
o pé, e depois Völler, de cabeça. Para Franz Beckenbauer, técnico da Alemanha Ocidental, já era certo que haveria prorrogação. Mas com Diego em campo, nada é definitivo.
Quando
a marcação alemã afrouxou por um segundo, Maradona, vendo-se livre pela
primeira vez na partida, só precisou de um toque na bola para botar Burruchaga frente a frente com Schumacher. O camisa 7 avançou com ela dominada e, na saída do goleiro,
tocou para o fundo das redes. A bola mal havia entrado na meta alemã e os argentinos já comemoravam a conquista do bicampeonato mundial.
O apito final do discreto Romualdo Arppi Filho — o segundo brasileiro a arbitrar uma decisão de Copa — apenas confirmou o que todos já sabiam: Maradona levou a Argentina ao título. Era a consagração do menino que nasceu pobre e
enriqueceu os olhos do mundo com seus dribles e seus golaços. Um gênio capaz
de fazer em uma mesma partida um gol com a mão de Deus e outro com o diabo no
corpo. Um gênio indomável.
Na voz do locutor argentino
Victor Moraes, o êxtase do lance:
"Maradona tem a bola, marcado por dois.
Pisa na bola Maradona, arranca pela direita o gênio do futebol mundial... Deixa
os adversários pra trás e vai tocar para Burruchaga…
Sempre Maradona! Gênio!
Gênio! Gênio!... tá-tá-tá-tá... Goooool! Me perdoem, quero chorar! Deus santo!
Viva o futebol! Golaço! Maradona em uma corrida memorável, na jogada de todos
os tempos! Serpente cósmica, de qual planeta você veio? Para deixar tantos
ingleses pelo caminho?
Para que o país em um só punho apertado esteja gritando
pela Argentina! Graças a Deus pelo futebol. Graças a Deus por essas lágrimas.
Graças a Deus por Argentina 2, Inglaterra 0."