domingo, 16 de março de 2014

1950 | O Dia em que o Brasil Parou


Na história do Brasil, a eleição do general Eurico Gaspar Dutra, em 1945, pôs fim a Era Vargas, um período de conquistas sociais e trabalhistas, mas também de um governo ditatorial e adepto do nazifascismo.

Com a ascensão de Dutra, o Brasil se abriu economicamente e voltou os olhos para si. O País se candidatou e ganhou o direito de sediar a Copa. Ambicioso, construiu o Maracanã.

O maior estádio do mundo tinha capacidade para receber quase 10% da população do Rio de Janeiro à época, e foi comparado ao Coliseu, em Roma, pelo presidente da FIFA, Jules Rimet. Cinco construtoras e 3.500 operários ergueram o Maracanã em menos de dois anos. E foi preciso um único dia para o gigante cair em lágrimas.

O uruguaio Máspoli foi considerado o melhor goleiro da Copa.
















Na semana da partida entre Brasil e Uruguai, o jornal “O Mundo” circulou pelas ruas do Rio de Janeiro com a manchete “Estes são os campeões do mundo”, estampando a foto da Seleção Brasileira na capa. A notícia irritou os uruguaios. O capitão Obdulio Varela comprou vários exemplares e distribuiu aos jogadores, pedindo que pisassem e urinassem naquelas páginas.

Não bastasse a presunção da mídia, interesses políticos tiraram a Seleção do tranquilo bairro de Joá, onde estava concentrada, e levaram-na para o agitado estádio de São Januário, casa do Vasco da Gama — havia nove cruzmaltinos no elenco brasileiro. O local foi um prato cheio para o entra-e-sai predatório dos candidatos em campanha eleitoral. Os jogadores perderam a paz, a concentração e, depois, a partida.

Brasil e Uruguai jogaram três vezes pouco antes da Copa: duas vitórias brasileiras e uma uruguaia.



















Na manhã de domingo, 16 de julho de 1950, o Rio de Janeiro acordou em meio a um carnaval improvisado. O espírito triunfalista saiu das ruas e foi para a concentração brasileira. Os jogadores, sentados à mesa, mal conseguiram almoçar, tamanha a tietagem de políticos em busca de autopromoção. Depois de um discurso indigesto, ‘Mestre Ziza’, como Zizinho era chamado, teve certeza de que ele e seus companheiros estavam partindo para uma guerra.

A hora do jogo se aproximava. No vestiário da Celeste, o técnico dizia uma coisa e o capitão, outra. Dotado de grande caráter, Obdulio Varela era dono de uma personalidade forte e uma liderança nata. Contrariando o treinador Juan López Fontana, que preferia uma estratégia defensiva, o capitão uruguaio incitou seus comandados em uma preleção emocionada. Varela explicou como eles deveriam encarar as dificuldades e não se intimidar com a torcida brasileira. Seu argumento era simples:

— Rapazes, quem está do lado de fora não joga. Que comece a partida.

Friaça chuta para abrir o placar: euforia que durou só 19 minutos.


E ela começou. Logo no primeiro tempo, a tensão tomou conta de um Maracanã abarrotado — 199.854 pessoas, o maior público em um jogo de Copa do Mundo. O Brasil pressionava, mas quem chegou perto do gol foi o Uruguai, aos 37min, com um chute de Míguez que carimbou a trave do goleiro Barbosa.

Quando o Brasil abriu o placar, aos 2min do segundo tempo, com Friaça, as lembranças das goleadas e a vantagem do empate transformaram a apreensão em título. Mas os uruguaios tinham algo que não se encontrava em nenhuma outra equipe: eles não sabiam perder.


Schiaffino empata e põe fogo no jogo.















O capitão Varela bateu no peito aos berros de “vamos ganhar!”. Não demorou muito, a ordem foi atendida. Aos 21min, Ghiggia cruzou e Schiaffino, de primeira, deixou tudo igual no marcador. Mas o pior ainda estava por vir. Aos 34min, Ghiggia tabelou com Julio Pérez pela direita, invadiu a área e chutou forte, rasteiro, entre a trave e Barbosa. A bola mal havia entrado e um silêncio ensurdecedor já tomava conta das arquibancadas. O desacreditado Uruguai estava à frente: 2 a 1.

Por causa deste gol de Ghiggia o Brasil nunca mais vestiu a camisa branca, considerada azarada.














Destoando de uma plateia muda, a Seleção Brasileira ainda tentou algo. Mas o abatimento era evidente demais para ser superado. Com o apito final do árbitro inglês George Reader, o anticlímax do resultado decretava a maior tragédia brasileira de todos os tempos, que atende pelo nome de ‘Maracanazo’.

Após a derrota, jogadores brasileiros são escoltados na saída do gramado. 



















Condenado até o fim da vida pelo crime de não ter defendido o chute de Ghiggia, o goleiro Moacir Barbosa desabafou em uma entrevista nos anos 90:

— A pena máxima no Brasil é de 30 anos. E eu já estou pagando há quase 50.

Barbosa partiu em 7 de abril de 2000. Com ele, o perdão de um país inteiro.


Garoto assiste à vitória do Uruguai no Maracanã: um dos muitos jovens que cresceram com o complexo de vira-lata