Na história do Brasil, a eleição do general Eurico
Gaspar Dutra, em 1945, pôs fim a Era Vargas, um período de conquistas sociais e
trabalhistas, mas também de um governo ditatorial e adepto do nazifascismo.
Com a ascensão de Dutra, o Brasil se abriu
economicamente e voltou os olhos para si. O País se candidatou e ganhou o
direito de sediar a Copa. Ambicioso, construiu o Maracanã.
O maior estádio do mundo tinha capacidade para receber
quase 10% da população do Rio de Janeiro à época, e foi comparado ao Coliseu,
em Roma, pelo presidente da FIFA, Jules Rimet. Cinco construtoras e 3.500
operários ergueram o Maracanã em menos de dois anos. E foi preciso um único dia
para o gigante cair em lágrimas.
O uruguaio Máspoli foi considerado o melhor goleiro da Copa. |
Na semana da partida entre Brasil e Uruguai, o jornal “O Mundo” circulou pelas ruas do Rio de Janeiro com a manchete “Estes são os campeões do mundo”, estampando a foto da Seleção Brasileira na capa. A notícia irritou os uruguaios. O capitão Obdulio Varela comprou vários exemplares e distribuiu aos jogadores, pedindo que pisassem e urinassem naquelas páginas.
Não bastasse a presunção da mídia, interesses
políticos tiraram a Seleção do tranquilo bairro de Joá, onde estava
concentrada, e levaram-na para o agitado estádio de São Januário, casa do Vasco
da Gama — havia nove cruzmaltinos no elenco brasileiro. O local foi
um prato cheio para o entra-e-sai predatório dos candidatos em campanha
eleitoral. Os jogadores perderam a paz, a concentração e, depois, a partida.
Brasil e Uruguai jogaram três vezes pouco antes da Copa: duas vitórias brasileiras e uma uruguaia. |
Na manhã de domingo, 16 de julho de 1950, o Rio de Janeiro acordou em meio a um carnaval improvisado. O espírito triunfalista saiu das ruas e foi para a concentração brasileira. Os jogadores, sentados à mesa, mal conseguiram almoçar, tamanha a tietagem de políticos em busca de autopromoção. Depois de um discurso indigesto, ‘Mestre Ziza’, como Zizinho era chamado, teve certeza de que ele e seus companheiros estavam partindo para uma guerra.
A hora do jogo se aproximava. No vestiário da Celeste,
o técnico dizia uma coisa e o capitão, outra. Dotado de grande caráter, Obdulio
Varela era dono de uma personalidade forte e uma liderança nata. Contrariando o
treinador Juan López Fontana, que preferia uma estratégia defensiva, o capitão
uruguaio incitou seus comandados em uma preleção emocionada. Varela explicou como
eles deveriam encarar as dificuldades e não se intimidar com a torcida
brasileira. Seu argumento era simples:
— Rapazes, quem está do lado de fora não joga. Que comece a partida.
Friaça chuta para abrir o placar: euforia que durou só 19 minutos. |
E ela começou. Logo no primeiro tempo, a tensão tomou
conta de um Maracanã abarrotado — 199.854 pessoas, o maior público em um jogo
de Copa do Mundo. O Brasil pressionava, mas quem chegou perto do gol foi o
Uruguai, aos 37min, com um chute de Míguez que carimbou a trave do goleiro
Barbosa.
Quando o Brasil abriu o placar, aos 2min do segundo
tempo, com Friaça, as lembranças das goleadas e a vantagem do empate
transformaram a apreensão em título. Mas os uruguaios tinham algo que não se
encontrava em nenhuma outra equipe: eles não sabiam perder.
Schiaffino empata e põe fogo no jogo. |
O capitão Varela bateu no peito aos berros de “vamos ganhar!”. Não demorou muito, a ordem foi atendida. Aos 21min, Ghiggia cruzou e Schiaffino, de primeira, deixou tudo igual no marcador. Mas o pior ainda estava por vir. Aos 34min, Ghiggia tabelou com Julio Pérez pela direita, invadiu a área e chutou forte, rasteiro, entre a trave e Barbosa. A bola mal havia entrado e um silêncio ensurdecedor já tomava conta das arquibancadas. O desacreditado Uruguai estava à frente: 2 a 1.
Por causa deste gol de Ghiggia o Brasil nunca mais vestiu a camisa branca, considerada azarada. |
Destoando de uma plateia muda, a Seleção Brasileira ainda tentou algo. Mas o abatimento era evidente demais para ser superado. Com o apito final do árbitro inglês George Reader, o anticlímax do resultado decretava a maior tragédia brasileira de todos os tempos, que atende pelo nome de ‘Maracanazo’.
Após a derrota, jogadores brasileiros são escoltados na saída do gramado. |
Condenado até o fim da vida pelo crime de não ter
defendido o chute de Ghiggia, o goleiro Moacir Barbosa desabafou em uma entrevista nos
anos 90:
— A pena máxima no Brasil é de 30 anos. E eu já estou pagando há quase 50.
Barbosa partiu em 7 de abril de 2000. Com ele,
o perdão de um país inteiro.
Garoto assiste à vitória do Uruguai no Maracanã: um dos muitos jovens que cresceram com o complexo de vira-lata |