sábado, 19 de abril de 2014

1970 | Um Passo na Meia-Lua

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No dia 20 de julho de 1969, milhões de pessoas se aglomeraram em frente a rádios e televisores de imagem pouco nítida para ver o astronauta americano Neil Armstrong descer a escada do módulo e por os pés sobre a superfície lunar. “ Este é um pequeno passo para o homem e um grande salto para a humanidade”, declarou Armstrong com a voz ligeiramente distorcida pela distância da comunicação. Um ano depois, outro homem foi ainda mais ousado. Com “um pequeno passo para a esquerda e um grande lance para a história”, Pelé eternizou seu nome na Copa do Mundo.

A pegada de Neil Armstrong na Lua. O homem superou os limites da Terra, e Pelé, da criatividade.

Brasil x Uruguai era mais que uma semifinal. Era uma revanche. Havia 20 anos que o ‘Maracanazo’ estava entalado na garganta de todos os brasileiros — mesmo os que não o assistiram. Quando a Celeste fez 1 a 0, aos 19min, num chute despretensioso de Luis Cubilla, parecia que a tragédia iria se repetir.

Nas quartas de final, o Uruguai eliminou a União Soviética com um gol polêmico na prorrogação. A bola teria ultrapassado a linha de fundo no cruzamento de Cubilla para a cabeçada de Espárrago.  

O jogo foi duro. Diante da forte marcação uruguaia, Zagallo recuou Gérson e avançou Clodoaldo. A mudança surtiu efeito. No último minuto da etapa inicial, o cabeça-de-área tabelou com Tostão, recebeu na frente e, na corrida, venceu Mazurkiewicz. O clássico sul-americano estava empatado. A primeira etapa ainda viu o goleiro uruguaio cobrar mal um tiro de meta, que Pelé rebateu com um chute forte, de primeira. Mazurkiewicz se recuperou e segurou a bola.

Clodoaldo comemora o empate. O terceiro, último e mais importante gol do “Corró” vestindo a amarelinha.  

A partida continuou difícil no segundo tempo. Os uruguaios só conseguiam parar os brasileiros na base da falta. Numa delas, aos 20min, Pelé pediu pênalti depois de driblar três adversários. Mas a virada só viria aos 31min. Tostão lançou Jairzinho, que, mais rápido que Matosas, chutou cruzado para fazer 2 a 1. Na comemoração, o atacante repetiu o gesto do tcheco Petráš e, ajoelhado, fez o sinal da cruz.

Jogadores comemoram o sexto gol de Jairzinho na Copa.

A Celeste foi para cima. Melhor para o Brasil, que aproveitou os contra-ataques. Num deles, aos 45min, Pelé rolou macio para o petardo de Rivellino. 3 a 1, o Uruguai estava entregue. Mas ainda havia tempo para um último lance. E não foi um lance qualquer.

A jogada começou com o lançamento de Tostão para Pelé, que entrou livre pelo meio. O goleiro Mazurkiewicz saiu desesperadamente da meta e não imaginou — assim como o resto do mundo — que o Rei esqueceria a bola em prol da genialidade.
Com um passo para a esquerda, o camisa 10 deixou propositalmente a bola cruzar à frente do goleiro Mazurkiewicz, que passou reto. Pelé, dando a volta, pegou a bola do outro lado, girou e bateu. O capricho foi milimétrico: a bola passou rente à trave direita, enquanto o zagueiro Ancheta beijava o gramado junto à trave esquerda. O gol não saiu, e mais um “não-gol” entrou para a história — coisas que só um gênio é capaz de fazer.

Um lance de poucos segundos, muitos aplausos...  

e com um toque de ironia: uma meia-lua na meia-lua da grande área. 

Mazurkiewicz consola Pelé. O goleiro uruguaio venceu o duelo particular e não tomou gols do Rei.

Enquanto Brasil x Uruguai foi uma grande partida, a outra semifinal, entre Itália e Alemanha Ocidental, foi o “jogo do século” — eleito pelo jornal francês “L’Équipe”, em 1997, junto a grandes jogadores. A disputa épica na Cidade do México culminou em uma prorrogação inacreditável com cinco gols.

Italianos e alemães vinham de campanhas totalmente opostas. A Azzurra, que sofrera na primeira fase, despachou o anfitrião México nas quartas, por 4 a 1. Já a Alemanha Ocidental, a melhor campanha na fase de grupos, passou apertada pela Inglaterra (3 a 2, na prorrogação).

O jogo em si não foi dos mais emocionantes. Boninsegna fez 1 a 0 logo aos 8min de partida e, a partir daí, a Itália se aplicou defensivamente para segurar o placar. A Azzurra já comemorava a vitória, quando, nos segundos finais, a Alemanha Ocidental deu um último suspiro e Schnellinger empatou. A meia hora que se seguiu foi algo jamais visto em uma Copa do Mundo.

Beckenbauer jogou o tempo extra com o braço direito imobilizado junto ao peito. Ele havia deslocado o ombro e, provavelmente, também parte do cérebro que comanda a dor.

A fria equipe alemã virou o marcador aos 4min do primeiro tempo da prorrogação. Poletti dominou mal e Müller, astuto, roubou-lhe a bola, que acabou entrando no gol direto, como um pesadelo em câmera lenta. Os alemães devolveram o favor e, quatro minutos depois, Held ajeitou a bola de presente para o italiano Burgnich igualar outra vez: 2 a 2.

À medida que o calor aumentava, os gols saíam — as duas equipes estavam exauridas pelo sol castigador. A Itália voltou a ficar na frente com um chute de Gigi Riva, no lance derradeiro do primeiro tempo. Aos 5min da etapa decisiva, Müller escorou de cabeça em meio à zaga italiana e novamente empatou a partida: 3 a 3.

Italianos comemoram o quarto e último gol da incrível semifinal entre Itália e Alemanha Ocidental.

Quando todos já estavam de olho no apito final do peruano Yamasaki, Boninsegna fez grande jogada pela esquerda e cruzou na marca do pênalti para Rivera marcar um impensável quarto gol italiano. Os extenuantes 120 minutos terminaram com Boninsegna, exausto, estirado no chão. A Itália chegava a mais uma final; a primeira contra o Brasil. Do duelo entre os bicampeões mundiais sairia o detentor definitivo da taça Jules Rimet. Nem o mais lunático poderia perder essa.

Placa no estádio Azteca, na Cidade do México.