sexta-feira, 16 de maio de 2014

1986 | L 'anniversaire de Platini

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29 de maio de 1985. Pouco antes do início da final da Copa dos Campeões daquele ano, entre Juventus e Liverpool, torcedores ingleses provocaram um tumulto de proporções catastróficas nas arquibancadas do estádio de Heysel, em Bruxelas. Embriagados, os britânicos romperam as grades de proteção que os separava da torcida juventina, agrediram os italianos com latas de cerveja, garrafas e pedaços de pau e, não satisfeitos, derrubaram um muro de concreto sobre os tifosi: 39 morreram, 454 ficaram feridos e outros 270 foram hospitalizados. O mundo conhecia o poder dos hooligans. E os repudiava veemente.

Michel Platini estava lá. Foi dele o gol — de pênalti — que deu o título europeu à Juventus, aos 11min do segundo tempo. Mas mesmo isso era pouco para quem havia presenciado uma tragédia. "Recebemos a taça no vestiário. Não é assim que eu concebo o futebol", lamentou o craque francês.

Torcedor inglês é levado após agredir italianos — e apanhar deles. "Os torcedores do Liverpool levaram vergonha e desgraça para o país", afirmou a primeira-ministra da Inglaterra, Margareth Thatcher. A UEFA suspendeu os clubes ingleses de todas as competições internacionais por cinco anos.

Campeão europeu de clubes e de seleções, Platini chegou ao México em busca do único título que lhe faltava: o de campeão do mundo por seu país. Depois de se classificar em segundo lugar no Grupo C, a França teve pela frente a Itália, então detentora do título. No duelo azul, os franceses mostraram mais força e competência, e tiraram dos italianos o sonho do tetra. Nos 2 a 0 no Estádio Olímpico Universitário, na Cidade do México, Platini marcou seu primeiro gol na Copa, aos 15min de jogo, e Stopyra fechou o marcador aos 12min do segundo tempo. No caminho dos Bleus, a Amarelinha.

O dia 21 de junho, data da quarta de final entre Brasil e França, não era especial apenas para os brasileiros, que celebravam 16 anos do tricampeonato, ali mesmo, em terras mexicanas: Michel Platini completava 31 anos. No entanto, a delegação francesa não preparou nenhum bolo ou festa surpresa para o seu capitão. Pelo contrário: a seleção francesa manteve foco total no confronto, salvo alguns tapinhas nas costas do jogador e palavras de félicitations. Todos sabiam que, para o camisa 10, o que realmente importava era a classificação para as semifinais — o melhor presente de aniversário que poderia ganhar.

Depois de eliminar o azarão Marrocos nas oitavas, com um gol de Matthäus no finalzinho (1 a 0), a Alemanha Ocidental despachou o anfitrião México nas quartas. No tempo normal, 0 a 0, e nos pênaltis, uma goleada por 4 a 1 — Schumacher pegou duas cobranças.

Empolgada pela boa campanha no Mundial, a Seleção Brasileira começou melhor, com posse de bola e rapidez nas jogadas. Na primeira delas, o goleiro Bats salvou. Na segunda também. Mas na terceira descida do ataque brasileiro, não deu para o arqueiro francês. A tabela rápida entre Müller e Júnior chamou a marcação francesa e deixou Careca livre para receber e fuzilar o gol de Bats: 1 a 0. Aos 17min de jogo, Careca assumia a artilharia temporária da Copa, com cinco gols.

Ainda no primeiro tempo, a França acordou e foi para cima. O Brasil passou a jogar nos contra-ataques e, no melhor deles, Müller carimbou a trave. O caminho francês era pela direita, e Amoros foi o primeiro a levar perigo à meta brasileira, aos 30min. Depois, quem apareceu foi Rocheteau, aos 41min, com um cruzamento venenoso, que desviou levemente em Edinho e matou a defesa tupiniquim. O goleiro Carlos e o atacante Stopyra passaram lotados — e se chocaram no lance. A bola sobrou para Platini, no segundo pau, que só teve o trabalho de empurrá-la para o gol vazio. A festa, naquele momento, era do aniversariante do dia.

Platini comemora o gol de empate. O capitão francês acabou com uma invencibilidade de 400 minutos do goleiro Carlos, que não era vazado desde o amistoso contra o Chile, em maio. Foi o primeiro e único gol sofrido pela Seleção Brasileira na Copa de 86.

No segundo tempo, o jogo ganhou em emoção. Enquanto Bats defendia a França de um lado, Carlos salvava o Brasil do outro, como no lance de Tiganá, aos 20min — o meia francês saíra na cara do gol. Seis minutos depois, Telê resolveu dar mais qualidade ao time. Sacou Müller e colocou Zico, que começou no banco por ainda não ter condições físicas de jogar os 90 minutos. Em seu primeiro toque na bola, o Galinho lançou Branco, que invadiu a área e só foi parado pelo goleiro Bats: pênalti. Uma conferência na marca da cal — assim como contra a Polônia — e Zico se encarregou da cobrança. Contudo, as mesmas mãos que fizeram o pênalti evitaram o gol. Começava a consagração de Bats.

O goleiro francês fechou o gol não só até o fim do tempo regulamentar, como também na prorrogação. Extenuada, a França sofreu com a pressão brasileira, que queria a todo custo resolver a partida com a bola rolando. No entanto, a melhor oportunidade foi dos azuis, quando Platini enxergou a passagem de Bellone pelo buraco defensivo do Brasil e deixou o atacante à vontade, na cara do gol. Carlos saiu atabalhoado e atingiu Bellone na altura do ombro, que continuou em pé, mas foi desarmado por Elzo. O árbitro Ioan Igna, da Romênia, ignorou o lance, para desespero do time francês.

Na sequência da jogada, Careca foi à linha de fundo e cruzou rasteiro, em um lance muito parecido com o gol francês. Mas depois de quase 120 minutos de futebol — dos bons —, era quase impossível se manter em pé: a bola percorreu toda a extensão da pequena área e chegou à Sócrates, que, sem pernas, perdeu a passada e furou. O empate persistiu até o último suspiro. A decisão seria por pênaltis — a segunda da história das Copas, a segunda com presença francesa.

Platini observa o calvário de Zico. "Quando bati, não estava no clima do jogo. Chutei fraco e houve a defesa. Como no Brasil nós gostamos de arrumar um culpado, essas coisas negativas marcam", revelou o Galinho, que foi consolado pelo craque francês depois do lance.  

Sócrates bateu o primeiro e Bats defendeu. Ah, os pênaltis: o Brasil era apresentado a eles da pior forma possível. Seguiram-se as cobranças de Stopyra e Amoros, para a França, e de Alemão e Zico, para o Brasil, todas convertidas — o Galinho bateu no mesmo canto do pênalti desperdiçado, mas chutou com mais força. Bellone, aquele da falta não assinalada na prorrogação, cobrou o terceiro dos franceses. O chute acertou a trave, mas a bola voltou nas costas de Carlos e entrou. De certa forma, foi a revanche do atacante. E quando Branco converteu a quarta cobrança brasileira, o jogo estava novamente empatado: 3 a 3. Platini era o próximo.

O capitão da França pegou a bola nas mãos com o mesmo carinho que a tratava com os pés — e a beijou. Mas as pernas não correspondiam mais ao cérebro, e o chute saiu forte demais, por cima do travessão. O aniversariante do dia dava a si mesmo um "presente de grego". Entretanto, na sequência, Júlio César aliviou a barra do craque francês, ao chutar seu míssil de pé direito na trave de Bats. E na última cobrança azul, Fernandez sepultou a esperança verde-amarela.

Carlos para um lado, bola para o outro. A França chegava a sua segunda semifinal consecutiva de Copa. Para o Brasil, restava o bicampeonato de Fair Play (1982-86): a equipe menos indisciplinada da competição.

Depois da partida, Zico chorou e Telê desabafou, dizendo que não queria mais ser treinador de futebol. Enquanto o Brasil lamentava, a França fazia festa. Afinal, era aniversário do maior jogador francês de todos os tempos: Michel Platini.

"Se a Copa do Mundo tivesse sido disputada anualmente entre 1982 e 1986, a França teria ganho duas ou três vezes." Michel Platini.