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29 de maio de 1985.
Pouco antes do início da final da Copa dos Campeões daquele ano, entre Juventus
e Liverpool, torcedores ingleses provocaram um tumulto de proporções
catastróficas nas arquibancadas do estádio de Heysel, em Bruxelas. Embriagados,
os britânicos romperam as grades de proteção que os separava da torcida
juventina, agrediram os italianos com latas de cerveja, garrafas e pedaços de
pau e, não satisfeitos, derrubaram um muro de concreto sobre os tifosi: 39 morreram,
454 ficaram feridos e outros 270 foram hospitalizados. O mundo conhecia o poder
dos hooligans. E os repudiava veemente.
Michel Platini
estava lá. Foi dele o gol — de pênalti — que deu o título europeu à Juventus,
aos 11min do segundo tempo. Mas mesmo isso era pouco para quem havia
presenciado uma tragédia. "Recebemos a taça no vestiário. Não é assim que
eu concebo o futebol", lamentou o craque francês.
Campeão europeu de
clubes e de seleções, Platini chegou ao México em busca do único título que lhe
faltava: o de campeão do mundo por seu país. Depois de se classificar em
segundo lugar no Grupo C, a França teve pela frente a Itália, então detentora
do título. No duelo azul, os franceses mostraram mais força e competência, e
tiraram dos italianos o sonho do tetra. Nos 2 a 0 no Estádio Olímpico
Universitário, na Cidade do México, Platini marcou seu primeiro gol na Copa,
aos 15min de jogo, e Stopyra fechou o marcador aos 12min do segundo tempo. No
caminho dos Bleus, a Amarelinha.
O dia 21 de junho,
data da quarta de final entre Brasil e França, não era especial apenas para os
brasileiros, que celebravam 16 anos do tricampeonato, ali mesmo, em terras
mexicanas: Michel Platini completava 31 anos. No entanto, a delegação francesa
não preparou nenhum bolo ou festa surpresa para o seu capitão. Pelo contrário: a seleção
francesa manteve foco total no confronto, salvo alguns tapinhas nas costas do jogador
e palavras de félicitations. Todos
sabiam que, para o camisa 10, o que realmente importava era a classificação
para as semifinais — o melhor presente de aniversário que poderia ganhar.
Empolgada pela boa
campanha no Mundial, a Seleção Brasileira começou melhor, com posse de bola e
rapidez nas jogadas. Na primeira delas, o goleiro Bats salvou. Na segunda
também. Mas na terceira descida do ataque brasileiro, não deu para o arqueiro
francês. A tabela rápida entre Müller e Júnior chamou a marcação francesa e
deixou Careca livre para receber e fuzilar o gol de Bats: 1 a 0. Aos 17min de
jogo, Careca assumia a artilharia temporária da Copa, com cinco gols.
Ainda no primeiro
tempo, a França acordou e foi para cima. O Brasil passou a jogar nos
contra-ataques e, no melhor deles, Müller carimbou a trave. O caminho francês
era pela direita, e Amoros foi o primeiro a levar perigo à meta brasileira, aos
30min. Depois, quem apareceu foi Rocheteau, aos 41min, com um cruzamento
venenoso, que desviou levemente em Edinho e matou a defesa tupiniquim. O
goleiro Carlos e o atacante Stopyra passaram lotados — e se chocaram no lance.
A bola sobrou para Platini, no segundo pau, que só teve o trabalho de
empurrá-la para o gol vazio. A festa, naquele momento, era do aniversariante do
dia.
No segundo tempo, o
jogo ganhou em emoção. Enquanto Bats defendia a França de um lado, Carlos salvava
o Brasil do outro, como no lance de Tiganá, aos 20min — o meia francês saíra na
cara do gol. Seis minutos depois, Telê resolveu dar mais qualidade ao time. Sacou
Müller e colocou Zico, que começou no banco por ainda não ter condições físicas
de jogar os 90 minutos. Em seu primeiro toque na bola, o Galinho lançou Branco,
que invadiu a área e só foi parado pelo goleiro Bats: pênalti. Uma conferência
na marca da cal — assim como contra a Polônia — e Zico se encarregou da
cobrança. Contudo, as mesmas mãos que fizeram o pênalti evitaram o gol.
Começava a consagração de Bats.
O goleiro francês
fechou o gol não só até o fim do tempo regulamentar, como também na prorrogação.
Extenuada, a França sofreu com a pressão brasileira, que queria a todo custo
resolver a partida com a bola rolando. No entanto, a melhor oportunidade foi
dos azuis, quando Platini enxergou a passagem de Bellone pelo buraco defensivo
do Brasil e deixou o atacante à vontade, na cara do gol. Carlos saiu atabalhoado
e atingiu Bellone na altura do ombro, que continuou em pé, mas foi desarmado
por Elzo. O árbitro Ioan Igna, da Romênia, ignorou o lance, para desespero do
time francês.
Na sequência da
jogada, Careca foi à linha de fundo e cruzou rasteiro, em um lance muito
parecido com o gol francês. Mas depois de quase 120 minutos de futebol — dos bons —, era
quase impossível se manter em pé: a bola percorreu toda a extensão da pequena
área e chegou à Sócrates, que, sem pernas, perdeu a passada e furou. O empate persistiu até o último suspiro. A decisão seria por pênaltis — a segunda da história
das Copas, a segunda com presença francesa.
Sócrates bateu o
primeiro e Bats defendeu. Ah, os pênaltis: o Brasil era apresentado a eles da
pior forma possível. Seguiram-se as cobranças de Stopyra e Amoros, para a
França, e de Alemão e Zico, para o Brasil, todas convertidas — o Galinho bateu
no mesmo canto do pênalti desperdiçado, mas chutou com mais força. Bellone,
aquele da falta não assinalada na prorrogação, cobrou o terceiro dos franceses.
O chute acertou a trave, mas a bola voltou nas costas de Carlos e entrou. De certa forma, foi a revanche
do atacante. E quando Branco converteu a quarta cobrança brasileira, o jogo
estava novamente empatado: 3 a 3. Platini era o próximo.
O capitão da França
pegou a bola nas mãos com o mesmo carinho que a tratava com os pés — e a beijou.
Mas as pernas não correspondiam mais ao cérebro, e o chute saiu forte demais, por
cima do travessão. O aniversariante do dia dava a si mesmo um "presente de
grego". Entretanto, na sequência, Júlio César aliviou a barra do craque
francês, ao chutar seu míssil de pé direito na trave de Bats. E na última
cobrança azul, Fernandez sepultou a esperança verde-amarela.
Depois da partida, Zico chorou e Telê desabafou, dizendo que não queria mais ser treinador de futebol. Enquanto o Brasil lamentava, a França fazia festa. Afinal, era aniversário do maior jogador francês de todos os tempos: Michel Platini.
"Se a Copa do Mundo tivesse sido disputada anualmente entre 1982 e 1986, a França teria ganho duas ou três vezes." Michel Platini. |