segunda-feira, 6 de julho de 2015

Los Libertadores del Coloso



O Estádio Nacional Julio Martínez Prádanos, mais conhecido como Estádio Nacional de Chile, é um senhor de 77 anos. E como todo idoso, tem muitas histórias para contar. Já recebeu concertos pelos Direitos Humanos, final da Copa Davis de tênis, shows de superastros da música, como Madonna e Michael Jackson, e até um encontro de jovens com o Papa João Paulo II. Mas nem só de flores vive "El Coloso de Ñuñoa". Nos fundos do gigante de concreto, uma mancha negra da história permanece incólume por mais de 40 anos.

Ali fica a "Salida 8", um setor de arquibancadas de madeira, cercado de placas de acrílico, onde 20 mil prisioneiros políticos viveram por dois meses, entre 12 de setembro de 1973 — um dia após o golpe de Estado do general Augusto Pinochet — e 9 de novembro. Preservado exatamente do jeito que foi deixado à época, o local — uma espécie de ex-campo de concentração — é um museu permanente a céu aberto, que mantém viva a lembrança do horror do regime militar. A frase na parte superior da arquibancada resume bem: "um povo sem memória é um povo sem futuro".

Com memória e com futuro, mas sem títulos. Para o povo chileno, o dia 4 de julho de 2015 significava a independência de um jejum que acompanhou 'La Roja' por toda a sua história. O adversário, a Argentina, jamais perdera para o Chile em partidas de Copa América: 6 empates e 18 vitórias. Pior: vencera as últimas quatro edições do torneio disputadas no país vizinho (1941, 45, 55 e 91). Mais do que nunca, a força da 'hinchada' (torcida) fazia-se necessária. Para tanto, um milionário chileno comprou 40 mil bandeiras, que foram distribuídas na entrada do estádio — o que pôs em xeque o ditado "dinheiro não compra felicidade".

O horário vespertino elevou a temperatura para 20°C, mas nada que tirasse o frio na barriga dos 45.693 espectadores no Estádio Nacional. Os hermanos começaram na pressão, complicando a saída de bola chilena. A partida se desenrolava de igual para igual até que, aos 28min, Di María saiu com dores na coxa direita. Começava ali a derrocada argentina.

Os times voltaram para o segundo tempo; Messi, não. Apático e bem marcado, o camisa 10 platino sofreu com a presença de Medel em seu cangote, anulando qualquer tentativa de criação do craque. Os anfitriões eram absolutos na posse de bola, e ao Chile só faltava o arremate certeiro. Mas a melhor oportunidade acabou sendo dos hermanos. Avançados, os chilenos sofreram um contra-ataque no último lance da etapa complementar. Messi disparou com a bola no pé, abriu para Lavezzi e o jogador do PSG tocou em profundidade para Higuaín. O cheiro de epopeia se esvaiu no ar quando o atacante do Napoli perdeu o ângulo e, consequentemente, o gol.

O tempo extra seguiu o roteiro dos 90 minutos: um Chile dominante, ditando o ritmo. Teve a chance de liquidar a fatura após a furada de Mascherano — sua única falha na competição —, porém o veloz Alexis Sánchez perdeu a passada e se deixou marcar por Otamendi, chutando sob pressão por cima da meta platina. O drama era evidente para os chilenos: 123 anos sem título, 120 minutos sem gol.

Antes das cobranças de pênalti, o hino à capela inflou o Estádio Nacional de confiança. Destemidos, os chilenos foram perfeitos na marca da cal. Do lado argentino, só Messi acertou. Pouco. E quando Alexis foi para a penalidade decisiva, sua personalidade ganhou força. De cavadinha, o camisa 7 fez 4 a 1, libertou o país da fila, o estádio da opressão e a camisa de seu corpo, numa comemoração enlouquecida que contagiou os quatro cantos da nação. Os chilenos choraram de novo, sim, mas dessa vez de alegria pela libertação.

Com memória, com futuro, com título. Esse é o novo Estádio Nacional. Esse é o novo Chile.


Estádio Nacional de Santiago: ao fundo, a Cordilheira dos Andes (foto: Rafael Bauer)



Salida 8: "Un pueblo sin memoria és un pueblo sin futuro". (foto: Rafael Bauer)



Torcida argentina ao lado da Salida 8 (foto: Isidora Riveros)









Hinchada chilena com as bandeirinhas (foto: Isidora Riveros)




A sina de Messi: 24 títulos com o Barcelona, trivice com a Argentina (foto: Isidora Riveros)
































Cavadinha: personalidade e segurança foram características do time de Sampaoli (foto: Isidora Riveros)


























Gary Medel com a taça: jogador símbolo da raça chilena (foto: Isidora Riveros)