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De acordo com o Antigo
Testamento, a Torre de Babel foi uma das construções mais ambiciosas do homem.
Erguida na Babilônia pelos descendentes de Noé, a ideia era fazê-la tão alta
que alcançasse o céu. Tal soberba provocou a ira de Deus. Para castigar os
homens, o Criador confundiu-lhes as línguas e causou uma ventania que derrubou
a torre. Sem se entenderem, os babilônios interromperam a reconstrução e se espalharam
por toda a Terra. A partir de então, “Babel” passou a ser sinônimo de confusão.
Inspirada no templo de
Marduk — Babel, em hebraico —, a lenda foi criada como uma tentativa dos
antepassados de explicar a diversidade de dialetos no planeta. Entretanto,
existem ruínas no sul da antiga Mesopotâmia que se encaixam perfeitamente à
torre descrita na Bíblia. A verdade é que, se algum dia o mundo falou um único idioma,
a Copa de 66 mostrou que foi a língua da violência.
O capitão inglês Bobby Moore é observado pelo capitão argentino Rattín na entrada do gramado de Wembley. Nas quartas de final, os cavaleiros da rainha não se portaram como cavalheiros. |
Os argentinos sempre foram conhecidos
por sua catimba, mas, na partida das quartas de final, quem praticou o antijogo
foram os ingleses. Comandados por Nobby Stiles, os anfitriões abusaram do jogo
violento. Stiles usava dentes
postiços na parte frontal da arcada superior e, durante as partidas, tirava a
dentadura para parecer mais assustador aos adversários.
Aos 25 minutos do primeiro
tempo, cansado de tanto sofrer faltas, o capitão Antonio Rattín resolveu se
queixar ao árbitro alemão Rudolf Kreitlein. Os dois literalmente não falavam a
mesma língua, o que levou o jogador a pedir um intérprete. Sem entender uma palavra
do que o argentino dizia, Kreitlein expulsou Rattín por indisciplina.
O incidente com Rattín foi o estopim para a criação dos cartões amarelo e vermelho no futebol. |
Inconformado, Rattín demorou
dez minutos para sair de campo e acabou sendo escoltado pela polícia. No
caminho para os vestiários, o meia argentino fez gestos para a torcida, amassou
a bandeirinha de córner e, claro, foi vaiado. “Depois sentei no tapete vermelho
ao redor da tribuna da família real. Jogaram latas de cerveja em mim. E eu não
gosto de cerveja inglesa”, completou Rattín.
Com um a menos, a Argentina
se segurou até os 32 minutos da etapa final, quando Geoffrey Hurst cabeceou
firme para dentro das redes. Após a partida, o treinador inglês chamou os
argentinos de “animais”. Devido aos incidentes no jogo, a FIFA puniu a federação
argentina e o meia Rattín. O árbitro Kreitlein, o meia Stiles e o técnico
Ramsey não sofreram nenhuma punição.
O técnico inglês Alf Ramsey impede a troca de camisas entre seus jogadores e os “animais”. Em resposta, os argentinos chamaram os ingleses de ‘”ladrões das Ilhas Malvinas”. |
Ainda pelas quartas de
final, a partida entre Alemanha Ocidental e Uruguai, disputada em Sheffield, também
foi marcada pela violência. Os alemães venceram com facilidade por 4 a 0, mas
não antes do árbitro inglês Jim Finney expulsar os uruguaios Troche e Héctor
Silva, por revidarem as agressões — impunes — dos alemães. A Celeste ainda
reclamou de um pênalti não assinalado, quando o jogo estava 0 a 0. O zagueiro
Schnellinger teria tirado a bola na linha do gol com a mão. Já na vitória da
União Soviética sobre a Hungria, por 2 a 1, em Sunderland, não foram os
jogadores que apanharam. Depois do “bicão” do zagueiro Shesternyev, a bola,
maltratada, furou.
O jovem Franz Beckenbauer invade a área para marcar o segundo gol da vitória alemã sobre os uruguaios. |
O jogo que mais chamou a atenção
nas quartas de final não teve confusão. Teve gols — e muitos. Numa das maiores
reviravoltas da história do futebol, Portugal venceu a Coreia do Norte por 5 a
3, depois de estar perdendo por 3 a 0 até os 25 minutos do primeiro tempo. O
grande nome da partida foi novamente Eusébio. Em uma atuação brilhante, o craque
português virou o jogo praticamente sozinho. Aos 15 minutos do segundo tempo,
ele já havia marcado quatro vezes. Com a vitória, os lusos se classificaram para
as semifinais em sua primeira Copa.
No entanto, no confronto que
valia vaga na decisão, Portugal esteve irreconhecível diante da Inglaterra. Incomodados
com a mudança do local da partida, de Liverpool para Londres, os portugueses
sucumbiram à pressão de 94 mil vozes em Wembley. Bobby Charlton — um dos sobreviventes
do desastre aéreo que matou boa parte do elenco do Manchester United, em 58 —
marcou os dois gols ingleses, enquanto Eusébio, de pênalti, fez o gol solitário
de Portugal.
O capitão português Coluna e o capitão inglês Bobby Moore: rara troca de cordialidades na segunda fase do torneio. |
Na outra semifinal, a
Alemanha Ocidental despachou a União Soviética em mais uma batalha marcada pela
brutalidade. De tanto apanhar, o atacante soviético Chislenko ficou mancando em
campo até os 18 minutos do segundo tempo, quando chutou o alemão Held e foi
expulso. Haller e Beckenbauer marcaram para os alemães. Porkuyan, com hematomas
na canela, fez para os soviéticos.
Beckenbauer marca contra a União Soviética. Aos 21 anos, já era eleito um dos melhores de uma Copa do Mundo. Mas teria que esperar oito anos para comemorar um título mundial. |
Agora, só a Alemanha
Ocidental separava a Inglaterra do título inédito. A partida final contou com
um torcedor inesperado: o pugilista norte-americano Cassius Clay, que ainda não
se chamava Muhammad Ali. O lutador estava no país para defender o título
mundial dos pesos-pesados, na semana seguinte, e aproveitou para assistir à
grande decisão, em Wembley.
Com a complacência dos
árbitros europeus na Copa, que ficou conhecida como “Mundial da Violência”, a presença do boxeador no estádio só podia ser uma estratégia
da FIFA para intimidar ingleses e alemães dentro de campo.
Eusébio, de Portugal, cobra pênalti contra Yashin, da União Soviética. Na disputa do terceiro lugar, o “Pantera Negra” levou a melhor sobre o “Aranha Negra”. Portugal venceu por 2 a 1. |