terça-feira, 3 de junho de 2014

1994 | Heróis

Para ler o texto anterior, "1994 | Os Desbocados e o Cala-Bocas", clique aqui.


"Senna bateu forte". Na manhã de 1° de maio de 1994, essas palavras entraram no coração dos brasileiros com agonia. Na sétima volta do Grande Prêmio de Ímola, em San Marino, Ayrton Senna perdeu o controle do carro e chocou-se violentamente no muro de concreto. Por um breve momento, a cabeça do piloto se mexeu. Removido do cockpit, recebeu os primeiros socorros ainda na pista. Ali, estirado no asfalto da curva Tamburello, Ayrton Senna deu seu último suspiro e partiu.

No GP do Brasil de 1991, Senna perdeu a quarta marcha faltando 20 voltas para o final. Com dores no pescoço, no ombro e nos braços, ficou sem a terceira e a quinta restando oito voltas. A três do fim, o câmbio quebrou. Na penúltima volta, pensou: “Lutei tantos anos para chegar a isso (vencer no Brasil). Vou ter que chegar em primeiro. Vai ter que dar”. E deu. Vitórias como essa fizeram os brasileiros acreditar que tudo era possível.

Senna vence o GP do Brasil de 1993 debaixo de chuva, em uma das mais emocionantes vitórias na F-1. Logo após a bandeirada, a McLaren do piloto foi cercada pelos torcedores, que invadiram a pista para comemorar.

Com esse pensamento, a esforçada Seleção Brasileira de Parreira chegou à final da Copa do Mundo dois meses depois da morte do piloto. O país entrou em campo de mãos dadas com a Seleção, assim como acontecera em todas as partidas desde a goleada sobre a Bolívia (6 a 0) nas eliminatórias. Era 17 de julho, um domingo de sol em Los Angeles diferente dos temporais a que Senna se acostumara, e o Brasil já tinha um novo herói: Romário.

A Itália, adversária na decisão, havia chegado aos trancos e barrancos. Na estreia, uma derrota inesperada para a Irlanda, por 1 a 0. Depois, uma vitória pelo placar mínimo contra a Noruega e um empate por 1 a 1 com o México, que deixaram todas as equipes do Grupo E iguais em pontos. No sorteio para definir as posições dos classificados, a Azzurra ficou com a pior delas: a terceira.

Na segunda fase, a squadra italiana continuou proporcionando fortes emoções a seus tifosi. Contra a Nigéria nas oitavas, Roberto Baggio empatou o jogo a dois minutos do final, e ele mesmo virou o placar na prorrogação, de pênalti. Nas quartas, frente à Espanha, o roteiro praticamente se repetiu: 2 a 1, com dois gols de Baggio, sendo um de Dino e outro de Roberto. Nas semifinais, diante da Bulgária, Roberto Baggio manteve a boa fase e marcou mais duas vezes, em outra vitória de 2 a 1. Se o Brasil tinha Romário, a Itália tinha Roberto Baggio como o seu herói.

O budista Roberto Baggio comemora um de seus dois gols contra a Nigéria nas oitavas. Jogando de branco, os "Super Águias" venceram duas partidas. Atuando de verde, perderam duas de virada, por 2 a 1 (Argentina e Itália).

O duelo dos tricampeões começou com a baixa de Jorginho, logo a 20min. O lateral sentiu o tornozelo e teve de ser substituído pelo jovem Cafu. O primeiro dos quatro tempos sem gols terminou com o Brasil jogando melhor, apesar de pouco ameaçar o arco italiano. Na etapa complementar, nem Baggio, nem Romário: foi de Mauro Silva o lance mais perigoso. O volante brasileiro subiu ao ataque e arriscou de longe. Pagliuca deixou a bola escapar, mas a recuperou depois de ela tocar na trave. O goleiro italiano, então, beijou a luva e fez um carinho na baliza que salvara mais que a sua seleção; salvara sua pele.

Com seus principais jogadores aquém de condições físicas ideais — Baresi jogava pela primeira vez depois de operar o joelho e Baggio estava com a perna enfaixada —, a Itália se segurou na prorrogação. Cafu, que entrara bem, fez bela jogada pela direita e cruzou rasteiro, nas costas da zaga italiana. Romário conseguiu voltar a tempo de chutar, e a bola saiu a centímetros do gol. Depois de 64 anos, uma final de Copa do Mundo seria decidida nos pênaltis.

Romário perde a melhor oportunidade do jogo. Depois do título, ele desabafou: "Agora é fácil ser meu amigo. Queria ver isso há dez anos".

Pagliuca e Taffarel. Na partida da fase de grupos contra a Noruega,o goleiro italiano se tornou o primeiro a ser expulso em sua posição, após tocar a bola com a mão fora da área.

Abraçados, Taffarel e Pagliuca foram para os seus lugares. O capitão Baresi, o melhor zagueiro do mundo, começou a série de cobranças. Isolou. Márcio Santos bateu pelo Brasil e Pagliuca defendeu. Foi o sexto e último pênalti desperdiçado pela Seleção Brasileira na história das Copas — com a bola rolando ou na disputa extra. Depois de 120 minutos de paciência, era hora de o coração ter resistência.

As quatro batidas na sequência, apesar de bem diferentes umas das outras, foram bem sucedidas. Albertini, no alto, e Evani, no meio, fizeram para a Squadra Azzurra. Pelo lado canarinho, a bola de Romário desviou na trave antes de entrar, enquanto Branco usou de sua tradicional categoria — e força — para marcar. Empatados: 2 a 2.

Quando Massaro bateu o quarto pênalti italiano e Taffarel defendeu, um singelo palavrão foi proferido pelo atacante: “Mierda” — em português, “sai que é sua, Taffarel”. Dunga, o capitão injustiçado, jogou Pagliuca de um lado e a bola do outro. O Brasil na frente: 3 a 2. Era a vez do herói italiano na Copa: Roberto Baggio. O chute saiu forte, Taffarel caiu com o braço direito esticado e tentou alcançar a bola. Mas ela passou longe de suas mãos. E também da trave. Enquanto a bola viajava sabe-se lá para onde, os jogadores brasileiros corriam e se abraçavam comemorando o tetracampeonato mundial.

Com seu rabo de cavalo esvoaçante — cavalo, o símbolo da Scuderia Ferrari, onde Ayrton Senna pretendia encerrar a carreira na F-1 — Baggio lamenta: "Não errei a cobrança por causa da contusão".

Em meio à festa, um garoto de 17 anos — o mais jovem do Mundial — comemorava com a bandeira brasileira na mão, tal como Ayrton Senna fazia a cada vitória nas pistas. Ele passara a Copa inteira no banco, observando e aprendendo com a genialidade de Romário. Não demoraria muito, Ronaldo seria o novo herói.

Homenagem dos tetracampeões: "Senna, aceleramos juntos. O tetra é nosso". 

Romário beija a taça ao lado do capitão Dunga e de Ronaldão. O Brasil devolveu a derrota para a Itália, em 82: 3 a 2 — nos pênaltis.