terça-feira, 29 de abril de 2014

1978 | De Volta para o Ponto Futuro

Para ler o texto anterior, "Tango e Circo", clique aqui.


De acordo com o local onde é falado, um idioma pode ter diferentes variações. Sotaques à parte, o português do Brasil é um bom exemplo disso. Enquanto no Sul se fala uma língua, no Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste se falam outras, cada qual com sua complexidade. O mesmo acontece com o espanhol. Ainda que não haja tantas diferenças entre os países, palavras e expressões específicas se diferem de uma região para outra. Uma dessas formas é o lunfardo.

“Nem idioma, nem dialeto e muito menos jargão”. Assim o escritor argentino José Gobello definiu o lunfardo. A gíria teve origem na imigração italiana no Rio da Prata, durante a segunda metade do século 19. Ganhou força entre as classes sociais mais baixas de Buenos Aires, foi parar nas letras de tango — o que lhe rendeu certa fama — e acabou atravessando a fronteira. “Malandro”, “lábia”, “bronca” e “guri” são alguns exemplos de expressões lunfardas incorporadas ao linguajar dos brasileiros. E foi justamente um brasileiro que, em 1978, criou certos termos que viraram moda no vocabulário futebolístico.

A história da Rua Caminito está intimamente ligada à imigração italiana, ao tango e, claro, ao lunfardo. Suas casas coloridas foram construídas com madeira retirada de navios imigrantes.

Cláudio Coutinho assumiu a Seleção Brasileira depois que Osvaldo Brandão foi demitido. O Brasil havia empatado sem gols com a Colômbia, em Bogotá, o que, naquela época, era considerado vexaminoso. Com Coutinho à frente, o time canarinho goleou a mesma Colômbia, por 6 a 0, no Maracanã, e despachou o Paraguai, chegando ao Mundial como um dos favoritos ao título.

Entrentando, a Seleção não empolgou. Coutinho trouxe ideias muito mirabolantes para a equipe, no que ele chamou de “europeização do futebol brasileiro”. Palavras como “overlapping”, “polivalente” e “ponto futuro” (veja no final do texto seus significados) passaram a fazer parte do cotidiano dos jogadores. Criticado pelo esquema, pelos neologismos e por não ter convocado Falcão, do Internacional, o técnico ainda teve que conviver com as contusões e a falta de conjunto.

Cláudio Coutinho era capitão do exército. Talvez aí a razão da foto, ao lado de Toninho Cerezo, mostrando sua função na miniatura do campo de guerra.

A estreia no Grupo 3, contra a Suécia, foi terrível, do gramado de Mar de Plata às chances de gol perdidas. Os escandinavos saíram na frente, aos 37min, com Sjöberg. No final do primeiro tempo, Reinaldo empatou, após uma bola longa alçada na área sueca. Já era uma vitória para o camisa 9 estar na Copa, quanto mais fazer um gol — uma contusão no joelho quase o tirou da disputa.

A partida se arrastou no segundo tempo, até que, no último lance da partida, o árbitro Clive Thomas resolveu ganhar os holofotes. Nelinho cobrou o escanteio e Zico, de cabeça, mandou a bola para o fundo das redes. Porém, o galês anulou o gol, alegando que havia encerrado a partida com a bola ainda no ar. De nada adiantou a reclamação dos jogadores: assim como em 74, a Seleção estreava sem vitória.

O galês Clive Thomas anula o gol que mudaria a classificação do grupo. A Seleção Brasileira protestou na Comissão de Arbitragem e a FIFA afastou o árbitro, que nunca mais apitou uma partida de Copa do Mundo.

Quatro dias depois, o Brasil voltou a campo contra a Espanha — mas as vitórias não retornaram ao placar. O empate por 0 a 0 só não foi pior porque o zagueiro Amaral salvou uma bola sobre a linha, com Leão já batido. Derrotar a Áustria, na rodada final, havia virado obrigação. Foi aí que o presidente da CBD entrou em ação.

Descontente com a falta de gols e de vitórias da Seleção, o almirante Heleno Nunes pediu a escalação de Jorge Mendonça e Roberto Dinamite no time titular. A partida contra os austríacos — já classificados — estava difícil, até que, aos 40min, Gil cruzou da direita, Roberto Dinamite dominou com precisão e, sem piedade, fuzilou o goleiro Koncilia. Ainda que em segundo lugar, o gol classificou o Brasil no Grupo 3.

Roberto comemora o seu gol. “Nas duas primeiras partidas não fiquei nem no banco. Durante 15 dias fui ignorado pela imprensa. Depois do gol, passei a receber bom dia de todos. E alguns jornalistas diziam que não tinham me visto. Eu, grande desse jeito?”

A vice-liderança do grupo colocou o Brasil na mesma chave que a Argentina na segunda fase — como há quatro anos, dois grupos de quatro seleções, e o campeão de cada um deles jogaria a decisão. A estreia na fase final do torneio foi contra o surpreendente Peru, em Mendoza. No entanto, os papéis se inverteram. A Seleção Brasileira fez sua melhor apresentação, enquanto os peruanos não mostraram nem um pouco do bom futebol da primeira fase.

Dirceu foi às redes duas vezes. A primeira, aos 15min, em uma belíssima cobrança de falta; a segunda, aos 28min, em um chute forte de fora da área. Zico, que havia entrado na segunda etapa, fez o terceiro, de pênalti. A vitória por 3 a 0 deu credibilidade ao time, que, na partida seguinte, enfrentou os donos da casa.

Jogando em Rosario, o Brasil foi melhor que a Argentina, e teria saído vencedor, não tivesse desperdiçado inúmeras oportunidades. O confronto, truncado, foi marcado pela violência, e ficou conhecido como a “Batalha de Rosario”. O empate acabou não sendo tão ruim para a Seleção. Com um saldo de gols melhor que dos hermanos (3 a 2), o Brasil era o líder do grupo a uma rodada da final.

Leão repõe a bola em jogo contra a Argentina. O goleiro se disse tranquilo antes do clássico sul-americano. “Quem já disputou a terceira divisão paulista está preparado para tudo”, completou.

As coisas começaram a ficar estranhas quando, a pedido das emissoras de TV argentinas, a FIFA alterou os horários das partidas decisivas do Grupo B. O Brasil entrou em campo mais cedo do que o previsto, e venceu a Polônia com propriedade: 3 a 1. Nelinho, em uma belíssima cobrança de falta, fez o primeiro, aos 12min. Lato, depois de uma confusão na área, empatou, aos 45min. Na segunda etapa, Roberto Dinamite, o “atacante do presidente”, marcou dois gols — aos 12min e as 18min — e deixou o Brasil com um pé na final.

A Argentina, que enfrentaria o Peru, à noite, teria que vencer por quatro gols de diferença, fato raro no histórico recente daquela seleção. Ainda no gramado de Mendoza, o técnico Cláudio Coutinho deu um tapa nas costas do jovem goleiro Leão e disse, rindo: “Boa, garoto! 3 a 1 foi o suficiente. A Argentina não vai fazer quatro no Peru.”




Dicionário de Cláudio Coutinho:

Overlapping: jogada em que o lateral passa e corre para receber.
Ponto futuro: local onde o jogador que recebe o passe encontra a bola.
Polivalente: dom do jogador de atuar bem em qualquer função.

Expressões lunfardas no Brasil:

bacanazo: bacana (refinado)
bancar: bancar (pagar)
bronca: bronca (raiva)
burro: burro (ignorante)
cabrero: cabreiro (furioso)
cana: cana (prisão)
caradura: caradura
catinga: catinga (mau cheiro corporal)
chumbo: chumbo (bala de revólver)
chupado: chupado (bêbado)
coco: coco (cabeça)
dar bola: dar bola (prestar atenção)
gozar: gozar (zombar)
gurí: guri (criança)
labia: lábia

machete: macete (ajuda-memória)
malandro: malandro
mamado: mamado (bêbado)
mancar: se mancar (compreender)
mango: real (dinheiro)
manyado: manjado (conhecido)
matina: matina (manhã cedo)
mina: mina (moça)
mortadela: presunto (cadáver)
patota: patota (bando)
pechar: peitar
pirao: pirado
tira: tira (investigador de polícia)
vivo: vivo (astuto)