domingo, 9 de março de 2014

1934 | O Dono da Copa


A Copa do Mundo de 34 teve a menor média de público entre todas as 19 edições, mas em nenhuma outra houve um espectador tão assíduo quanto Benito Mussolini. Interessado em tirar o máximo de proveito político da competição, o ditador fascista realizou a milagrosa missão de acompanhar pessoalmente todas as partidas do Mundial. Há quem duvide de tal feito, mas em se tratando da Copa de 34, não se pode duvidar de nada.

Naquela época, a Europa assistia à ascensão dos regimes totalitários na Alemanha de Hitler e na Itália de Mussolini. Com um discurso inflamado na falsa premissa de superioridade, as competições esportivas eram usadas para alimentar o sentimento nacionalista. No caso da Copa, “Il Duce” (o condutor supremo da Itália) utilizou os estádios como arenas políticas.

A seleção da casa cumprimenta o ditador presente ao estádio.

















Apesar de ser uma das melhores seleções da Europa, a Itália precisava se firmar como superior. Para fortalecer a Azzurra, Mussolini saiu pelo mundo garimpando craques. O brasileiro Filó foi um deles, atuando com o seu sobrenome Guarisi. Além dele, os argentinos Monti — vice-campeão em 30, pela Argentina —, Guaita e Orsi se juntaram ao time.

Com o sucesso da primeira edição e o interesse de vários países, foi necessária a disputa de eliminatórias para a Copa do Mundo. E pela única vez na história, o anfitrião teve que passar por um jogo classificatório para garantir vaga no torneio que organizaria — a Itália despachou a Grécia, por 4 a 0.

O Uruguai, atual campeão, recusou-se a participar, em resposta ao boicote europeu quatro anos antes, tornando-se, assim, o único país a não defender o título na edição seguinte. Se o Mundial de 30 foi uma autêntica Copa América, a de 34 foi uma verdadeira Copa Europeia: dos 16 times, 12 eram europeus. E a África, pela primeira vez, teve um representante: o Egito.

O estádio do Partido Nacional Fascista, em Roma.
















Com a bola rolando, a hegemonia europeia mostrou-se evidente. A Itália massacrou os Estados Unidos (7 a 1), o Brasil caiu frente à Espanha (vide ‘O Canto da Sereia’), o Egito foi eliminado pela Hungria (4 a 2) e a Argentina perdeu para a Suécia (3 a 2). Dessa forma, as oito seleções classificadas para a fase seguinte pertenciam ao Velho Continente.

Nas quartas, em um confronto cercado de erros, a Azzurra precisou de dois jogos para eliminar a Espanha — em caso de empate na prorrogação, um novo duelo. No primeiro deles, o gol irregular de Ferrari, aos 45min, empatou a partida em 1 a 1 e tirou o goleiro Zamora do jogo-desempate, contundido.

No dia seguinte, a arbitragem foi conivente com a violência dos anfitriões — o espanhol Bosch levou uma pancada e passou o resto da partida mancando. A Itália fez 1 a 0 no 1° tempo, com Giuseppe Meazza, e depois viu, no 2° tempo, o árbitro anular dois gols aparentemente legítimos da Espanha. A partir de então, a seleção espanhola ficou conhecida como “A Fúria”.

Apenas 48 horas depois, a Azzurra voltou a campo, pelas semifinais, para encarar a Áustria, o “Wunderteam” (“Time Maravilha”). Os austríacos só não contavam com a chuva torrencial, que encharcou o gramado, igualou as condições de jogo e possibilitou à Itália vencer a partida (1 a 0, gol de Guaita).

A Squadra Azzurra na partida contra o "Wunderteam"

















No dia 10 de junho de 1934, em Roma, sob os olhares atentos de Mussolini, a Itália enfrentou a Tchecoslováquia pressionada para conquistar o título. O líder fascista contava com o apoio de 50 mil torcedores e a admiração política confessa do sueco Ivan Ekling, árbitro da final.

Nem o gol tcheco de Puč, aos 31min do 2° tempo, foi capaz de tirar o sorriso no rosto do ditador. A Azzurra empatou 5min depois, com Orsi, e virou o placar para 2 a 1 na prorrogação, com um gol de Schiavio. A Itália conquistava em Roma, no estádio do Partido Nacional Fascista, a Copa do Mundo, e o sorriso não cabia mais no rosto de Mussolini.

Benito Mussolini foi professor, jornalista e escrevia para jornais de esquerda, antes de se tornar "Il Duce".