Para ler o texto anterior, "Guerra de Nervos", clique aqui.
Em 1982, poucos meses
antes da Copa do Mundo, o cantor Leovegildo Lins Gama Júnior — ou apenas Júnior
— lançou um disco que vendeu mais de 800 mil cópias. A música "Povo
Feliz", mais conhecida como "Voa, Canarinho", virou o hit da
Seleção Brasileira. Mas um detalhe chamou a atenção: o cantor era o
lateral-esquerdo daquela equipe.
Muito antes de seus
jogadores se aventurarem na música, a seleção canarinho já estava mudada. A começar
pela entidade que regia o futebol brasileiro. Em 1979, um decreto da FIFA
estipulou que todas as federações nacionais de futebol deveriam tratar apenas
do esporte jogado com os pés, o que não era o caso da Confederação Brasileira de Desportos
(CBD). Em 24 de setembro daquele ano, nascia a Confederação Brasileira de Futebol
(CBF).
Na onda das mudanças,
veio Telê. O primeiro grande desafio foi o Mundialito de 1981 — torneio
comemorativo do cinquentenário da Copa do Mundo —, que reuniu os campeões mundiais
até então, com exceção à Inglaterra, substituída pela Holanda. O Brasil foi derrotado
na final pelo Uruguai — malditos 2 a 1 —, mas nada que abalasse o trabalho do
treinador.
Nas eliminatórias, quatro
vitórias contra Bolívia e Venezuela. Classificada para a Copa, a Seleção
Brasileira excursionou pela Europa e voltou como uma das favoritas ao título.
Venceu a Inglaterra pela primeira vez em Wembley (1 a 0, com gol de Zico), passou
pela França no Parc des Princes (3 a 1) e bateu a Alemanha Ocidental em
Sttutgart (2 a 1, de virada). Nessa partida, Waldir Peres defendeu dois pênaltis
cobrados por Paul Breitner, que, até aquele momento, nunca havia desperdiçado
uma cobrança.
Porém, em 14 de junho do ano
seguinte, na estreia da Copa, a sorte virou contra o goleiro brasileiro.
A Seleção jogava melhor em Sevilha até os 34min, quando o soviético Andrei Bal
arriscou do meio da rua e Waldir Peres não segurou. O Brasil sentiu o golpe. O
time que só havia perdido duas vezes em quase dois anos de preparação — uma das
derrotas justamente para a União Soviética, no Maracanã — terminou o primeiro
tempo perdendo.
O empate só saiu aos
30min do segundo tempo, num lance brilhante de Sócrates: ele cortou dois
marcadores e chutou forte no ângulo de Dasaev. A virada veio em tom dramático,
a dois minutos do fim. O passe de Paulo Isidoro era para Falcão, mas o meia deixou
a bola passar entre as pernas depois do grito de "deixa!" de Éder. O
ponta dominou no quique da bola e, sem deixá-la cair, soltou a bomba no pé
esquerdo — o chute de Éder chegou a ser comparado ao míssil Exocet, usado
na Guerra das Malvinas. Dasaev nem se mexeu. O Brasil estreava com sufoco e com
vitória.
Na segunda partida
pelo Grupo 6, outro susto para o Brasil. A Escócia abriu o placar aos 18min da etapa inicial,
num belo chute de Narey. O atacante estava substituindo o titular Alan Brazil,
que, curiosamente, só não participou do confronto contra a Seleção Brasileira.
Mas, diferentemente da estreia, a equipe reagiu rápido. Zico, aos 33min, cobrou
falta com perfeição e igualou o placar. No segundo tempo, o Brasil deslanchou.
Oscar, de cabeça, fez o segundo aos 5min. Éder, num toque genial por cobertura
— quando o mundo esperava outro Exocet —, marcou o terceiro aos 18min. Falcão,
de fora da área, fez o quarto aos 43min. Fim de jogo: Brasil 4 a 1.
O adversário na
terceira rodada era estreante em Copas. Havia se classificado para o Mundial
com uma goleada de 13 a 0 contra o maior rival: as Ilhas Fiji. Já classificada
para a fase seguinte, a Seleção Brasileira não tomou conhecimento da Nova
Zelândia. Zico foi às redes duas vezes: aos 28min num belíssimo voleio e aos
31min num toque de classe, tirando do goleiro van Hattum. No segundo tempo, Falcão
e Serginho — que, enfim, desencantava — fecharam a goleada por 4 a 0, aos 19 e
35min, respectivamente.
Com o inchaço do
Mundial, a FIFA mudou mais uma vez o regulamento da segunda fase. Em 82, as
doze seleções classificadas na primeira fase foram dividas em quatro grupos, com
três países em cada um deles. Somente o campeão do grupo avançava às semifinais. Enquanto algumas chaves eram verdadeiras pedreiras, com equipes tradicionais, outras eram compostas só por seleções sem peso na camisa.
No Grupo A, a Polônia precisou dos critérios de
desempate para superar a União Soviética — a vitória por 3 a 0 diante da Bélgica
fez a diferença. A Espanha sucumbiu no Grupo B, formado por Inglaterra e
Alemanha Ocidental. Os alemães ficaram com a vaga ao vencerem
os donos da casa por 2 a 1. Por sua vez, a França pegou duas molezas no Grupo
D: venceu a Áustria por 1 a 0 e despachou a Irlanda do Norte por 4 a 1. Já o Grupo C era o "grupo da morte", com três campeões do mundo: Argentina,
Brasil e Itália.
Maradona estava em
casa — na verdade, na casa do vizinho. O Estádio Sarrià pertencia ao Reial Club
Deportiu Espanyol de Barcelona, rival do poderoso Futbol Club Barcelona, que
havia contratado 'Dieguito' a peso de ouro para por fim à carência de títulos
do clube. Sede dos jogos do Grupo C na segunda fase, o Sarrià já vira a vitória
italiana contra os hermanos por 2 a 1 na rodada inaugural. Para a Argentina, o
segundo jogo era de vida ou morte. Para o Brasil, era a revanche de 78.
Indiscutivelmente, foi
a melhor partida da Seleção Brasileira na Copa. Enquanto a Argentina apelava
para a violência, o Brasil devolvia cada pontapé com um toque de classe. O
resultado não poderia ser outro: muitas faltas. Numa delas, aos 11min, os argentinos
provaram do próprio veneno. Éder disparou seu 'Exocet' na perna esquerda, a
bola explodiu na trave depois do leve desvio de Fillol e caiu sobre a linha.
Serginho e Zico chegaram juntos, mas foi o Galinho quem mandou a redonda para o
fundo do gol.
O Brasil continuou
melhor na segunda etapa. Aos 21min, Falcão recebeu livre na grande área, olhou
para o segundo pau e cruzou na cabeça de Serginho: 2 a 0. A seleção
verde-amarelo não parou por aí: aos 30min, numa belíssima enfiada de Zico,
Júnior chutou na saída de Fillol e fez o terceiro. E como todo bom sambista que
se preze, foi dançar na bandeirinha de escanteio.
Jogadores comemoram com Júnior o terceiro gol sobre a Argentina. A trilha sonora brasileira fez sucesso na Espanha. No lado A, o futebol-arte. No lado B, a tragédia. |
Com o Brasil passeando
em campo, a Argentina não encontrou alternativa senão bater. A deslealdade de
Passarella tirou Zico de campo, enquanto Maradona foi expulso ao atingir
Batista na altura da barriga. O adeus melancólico de Maradona, futuro
astro da cidade, e seus comparsas contrastava com a euforia de uma equipe
esbelta na ginga, no passe e nos gols. A equipe alviceleste chegou a diminuir aos 44min, com Ramón Díaz, mas ninguém comemorou. A seleção que virou sinônimo de futebol-arte
estava voando baixo e mirando longe.
Até que Paolo Rossi interceptou o voo.
Voa, canarinho, voa
Mostra pra esse povo
que és um rei
Voa, canarinho, voa
Mostra na Espanha o que eu já sei
2 de julho de 1982 – Barcelona – Brasil 3 x 1 Argentina — Melhores Momentos
Narração de Luciano do Valle (homenagem póstuma)
Nenhum comentário:
Postar um comentário