Mítico1 e Místico2
Cena 1 (1987)
Aos sete anos de
idade, acompanhando minha mãe em seu escritório imobiliário, surge a figura de
um homem grande, cabelos enrolados, voz suave e sotaque engraçado. Era Darío
Pereyra, clássico zagueiro uruguaio dos anos 80, que pretendia comprar uma
fazenda no Brasil após uma década jogando no futebol brasileiro.
Cena 2 (1989)
Férias de inverno.
Interrompo as longuíssimas e divertidíssimas pelejas disputadas com meus primos
por um bom motivo: final da Copa América. Romário marca o gol que nos livra de
quatro décadas de jejum do torneio continental, mas não consegue exorcizar
plenamente a maior assombração da história das Copas.
Cena 3 (1993)
Mais uma vez o
genial baixinho, no palco da tragédia de 1950, salva o Brasil nas sofridas
eliminatórias para a Copa do Mundos dos EUA, com uma atuação notável.
Construía-se ali o fio condutor para o tetra, mas permanecia a chaga do
improvável gol de Ghiggia nos minutos finais do 'Maracanazo'.
Cena 4 (2005)
Durante as
comemorações do título mundial do São Paulo FC no gramado do Morumbi, deparo-me
com Lugano segurando a taça com orgulho. O ídolo tricolor me dá, por
instantes, a oportunidade de tocá-la e reverenciá-la.
Cena 5 (2014)
Na fronteira entre
Brasil e Uruguai fui escalado para colher as impressões do povo uruguaio acerca
do Mundial no Brasil. Saio com a sensação de conhecer melhor um
povo que carrega uma relação única e profunda com sua seleção.
Registro de uma das seis andanças pelo país vizinho que ama o futebol tanto quanto os brasileiros e carrega uma relação mística com sua seleção, a sempre temível Celeste Olímpica. |
Por meio disso
tudo, construí uma imagem mítica e uma relação mística com o Uruguai. O mito
nasce do paradigma de ver este povo pacato, educado, cordial, politizado e
progressista sendo visceralmente enlouquecido pelo futebol, a partir de uma
característica marcante e incomparável: sua capacidade de superação.
Afinal, como
explicar um país com uma população inferior a da Zona Leste de São Paulo e que
não teve nenhum mito do futebol, como Pelé, Maradona ou Romário, ser
considerado o maior vencedor da história das seleções nacionais? São quatro
campeonatos mundiais — contando o bi olímpico de 24 e 28, reconhecido pela FIFA
—, 15 Copas Américas e um Mundialito, num total de 20 conquistas
internacionais. Além disso, a Celeste foi capaz de obter o mais improvável e
épico triunfo da história deste esporte, justamente contra o proclamado “país
do futebol”, 64 anos atrás.
ESSES SÃO OS CARAS: No auge de suas carreiras, ambos com 27 anos, Cavani e Suárez formam uma das duplas mais mortais do futebol mundial. A torcida é para que,em breve, a dupla esteja junta novamente. |
A partir desse
incrível poder de realização do improvável que reside a esperança do torcedor
uruguaio de repetir seu maior feito esportivo, mesmo considerando o Grupo C
como o mais mortífero da história dos Mundiais, com três campeões. Ainda mais
diante da queda de rendimento do velho craque Diego Forlán após a Copa de 2010,
quando foi eleito o melhor jogador do torneio. Soma-se a isso a recente
contusão no joelho de Luisito Suárez, estrela e artilheiro da Premier League
nesta temporada. O astro corre contra o tempo para recuperar-se de uma delicada
cirurgia. Com tantas adversidades, todavia, sua força costuma crescer.
Caso supere a
difícil primeira fase, os torcedores locais consideram que o time pode embalar
e ganhar moral e, a partir de então, ser capaz de alcançar os degraus mais
improváveis, inclusive o da escadaria da FIFA na tribuna do mítico Maracanã, no
dia 13 (místico) de julho (mês mítico das Copas).
Assim, mesmo não
chegando ao Mundial no rol dos favoritos, é preciso ter respeito — ou quase
reverência — a uma nação da bola que parece se utilizar de forças celestiais
nas adversidades e que realiza, de tempos em tempos, o milagre das conquistas
épicas, escoradas em improváveis heróis. Caberia a Edinson Cavani e suas
esvoaçantes cabeleiras à La Darío Pereyra, esta alcunha? Por via das dúvidas,
melhor não escalar o goleiro Jéfferson numa hipotética final contra eles,
Felipão.
FIQUE DE OLHO: Com a decadência física e técnica de Forlán, Christian Stuani deve ter oportunidade de mostrar o bom futebol apresentado no Espanyol, de Barcelona. |
NO ESQUEMA: 4-2-3-1
Na concepção de Oscar Tabárez, o 4-2-3-1, na verdade, se transforma num 2-4-3-1 no momento em que os laterais Maxi e Álvaro Pereira se lançam ao ataque. Cavani, às vezes mais recuado, às vezes não, faz companhia para Suárez no ataque dos sonhos de qualquer treinador.
4-2-3-1 (clique para ampliar) |
Histórico em Copas (clique para ampliar) |
Rafael Bauer,
professor de turismo e turista profissional
[1] Mito é uma narrativa de caráter
simbólico, bastante relacionada
a aspectos inerentes de determinada cultura e/ou
religião, baseando-se em tradições e lendas que buscam explicar a realidade.
[2] O misticismo está relacionado a
crenças que admitem a comunicação do homem com elementos sobrenaturais,
geralmente associados a conhecimentos esotéricos e teosóficos. Assim, algo
mítico pode se referir a um fenômeno místico, ao se buscar explicar algo
observado. Da mesma forma, o místico pode dizer respeito a um mito, quando uma
experiência fora do comum relaciona-se a determinado mito.