quarta-feira, 16 de julho de 2014

Final | Aos Olhos da Taça













Ah, o Rio de Janeiro. Eu sempre quis conhecer essa cidade que dizem ser maravilhosa. Se bem que passei a maior parte do tempo dentro de uma mala e não vi quase nada. Mas também não posso reclamar. A mala era uma Louis Vuitton e, você sabe, tudo deles é de ótima qualidade. Era espaçosa, acolchoada e perfumada. E que perfume! Esses franceses sabem das coisas. Quando abriram a caixa dentro do gramado do Maracanã eu pensei em reclamar, mas aí vi a Gisele Bündchen bem na minha frente. Só mesmo ela para brilhar mais do que eu numa final de Copa do Mundo. Ah, Gisele.

Enquanto eu a admirava, o Puyol, aquele estraga prazeres, me pegou à força — se já não bastasse lá na África do Sul — e desfilou comigo por alguns segundos, o suficiente para a plebe ir à loucura. Eu juro que não entendo todo esse fascínio que as pessoas têm por mim. Deve ser por causa do ouro, e isso me assusta um pouco, até porque não quero acabar como a Jules Rimet. Enfim, depois de um rápido passeio, o Puyol me devolveu ao pedestal. Agora, eu pergunto: esse protocolo todo não poderia ter sido feito pela Gisele? O pior é que eu acabei nem me despedindo dela. Quando me virei ela já tinha deixado o gramado. A FIFA só pode estar de brincadeira comigo.




















Fiquei quietinha lá no meu trono esperando o cerimonial de sempre. Bandeiras, árbitros e jogadores passando por mim como se eu não estivesse lá entre eles. A maioria não tem coragem de me encarar, mas tem uns e outros que se atrevem a mexer comigo. O Thomas Müller, por exemplo, disse qualquer coisa em alemão que eu não entendi, mas eu nem dei bola. Não é com sorrisinhos que alguém vai me conquistar. Tá pensando o que? Sou uma taça difícil.

Depois dos hinos, me levaram para a tribuna, junto aos chefes de Estado e todo aquele pessoal que se acha importante. Cá entre nós, importante em final de Copa do Mundo só a belezura aqui, né? O resto é resto. O bom de ser VIP é que te dão o melhor lugar para assistir ao jogo. Fico imagino o quanto um torcedor teria pagado na Internet pelo meu lugar no estádio. Isso se eu precisasse mesmo de dinheiro. Afinal, eu sou de ouro.



















Lá estavam alemães e argentinos juntos pela terceira vez diante de mim. Ainda que fossem duas grandes equipes, difícil não sentir saudades do Beckenbauer, do Maradona, do Passarella, do Matthäus. Principalmente depois que o Higuaín recebeu um presente do Kroos e, na cara do gol, chutou para fora. Eu já tinha visto esse filme antes e não faz muito tempo. O Robben teve uma chance parecida cara a cara com o Casillas em 2010 e perdeu. Se bem que os holandeses são um caso à parte; eu sou muita areia para o caminhãozinho deles.

Depois do cruzamento do Lavezzi, o tal do Higuaín acabou marcando um gol. Ele saiu comemorando, batendo no peito, e só então viu que estava impedido. Vou confessar que senti certa pena do rapaz. Até porque a Argentina estava jogando bem e merecia melhor sorte. O Messi deu trabalho para o Hummels, que sofreu nos pés do craque argentino. Mas futebol é assim mesmo. Quem não faz, ou faz e não vale, toma. Ah, já estava me esquecendo: o primeiro tempo ainda teve a cabeceada do Höwedes na trave, que me lembrou dos gols de cabeça do Zidane, em 98. Bom, melhor mudar de assunto.



















A segunda etapa foi meio morna, mesmo com a temperatura dando uma esfriada — eu sinto frio o tempo todo, faça chuva ou faça sol. O Messi teve mais uma oportunidade de ouro — boa essa, hein —, mas bateu cruzado rente à trave, num lance em que ele não costuma perder. Se ele queria chegar perto de ser um Maradona, teria sido bom ter feito esse gol. Porque Dieguito não perderia esse, não mesmo. Enfim, os 90 minutos acabaram sem gols, assim como em 94. Mas ninguém reclamou. A "Copa das Copas" merecia mesmo mais alguns minutos de futebol, nem que fossem só trinta.

Na prorrogação, foi a vez daquele atacante com rabinho de padawan, o Palacio, perder um gol. Ele aproveitou a falha quase rara do Hummels, matou no peito e tentou encobrir o Neuer. Mas a força não estava com ele: errou o alvo. Depois, o Götze mostrou para o Palacio como é que se mata no peito e põe a bola para dentro. Se eu tivesse mãos teria aplaudido; de pé, se possuísse pernas. Foi um golaço — do título. Esse menino tem estrela.




















Na tribuna, o Blatter me entregou para a presidente do Brasil, e deu a impressão de que eu era uma batata quente na mão dela. Menos mal, não senti boas vibrações vindo dela. O capitão alemão,  Lahm, me levantou sob efusivos aplausos, mas essa hora é a que eu menos gosto. Acredite, ficar passando de mão em mão e balançando de um lado para o outro não é a melhor das experiências. Enfim, ossos do ofício.

No fim das contas, eu bem que gostei da Alemanha ter vencido. Além de terem sido o melhor time durante a competição, os caras realmente souberam aproveitar a Copa do Mundo. Da dança com os índios pataxós ao "Lepo-Lepo", passando pelos passeios de jet ski e o hino do Bahia, eles foram os melhores também na simpatia.

Olha, já vi muitas finais de Copas, muitos campeões — a própria Alemanha, em 74 e 90 —, mas como os alemães desse ano não teve igual. Confesso que eles me conquistaram.