sexta-feira, 28 de março de 2014

1962 | Aos Olhos dos Andes

Para ler o texto anterior da Copa de 62, "Fios de Esperança", clique aqui.


Nascida no período Terciário há inumeráveis milhões de anos, a Cordilheira dos Andes é fruto do encontro nada amoroso entre duas placas tectônicas. Constitui a maior cadeia de montanhas do planeta, com sete mil quilômetros de extensão, indo da Venezuela até a Patagônia e atravessando seis países da América do Sul. Do alto de seus quatro mil metros de altura, em média, tem visão privilegiada de tudo o que se passa no continente. Em 1962, os Andes assistiram de camarote à Copa do Mundo, que aconteceu bem debaixo de seus pés. 

Faixa exprime o sentimento da torcida brasileira presente no Chile.

Tendo ao fundo um deslumbrante cenário de montanhas cobertas de neve, a capital chilena, Santiago, recebeu as partidas do Grupo 2, o da seleção da casa. Os jogos foram disputados no estádio Nacional, que teve sua capacidade aumentada de 45 mil para 70 mil lugares.

Depois de estrear com vitória sobre a Suíça, por 3 a 1, o Chile enfrentou a bicampeã Itália pela segunda rodada. E o que era para ser um grande confronto se tornou um dos jogos mais violentos da história das Copas.

Conhecida mais por sua catimba do que por sua técnica, a seleção chilena aproveitou a fraqueza da arbitragem para enervar os italianos. O clima começou a esquentar logo aos 12min, quando Ferrini, da Itália, foi expulso por jogo violento. Depois, a cotovelada do chileno Leonel Sánchez — filho de pugilista — no nariz do italiano Maschio deu início a uma sucessão de agressões, que culminou na expulsão de outro italiano, Mario David. As duas equipes acabaram saindo escoltadas do gramado. No jogo que ficou conhecido como “A Batalha de Santiago”, o Chile venceu por 2 a 0.

Jogadores no chão depois da troca de socos e pontapés: o Chile ganhou a luta por pontos.

A seleção chilena acabou se classificando, ao lado da Alemanha Ocidental, e a Azzurra, com sua legião de estrangeiros — entre eles Mazzola, campeão com o Brasil, em 58 —, ficou de fora. O bicampeão Uruguai e a Argentina, mesmo perto de sua torcida, também deram vexame e, assim como a Itália, foram eliminados ainda na fase de grupos.

União Soviética e Colômbia fizeram a partida mais emocionante da primeira fase. Mas o que chamou a atenção no inusitado empate de 4 a 4 não foi o placar, e sim o gol do colombiano Marcos Coll: o primeiro e único gol olímpico da história das Copas.

No primeiro duelo, um empate de 0 a 0: começava o calvário alemão de nunca vencer os italianos em Copas.

Sob o olhar frio dos Andes, o Brasil estreou contra o México, mais uma vez, em Viña del Mar, sede dos jogos do Grupo 3. Adotando a filosofia “em time que está ganhando não se mexe”, o novo técnico, Aymoré Moreira, escalou nove jogadores campeões mundiais. Entre eles Pelé, com 21 anos, o grande astro do Santos que disputaria a Libertadores depois da Copa. Mas mesmo com todo o favoritismo, a Seleção Brasileira não fez uma atuação digna de aplausos.

No primeiro tempo, o mexicano Carbajal foi o grande responsável pela anulação do ataque brasileiro. Quando a bola de Pelé finalmente passou pelo goleiro, parou na trave. Os gols só saíram na segunda etapa. Aos 11min, Zagallo aproveitou o cruzamento de Garrincha e, de peixinho, abriu o marcador. Aos 28min, foi a vez de Zagallo servir Pelé, que driblou o zagueiro Sepúlveda e fechou o placar: Brasil 2 a 0.

Vavá, Pelé e Zagallo, no chão, comemoram o primeiro gol brasileiro em terras chilenas.

Aymoré não se abateu com as críticas e manteve o mesmo time para a segunda partida, contra a Tchecoslováquia. Ao contrário da estreia, o time começou atrevido, abusando da habilidade individual para tentar furar o bloqueio defensivo dos tchecos.

Pelé era o melhor em campo e já tinha mandado uma bola na trave quando, aos 27min, recebeu de Zito, dominou no peito e arriscou o chute. Deu um grito e foi ao chão, sentindo a dor da distensão na virilha. Saiu de campo, mas acabou voltando sete minutos depois, apenas para fazer número — as substituições eram proibidas. A partida terminou 0 a 0.

A única contusão séria sofrida por Pelé em toda a sua carreira tirou o camisa 10 do restante do Mundial. Além de perder seu principal jogador, a Seleção Brasileira ainda teria que lutar contra o desânimo.

No entardecer daquele dia, quem olhasse em direção aos Andes diria que viu uma lágrima escorrer por entre as montanhas.

Acompanhado por Garrincha, Pelé sai de cena pela última vez na Copa de 62.


[  continua  ]