domingo, 1 de junho de 2014

1994 | Dia da Dependência

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Pergunte a um norte-americano qual o trecho mais inspirador da Declaração de Independência dos Estados Unidos, e ele responderá: "Consideramos estas verdades evidentes por si mesmas, que todos os homens foram criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade". Pergunte ao mesmo norte-americano qual o jogador mais inspirado na Copa do Mundo dos Estados Unidos, e ele responderá: "Romário". Se Thomas Jefferson tivesse conhecido o Baixinho, ele jamais teria escrito que todos os homens foram criados iguais.

Boêmio, marrento e aversivo a treinamentos, Romário era uma unanimidade por onde passava. Ídolo no Brasil e na Holanda, em 1993, após seis anos de PSV Eindhoven, o jogador foi negociado por US$ 4,5 milhões com o Barcelona. Seu início no clube catalão foi arrasador: na pré-temporada, marcou quatorze gols em oito partidas. Enquanto o Baixinho arrancava suspiros do sisudo Johan Cruyff, técnico da equipe, a Seleção Brasileira perdia uma invencibilidade de 40 anos e 31 partidas nas eliminatórias da Copa — para a Bolívia, por 2 a 0, em La Paz, com direito a um peru de Taffarel.

"Eu respeito o senhor, vou ficar no banco sem problema nenhum. Agora que eu estou aborrecido, eu estou. Eu me considero melhor. Sou o artilheito do PSV, sou o cara que fez mais gols este ano na Europa", disse Romário a Parreira, em 1992.

Derrotado pela primeira vez na história do qualificatório, o Brasil chegou à última rodada precisando pelo menos de um empate contra o Uruguai, no Rio de Janeiro — como em 1950. Diante da situação temerosa, o técnico Carlos Alberto Parreira se viu obrigado a convocar o artilheiro, visto que o apelo popular era absoluto — Romário fora afastado em dezembro de 92 por ter se rebelado contra a condição de reserva no amistoso contra a Alemanha, em Porto Alegre.

Se havia alguém contrário à convocação do Baixinho, eram os fantasmas uruguaios que ainda assombravam o Maracanã. Mas, naquela tarde, Romário realizou uma das partidas mais espetaculares pela Seleção. Incisivo durante os 90 minutos, o craque fez um gol de cabeça e outro driblando o goleiro Siboldi. O Brasil venceu por 2 a 0 com dois gols dele, exorcizou o fantasma do 'Maracanazo' e garantiu vaga no Mundial.

"O jogo contra o Uruguai vai ser uma guerra. Vim para ganhar. Vou classificar o Brasil para a Copa do Mundo", declarou Romário, antes de marcar dois gols e mandar a Celeste de volta para casa.

A estreia do Brasil na Copa aconteceu em 20 de junho contra a Rússia, no estádio Stanford, em Palo Alto, nos arredores de São Francisco. A seleção canarinho demorou quatro minutos para ultrapassar o meio-campo, e quando enfim superou os limites do gramado, esbarrou em seus próprios limites. Romário entrou na área driblando os russos e cruzou para trás, longe do alcance do goleiro Kharin, mas ninguém o acompanhou para receber o passe. Era a tônica do Mundial: Romário + 10.

Aos 26min, Bebeto cobrou escanteio e o Baixinho se antecipou à zaga para, com a ponta do pé direito, marcar o primeiro gol brasileiro na terra do Tio Sam. No segundo tempo, Nikiforov derrubou Romário dentro da área e Raí, cobrando o pênalti, definiu o placar: 2 a 0. Apesar da vitória, a Seleção foi criticada pelo esquema tático que trabalhava para apenas um jogador brilhar. Os passes de lado de Dunga, as progressões tímidas de Mazinho, os giros no grande círculo de Zinho — que lhe renderam o apelido de "Enceradeira" —, os avanços dos laterais e a movimentação de Bebeto tinham um único objetivo de descobrir um espaço livre para Romário.

O Brasil perdeu dois zagueiros por contusão, mas não perdeu a qualidade na posição. Márcio Santos assumiu a titularidade com o corte de Ricardo Gomes. Aldair entrou no lugar de Ricardo Rocha, no segundo tempo contra a Rússia, e não saiu mais.

Foi dessa forma que o Brasil goleou Camarões, em 24 de junho, no mesmo estádio da estreia. Aos 39min, o passe de Dunga de três dedos — não de lado — encontrou o Baixinho entre os defensores camaroneses. Ele botou na frente e na rede na saída do goleiro Bell. Na etapa complementar, aos 21min, Jorginho fez o cruzamento na cabeça de Márcio Santos. Sete minutos depois, Bebeto pegou o rebote do goleiro, após dividida com Romário, e marcou o terceiro. A essa altura do campeonato, o Brasil já estava classificado para as oitavas de final.

Faltava definir a posição. No confronto direto pelo primeiro lugar, Brasil e Suécia se enfrentaram no moderno Pontiac Silverdome, em Detroit — o primeiro estádio coberto em uma Copa do Mundo. Apesar de passar a maior parte do tempo com a posse da bola — 70% ao final da partida — a Seleção foi surpreendida pelos suecos. Aos 26min, Brolin lançou Kennet Andersson, que com o peito do pé encobriu Taffarel. Coube a Romário, mais uma vez, salvar a pátria. No primeiro minuto da etapa final, o Baixinho arrancou com a bola dominada e chutou de bico, sem preconceito, no cantinho do goleiro Ravelli. O empate por 1 a 1 deu ao Brasil a primeira colocação, mas tirou o sossego de Carlos Alberto Parreira — foi obrigado a escutar o coro de "burro" no Silverdome. Sobrou para Raí, que perdeu o lugar no time para Mazinho.

Roger Milla e Oleg Salenko fizeram história na vitória da Rússia por 6 a 1. O russo marcou 5 vezes e se tornou o maior artilheiro de uma única partida. Já o camaronês se transformou no atleta mais velho a fazer um gol em uma Copa, com 42 anos, 1 mês e 8 dias.

Era feriado de 4 de julho. O Brasil tinha pela frente a árdua tarefa de eliminar os Estados Unidos, nas oitavas de final, no dia da Independência do país. Uma data marcada pelo sentimento nacionalista, que encorajava os norte-americanos a se tornar a grande zebra da Copa. Jogando sem o peso da responsabilidade, os ianques mostraram habilidade no toque de bola, enquanto os brasileiros erravam a maioria dos passes. O desastroso primeiro tempo tupiniquim terminou com um lance incomum: a expulsão de Leonardo, que acertou uma cotovelada em Tab Ramos.

Leonardo recebe o cartão vermelho. Depois de agarrar a camisa do brasileiro, Tab Ramos levou uma cotovelada no rosto, que fraturou o seu maxilar. Leonardo foi suspenso pelo resto do Mundial.

"Eu te amo." Palavras harmoniosas e sentimentos nobres, tais quais descritos no documento que libertou as treze colônias americanas do domínio britânico. Porém, a frase não oficializara uma separação, e sim a união de dois jogadores num abraço emocionado. Aos 27min, Romário partiu com a bola dominada desde o círculo central e passou para Bebeto, dentro da área. O camisa 7 chutou cruzado, com perfeição, no cantinho de Meola. Enquanto a bola entrava devagar, Bebeto dava a volta por trás do gol. Ao encontrar o companheiro que lhe dera o passe, esticou as mãos, agradeceu e se declarou.

Depois de acertar uma bola na trave, driblar o goleiro — chutar para fora — e fazer a assistência do gol, Romário ainda cavou a expulsão do zagueiro Clavijo, a cinco minutos do fim da partida. No dia em que os norte-americanos exaltaram o nascimento da nação, o desfile foi do Baixinho. Dele, nenhum brasileiro queria se separar.

Bebeto e Romário fizeram a dupla que o Brasil queria ver desde 1990. "Sou autêntico, real e difícil", disse o Baixinho, tentando definir a sua personalidade.