Em 12 de abril de 1961, Yuri Gagarin vislumbrou o futuro. A bordo do Vostok 1, uma nave com apenas 4,4 metros de comprimento e 2,4 metros de diâmetro, o cosmonauta russo ficou em órbita por 108 minutos. Lá do alto, no espaço sideral, Gagarin proferiu uma famosa frase, que entrou para a história: "A Terra é azul!" — hoje, ela é mais do que nunca.
Aqui embaixo, no Planeta Copa, a inesperada final da edição de
2018 não poderia ter acontecido em outro lugar. Onde mais, senão a Rússia? Uma
nação multicultural, com mais de 160 etnias diferentes em 17 milhões de
quilômetros quadrados — a maior área territorial do mundo. Onde mais o trio
Brasil, Alemanha e Argentina ficaria, pela primeira vez na história das Copas, sem
um representante entre os quatro primeiros? Onde mais a Bélgica, a Croácia e a Inglaterra
poderiam voltar a disputar uma semifinal depois de décadas?
Ronaldinho Gaúcho, campeão em 2002, marcou
presença na cerimônia de encerramento. O mágico da bola deu ritmo à
apresentação da soprana russa Aida Garifullina.
A saga croata neste Mundial foi coerente com a pujante
história do país: apenas 26 anos de existência e tão cheia de lutas e de
glórias. Encarar três prorrogações seguidas, algo inédito em Copas, é elevar a
palavra superação ao nível máximo. Exausta, mas determinada, a Croácia entrou
na final com praticamente 90 minutos jogados a mais que o adversário. Mas havia
um restinho de fôlego no time de Zlatko Dalić, que partiu para cima no início
da partida.
A França, no entanto, ficou na dela e manteve o estilo
"retranqueiro" que marcou a sua campanha no Mundial e enervou os
rivais: um jogo cauteloso e cercado de paciência. A dona de uma campanha quase
perfeita, de cinco vitórias e um empate, sabia a hora certa de dar o bote. Aos
17min, Giezmann começou a aparecer. O camisa 7 francês trombou com a marcação e
conseguiu uma falta perto da área. Na cobrança do próprio Griezmann, Mandžukić subiu com Pogba e
desviou contra o patrimônio — uma ironia do destino para o herói das semifinais
fazer o primeiro gol-contra da história das finais.
A Croácia não se abateu e, dez minutos depois, mostrou que ainda tinha
forças. Modrić cruzou para a área e Vrsaljko escorou para o meio. Na briga
entre Mandžukić e Pogba no alto, desta vez, deu o croata. A bola sobrou para
Vida, que ajeitou para Perišić. Com o pé direito, o camisa 4 cortou a marcação
de Kanté e, com o esquerdo, soltou um torpedo contra o gol de Lloris: 1 a 1.
A França não demorou muito para reagir. Aos 35min, a Copa da bola parada
e do árbitro de vídeo deu as caras no mesmo lance. Griezmann bateu o escanteio
na primeira trave, Matuidi desviou de cabeça e a bola tocou no braço de Perišić.
Com a marcação de novo córner, os franceses correram para reclamar e acabaram
por convencer o árbitro argentino, Néstor Pitana, a consultar o VAR. Após uma
longa análise, Pitana marcou o pênalti — e, assim como Mandžukić, Perišić foi
de herói a vilão. Na cobrança, Griezmann deslocou Subašić e recolocou os
franceses à frente no marcador. Estava aberto o caminho para a consagração
azul.
Com mais de 60% de posse de bola na primeira etapa, a Croácia voltou
esperançosa a campo. Entretanto, o acúmulo de três prorrogações pesou no começo
do 2° tempo. Em seis minutos, a França liquidou a fatura. Aos 13min, Pogba fez
um sensacional lançamento para o veloz Mbappé, que foi à linha de fundo e
serviu Griezmann. O craque francês segurou a bola e e rolou para a chegada de
Paul Pogba. O volante tentou de direita e foi negado, então experimentou de
esquerda e pegou Subašić no contrapé. Aos 19min, Mbappé recebeu de Hernandez e,
com estilo, bateu forte e rasteiro no canto do pobre goleiro croata: 4 a 1.
Nem a lambança de Lloris, aos 23min — lembrando o goleiro Karius, do Liverpool, na final da Champions —, que Mandžukić aproveitou para diminuir a vantagem, atrapalhou a festa francesa. As três prorrogações pesaram para a Croácia. Havia tempo, mas não forças para a reação.
Nem a lambança de Lloris, aos 23min — lembrando o goleiro Karius, do Liverpool, na final da Champions —, que Mandžukić aproveitou para diminuir a vantagem, atrapalhou a festa francesa. As três prorrogações pesaram para a Croácia. Havia tempo, mas não forças para a reação.
O placar de 4 a 2, em 2018, foi o mais elástico em finais desde 1958, quando o Brasil venceu a Suécia por 5 a 2.
No Planeta Copa das inovações tecnológicas, conexões
via satélite e imagens em tempo real em qualquer cidade do mundo, venceu a
geração francesa dos filhos de imigrantes, que deram à bandeira tricolor mais
cores que apenas o vermelho, o branco e o azul. A França da miscigenação e da
juventude se reergueu do doloroso tropeço de dois anos atrás, na Euro em casa,
quando perdeu para Portugal, de Cristiano Ronaldo. Uma revolução, agora, na
bola. Griezmann, um dos mais criticados à época, virou craque da final e, por
que não, craque da Copa? No histórico Estádio Luzhniki, onde um certo urso
chorou décadas atrás, as lágrimas de Griezmann, filho de um alemão com uma
portuguesa, foram a desforra de um talento subestimado.
E o que dizer do técnico Didier Deschamps, ou melhor, DesCHAMPION, o
terceiro homem na face da Terra a conquistar duas Copas do Mundo, uma como
jogador e outra como técnico? Pelé e Beckenbauer, os outros dois, certamente o
aplaudiram. Na constelação dos campeões, a França tem duas estrelas, com
Deschamps protagonizando ambas as conquistas.
Mbappé e Modrić recebem o prêmio de jovem revelação e melhor da Copa, respectivamente. O francês, aos 19 anos, se tornou o segundo jogador mais jovem a marcar numa final de Copa — Pelé tinha 17, em 1958.
No último ato, depois de uma chuva de gols, veio uma chuva torrencial, literalmente. O presidente russo, Vladimir Putin, foi o primeiro a se abrigar com um guarda-chuva, enquanto o presidente Emmanuel Macron, da França, e a presidente Kolinda Grabar-Kitarović, da Croácia, abraçavam cada um dos derrotados e vitoriosos que subiam ao pódio, sem se importarem com a água que caía dos céus.
Céu, este, que é azul, assim como Yuri Gagarin nos relatou, 57 anos atrás. E continuará assim por pelo menos mais quatro anos.
Céu, este, que é azul, assim como Yuri Gagarin nos relatou, 57 anos atrás. E continuará assim por pelo menos mais quatro anos.