Em 22 de junho de 1930, o SS Conte Verde, um luxuoso transatlântico
projetado em estilo clássico italiano, partiu de Barcelona para uma de suas
viagens mais significativas na história — rumo a Montevidéu. Estavam a bordo as
delegações de futebol de França e Bélgica, os primeiros europeus a aceitar o
convite para disputar a Copa do Mundo, além do presidente da FIFA, Jules Rimet,
e o troféu Goddess of Victory — uma estatueta de 30 cm de altura e pesando 4 kg,
que ficaria em posse definitiva do Brasil, 40 anos depois.
Ontem, o navio franco-belga, enfim, ancorou no porto de São Petersburgo para a primeira semifinal da Copa do Mundo de 2018. Se não um confronto surpreendente pelas campanhas — os belgas venceram todos os jogos até as quartas de final —, um duelo inusitado por ocupar o lugar outrora de Brasil, Alemanha e Argentina.
"Le match sympathique", como é chamado o
encontro entre belgas e franceses, é tão velho quanto o próprio futebol: o
primeiro duelo aconteceu em 1904. E se naquela primeira oportunidade não
faltaram gols (placar de 3 a 3), o duelo de 2018
deixou a desejar neste quesito. Mas a falta de gols no excelente 1° tempo foi
uma questão de detalhe. As duas equipes tentaram impor o seu jogo e tiveram
suas oportunidades: um chute colocado rente à trave de Hazard, pelo lado belga,
e um chute de Pavard desviado com o pé por Courtois, pelo lado francês. A
Bélgica deu sinais de domínio, porém foi a França que mostrou mais
objetividade. As maiores emoções ficaram guardadas para a etapa complementar.
Os azuis voltaram bem do intervalo e logo a 5min
abriram o marcador: Griezmann cobrou escanteio e o zagueiro Umtiti desviou para
o fundo do gol, antes da intervenção de Fellaini. A França tomou as rédeas da
partida e obrigou o adversário a sair, contrariando a tática belga do
contra-ataque. Os Diabos Vermelhos — apelido que nasceu após um 5 a 0 da
Bélgica sobre a França em plena Paris, em 1906 — acabaram dando espaço para os
velozes e perigosos atacantes franceses. Num lance de pura genialidade, Mbappé
girou com a bola no pé e deixou de calcanhar o companheiro Giroud na cara do
gol; mas ele perdeu. Estável, segura e bem postada na defesa, a França se segurou
nos minutos finais até o apito final, o que incomodou o goleiro belga Thibaut Courtois. As reclamações ficaram por ali mesmo, no gramado, junto com a certeza belga de alcançar uma
final de Copa pela primeira vez.
Umtiti comemora o único gol do jogo: foi o 72° (de 158 na Copa) de lance de bola parada no Mundial (46% do total). A Bélgica, o melhor ataque do torneio, passou em branco. |
Agora, Didier Deschamps terá a chance de se tornar o terceiro homem a vencer o Mundial como técnico e jogador. Os outros dois são bem conhecidos: Zagallo, pelo Brasil, ganhou em 1958 e 62, como jogador, e em 1970, como técnico; e Franz Beckenbauer, pela Alemanha, venceu em 1974, como jogador, e em 1990, como técnico.
Não adiantou nada a Bélgica ter a vantagem nos
confrontos diretos contra a rival: 30 a 25. Na hora do "vamos ver", a
França veio, viu e venceu, com sua jovem legião de talentos.