quarta-feira, 16 de abril de 2014

1970 | Ninguém Morre de Véspera

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Entre 1957 e 1985, a Argentina disputou 12 partidas em Buenos Aires pelas eliminatórias da Copa do Mundo. Venceu dez, empatou duas e não perdeu nenhuma. Curiosamente, os dois empates foram contra a mesma equipe, terminaram em 2 a 2 e foram válidos para duas Copas disputadas no México (1970 e 1986). Mas nem tudo são coincidências. Em 85, a Argentina se classificou para a Copa de 86, enquanto que, em 69, a vaga ficou com o Peru.

A partida que tirou a Argentina pela primeira e até então única vez de uma Copa do Mundo foi disputada em 31 de agosto de 1969, no estádio La Bombonera, em Buenos Aires. O acanhado estádio fora escolhido por sua forma de ‘caixa de bombom’. A ideia era que funcionasse como uma panela de pressão. Porém, durante o jogo, os peruanos pareciam surdos.

O jogo foi quente desde o início, quando o peruano Challe, antes de um arremesso lateral, bateu com a bola na cabeça do argentino Rulli e despertou a confusão. Nos 20 minutos finais, a torcida viu Ramírez marcar duas vezes para os visitantes, além de um pênalti convertido por Albrecht, cheio de ‘paradinhas’, e um ‘gol trombador’ de Rendo para os donos da casa. Depois de 40 anos, o Peru estava de volta a uma Copa do Mundo. Além de aplausos, o time merecia respeito.

O Peru foi a única seleção nas eliminatórias da Copa do Mundo a não perder em Buenos Aires, entre as décadas de 50 e 80.

Contudo, o entusiasmo com a classificação se perdeu dois dias antes da estreia, contra a Bulgária. Um terremoto de 7,5 graus na escala Richter causou a morte de 75 mil pessoas no país. Os estragos cortaram as comunicações e os jogadores não puderam entrar em contato com seus familiares. Abatida, a Seleção Peruana deixou de pensar na Copa.

Coube a Didi, o técnico brasileiro — campeão do mundo, em 58 —, reeguer a equipe. Jogando de luto, com uma folha de fumo no ombro da camisa dos jogadores, o Peru venceu a Bulgária, de virada (3 a 2) e goleou o Marrocos (3 a 0). Com uma derrota óbvia para a Alemanha Ocidental (1 x 3), o Peru se classificou em segundo lugar no Grupo 4. O adversário nas quartas de final era a Seleção Brasileira, que vinha de uma vitória apertada, por 3 a 2, contra a Romênia — sua pior partida no Mundial.

O goleiro Rubiños no duelo contra o atacante Gerd Müller. 3 a 0 para o alemão.

Sem Gérson e Rivellino, o Brasil chegou a abrir 2 a 0 contra a Romênia, com um gol de falta de Pelé, aos 20min, e outro de Jairzinho, com oportunismo, aos 22min. Seis minutos depois, o goleiro romeno Adamache, contundido, deu lugar ao reserva Raducanu. Foi a primeira substituição de goleiro na história das Copas. Aos 33min, a Romênia diminuiu com Dumitrache, após uma falha coletiva de Félix, Brito e Fontana.

Pelé voltou a marcar aos 21min da segunda etapa, depois de ter um gol anulado. Os romenos, aguerridos, fizeram o segundo aos 38min, com Dembrowski, mas não tiveram forças para empatar. O triunfo, ainda que apertado, manteve o Brasil em Guadalajara, cidade de onde só sairia na final.

Jogadores comemoram com Rivellino o primeiro gol contra a Romênia. Pela primeira vez em Copas, o Brasil passava com 100% de aproveitamento na fase de grupos.

Brasil e Peru jogaram no dia 14 de junho, em Guadalajara, por uma vaga nas semifinais. Antes do confronto, o técnico do Peru, Didi, criticou duramente o estilo de jogo da Seleção Brasileira, causando certo desconforto em alguns atletas. “Ele foi duas vezes campeão mundial pelo Brasil e não tinha o direito de nos criticar dessa maneira”, declarou o meia Clodoaldo. Entretanto, o clima quente na partida ficou apenas a cargo do sol do meio-dia.

Gérson e Rivellino estavam de volta, mas o nome do jogo foi Tostão. Aos 11min, ele rolou uma bola açucarada para a “patada atômica” de Rivellino. O chute, com efeito, ainda tocou no pé da trave antes de balançar as redes. 4min depois, Tostão recebeu de Pelé, próximo à linha de fundo e, quase sem ângulo, chutou forte, entre a trave e o goleiro Rubiños. Aos 28min, numa jogada parecida com a de Tostão, Gallardo diminuiu para os peruanos.

Mais um lance genial de Pelé. Quando a partida estava 0 a 0, o Rei chutou na trave, pegou o rebote e tocou de calcanhar para Tostão bater. A bola foi fora.

No segundo tempo, o Brasil manteve o ritmo. Aos 11min, Pelé recebeu dentro da área e cruzou. A bola deu um leve desvio no zagueiro peruano, matou o goleiro e foi de encontro a Tostão, que a colocou para dentro. Na sequência do lance, o atacante brasileiro chegou a bater a orelha na trave, mas nada que o impedisse de ouvir a comemoração da torcida mexicana.

Aos 25min, o Peru fez o segundo. A bola bateu na cabeça de Marco Antônio e sobrou para Cubillas emendar de primeira, sem chances para Félix. 3 a 2. O enredo do jogo contra a Romênia se repetia. No entanto, aos 30min, Jairzinho invadiu a área, driblou Rubiños e empurrou para o gol vazio: 4 a 2. Uma vitória contundente que levou o Brasil às semifinais.

Ao final da partida, o goleiro Rubiños chorou agachado no gramado. Para o Peru, restariam as glórias de uma geração de ouro, que não só tirou a Argentina de uma Copa do Mundo, como também ganharia a Copa América, em 1975.

Mas a seleção peruana de futebol ficaria mesmo marcada em 1978, ao abrir as pernas para os argentinos e fazer o queixo dos brasileiros cair.

Autor de cinco gols no Mundial, Teófilo Cubillas ainda é o maior artilheiro da seleção peruana, com 26 gols.