sexta-feira, 25 de abril de 2014

1974 | Laranja Azeda

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Silvio Gazzaniga nunca fez um gol em uma Copa do Mundo. Aliás, sequer chegou a jogar uma única partida. Mas é dele a mais emblemática obra dos Mundiais: a Taça FIFA. Tão universal quanto o próprio futebol, o troféu tem 36 centímetros de altura e pesa 6,17 quilos. É toda de ouro maciço, exceto pela base, formada por duas camadas de um metal semiprecioso, a malaquita. Criado pelo escultor italiano em substituição à taça Jules Rimet, o troféu, se estivesse à venda, valeria cerca de R$ 435 mil reais, segundo as cotações do ouro no mercado financeiro. Porém, a taça é privilégio de poucos, e o valor de levantá-la é incalculável.

A Taça FIFA guardada numa mala da Louis Vuitton. Na base do troféu há um espaço de luxo para 17 nomes. Já foram gravados dez. O último será afixado em 2038.

Estreante na Copa de 74, a estatueta foi descrita por seu inventor como “a figura de dois atletas no emocionante momento da vitória”. Para os alemães, eram eles Beckenbauer e Müller. Para os holandeses, Cruyff e Neeskens. A verdade é que nenhuma das seleções, qual fosse a vitoriosa, teria direito ao troféu original. O novo regulamento havia estabelecido que a taça permaneceria em posse da FIFA e os campeões levariam para casa apenas uma réplica.

A estátua não era a única novidade no Mundial. A FIFA tinha um novo presidente: o brasileiro João Havelange, que assumira no lugar do inglês Sir Stanley Rous. A “Era Havelange”, porém, não começou bem para a sua seleção. Além de não chegar à final, o Brasil perdeu a disputa de terceiro lugar para a Polônia, por 1 a 0, com um gol de Lato — o sétimo do artilheiro da competição.

Lato marca. Depois da derrota para a Polônia, o zagueiro Luís Pereira, se dizendo muito consciente, abriu o jogo: “Pelo que o Brasil apresentou o quarto lugar foi fenomenal. Isso pode até magoar alguns jogadores, mas só merecíamos um quarto lugar mesmo”.

Não havia mais dúvidas. O futebol total da Holanda era inteiramente favorito na decisão, mesmo a Alemanha Ocidental jogando em casa e, acima de tudo, bem. Refinada e ao mesmo tempo impiedosa, a Laranja impusera aos adversários 14 gols em seis partidas e levara apenas um.

Em grande estilo, a Holanda deu a saída. Sem perder a posse de bola, envolveu o time alemão por 53 segundos. Após 14 passes, Johan Cruyff, o camisa 14 do Carrossel, galopou do círculo central até a grande área e só foi parado por Höness. Menos de um minuto de jogo, os alemães nem tinham tocado na bola e os holandeses já faziam 1 a 0, com Neeskens — o primeiro gol de pênalti em uma final de Copa do Mundo. O goleiro Sepp Maier pegou a bola no fundo do gol e os alemães, enfim, tocaram nela.

Neeskens, de pênalti, abre o placar. Nas palavras de Rep, o pensamento nada mecânico da Laranja nos primeiros minutos da decisão: “Queríamos brincar em cima dos alemães”.

Enquanto a Holanda parecia se divertir em campo, a Alemanha Ocidental acordava. Comandada dos pés à cabeça por Beckenbauer, a anfritriã reorganizou sua marcação e travou o Carrossel: Vogts colado em Cruyff, Schwarzenbeck em cima de Rep e Bonhof no ‘cangote’ de Neeskens.

Aos 25min, foi a vez dos alemães caírem na área. Hölzenbein driblou três marcadores e se jogou na chegada de Jansen. O árbitro inglês, John Taylor, também caiu: na dele. Breitner cobrou no canto e converteu o segundo pênalti da decisão. Jongbloed nem se mexeu. Mais tarde, o próprio árbitro reconheceu o erro.

Com a Laranja emperrada, a seleção alemã engrenou. Bonhof subiu pela direita — o lado esquerdo era o mais fraco da Holanda — e cruzou para Müller. O passe foi forte e o atacante dominou mal. A bola quicou e, com o efeito, voltou a tempo de Müller conseguir fazer o arremate. A dois minutos do intervalo, a Alemanha Ocidental estava na frente.

Müller comemora seu 14° gol em Copas do Mundo. Naquele instante, o alemão superava o francês Just Fontaine como o maior artilheiro da história dos Mundiais.

O futebol dinâmico e envolvente da Holanda apareceu no segundo tempo. Mas a Laranja não contava com o muro de Munique: o alemão Sepp Maier. Eleito o melhor goleiro de 70, Maier ganhou o apelido de “O Gato” depois das impressionantes defesas na final de 74. Vivendo de contra-ataques, os alemães ainda chegaram a marcar mais um, mas o árbitro inglês anulou o gol, alegando impedimento — inexistente — de Müller.

Ao final do jogo, a Alemanha Ocidental provou toda a sua capacidade de superação. 20 anos depois de surpreender o mundo e a Hungria, os alemães, mais uma vez, derrotavam os favoritos numa final de Copa do Mundo. Um time não tão brilhante como a Holanda, é verdade, mas dotado de uma aplicação tática indiscutível.

O capitão Franz Beckenbauer com a taça (e o técnico Helmut Schön tentando tirá-la dele): o homem que revolucionou o papel de líbero.

Dos gramados para os livros, a Holanda entrou para a história. Depois da Copa, Johan Cruyff declarou que não havia nascido para perder e jurou nunca mais disputar outro Mundial. E assim fez. Na história das Copas do Mundo, Johan Cruyff foi protagonista de um capítulo só.

Johan Cruyff: o craque azedo da Laranja. Depois da rápida popularidade adquirida na Copa de 74, alguns jogadores da Holanda, como Cruyff, passaram a cobrar para dar autógrafos.