terça-feira, 22 de abril de 2014

1974 | O Muro da Berlinda

Para ler o texto (13 letras) sobre o Tri do Brasil em 70, clique aqui.


Um novo dia amanhecera. Mas, na alvorada de 13 de agosto de 1961, o que menos chamou a atenção foi o brilho do sol. Pelo contrário: a madrugada fria se perpetuara em 66,5 km de grades de metal, 302 torres de observação, 127 redes metálicas eletrificadas com alarme e 255 pistas de corrida para ferozes cães de guarda. Do dia para noite, uma fronteira que existia apenas na mente se tornou real. Berlim estava dividida. E não havia como ficar em cima do muro.

O muro foi erguido em pouco mais de 6 horas. Centenas de pessoas morreram tentando atravessar a barreira que separava muito mais que o lado ocidental do lado oriental da cidade. 

A principal divisão entre o mundo capitalista e o socialista fez de Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental países estrategicamente importantes no período da Guerra Fria, onde os conflitos ficaram apenas em termos políticos e econômicos. Contudo, em termos esportivos, as duas Alemanhas chegaram a ficar frente a frente.

Na Copa do Mundo de 1974, quis o destino que os alemães orientais, em sua primeira e única participação, caíssem no mesmo grupo dos vizinhos de muro e anfitriões do torneio. Depois de vencerem Austrália e Chile, as Alemanhas chegaram à rodada final disputando o primeiro lugar do Grupo A. Mas só uma Alemanha queria realmente a vitória.

No duelo de Hamburgo, a Alemanha Ocidental mostrou toda a sua frieza ao abrir mão do resultado — ao que tudo parece — para sair do caminho de adversários teoricamente mais fortes na segunda fase. O gol de Jürgen Sparwasser, aos 32min da etapa final, agradou a “gregos e troianos”, mas não livrou os donos da casa das vaias de sua torcida.

Os capitães Beckenbauer e Bransch protagonizam um raro aperto de mão entre os alemães divergentes. Após a derrota para os rivais de cercania, o “Kaiser” ocidental questionou o treinador Helmut Schön sobre o “enclausuramento” do time na concentração.   

A Copa do Mundo também viu, mais uma vez, o futebol perder para a política. Nas eliminatórias, a forte União Soviética se recusou a disputar o jogo de volta da repescagem no Chile, devido ao recente golpe militar que levou o general Augusto Pinochet ao poder e, consequentemente, à execução de prisioneiros esquerdistas.

Carlos Caszely, do Chile, recebe o primeiro cartão vermelho da história das Copas. Ele foi expulso aos 22min do 2° tempo na derrota por 1 a 0 para a Alemanha Ocidental. Depois do episódio, o atleta, opositor ferrenho do ditador Pinochet, foi proibido de jogar futebol em seu próprio país.

No entanto, o golpe que realmente nocauteou o Mundial foi a ausência de Pelé. O Rei abandonou a Seleção em 1971, um ano depois de conquistar o tri. Sem Pelé, a Copa de 74 não teve o mesmo brilho. A Seleção Brasileira muito menos.

O Brasil de 74 não foi nem sombra do timaço de 70. Zagallo, ainda técnico da equipe, mesclou heróis do tri, como Rivellino e Jairzinho, com uma nova geração, comandada pelo goleiro Leão e o zagueiro Luís Pereira. Mas a falta de entrosamento e o futebol burocrático fizeram a equipe perder o encanto de quatro anos antes.

O Brasil abriu a Copa contra a Iugoslávia, em Frankfurt, no dia 13 de junho — a partir de 74, o detentor do título passou a fazer o jogo inaugural. O time da estreia nunca havia jogado junto antes. Difícil imaginar outro resultado que não o 0 a 0 — o terceiro consecutivo em aberturas de Mundiais.

Zagueiro do Zaire faz até malabarismo, mas não evita mais um gol da Iugoslávia. Depois do terceiro, o técnico do Zaire, que era iugoslavo, substituiu o goleiro Kazadi Muamba pelo reserva Tubilandu Ndimbi. Não adiantou muito: Ndimbi tomou mais seis gols, e o Zaire sofreu uma das maiores goleadas da história dos Mundiais: 9 a 0. 

O Brasil voltou a decepcionar na segunda partida, diante da Escócia. Um novo empate por 0 a 0 acrescentou dramaticidade à rodada final do Grupo B. Com o placar de 1 a 1 entre escoceses e iugoslavos, a seleção canarinho precisava vencer o Zaire por, no mínimo, 3 a 0 para se classificar.

E o mínimo foi o máximo que a Seleção Brasileira conseguiu fazer. Jairzinho, Rivellino e Valdomiro, a doze minutos do fim, marcaram os gols. O Brasil se classificou superando a Escócia no saldo de gols — a novidade do torneio nos critérios de desempate. Por sua vez, os escoceses se tornaram a primeira seleção a ser eliminada na primeira fase sem perder um só jogo. Curiosamente, também foi a única invicta da competição.

Apesar do belo gol de Rivellino — um torpedo no ângulo —, o lance que marcou a partida Brasil x Zaire foi obra do zagueiro Ilunga Mwepu. Num ato totalmente incompreensível, o zairense deixou a barreira e chutou a bola para longe, antes que ela fosse posta em jogo na cobrança de falta. Os jogadores do Zaire, que haviam ganhado automóveis e casas por classificar o país para a sua primeira Copa, tiveram seus prêmios confiscados depois de uma pífia participação — três jogos, três derrotas, nenhum gol marcado e 14 sofridos.

César Maluco, reserva de Jairzinho (foto), honrou o apelido na partida contra o Zaire. O atacante apertou o botão que invertia o sentido da escada rolante na saída dos vestiários. Os jogadores do Zaire, que subiam, acabaram caindo uns em cima dos outros. Segundo ele, o fato inusitado fez com quem o Brasil vencesse a partida. 

Outro estreante saco de pancadas foi o Haiti. Além de perder todas as suas três partidas, a seleção caribenha protagonizou na Copa de 74 o primeiro caso de doping por uso de drogas. Na manhã seguinte do anúncio da suspensão de Ernest Jean-Joseph, seguranças da delegação haitiana acordaram o atleta, levaram-no para o jardim da concentração e aplicaram-lhe uma bela surra por ter envergonhado a sua pátria.

Não foi só o Haiti que decepcionou no Grupo D. A Azzurra venceu sua única partida contra o próprio Haiti, na estreia, por 3 a 1. Os centro-americanos chegaram a sair na frente — o gol de Sanon quebrou uma invencibilidade de dois anos e 1.142 minutos de Dino Zoff sem tomar gols —, mas tomaram a virada. Depois disso, só tropeços: empate contra a Argentina (1 a 1) e derrota para a Polônia (2 a 1). Em terceiro lugar no grupo, a Itália não se classificou para a fase seguinte.

Única seleção com 100% de aproveitamento na primeira fase, a Polônia já havia surpreendido nas eliminatórias ao eliminar a Inglaterra, em Londres. Liderados por Grzegorz Lato, os campeões olímpicos de 1972 venceram Argentina (3 a 2), Itália (2 a 1) e atropelaram o Haiti (7 a 0).

Porém, não foram os poloneses que encantaram o mundo, em 74.

A Copa do Mundo de 74 foi a primeira em que os jogadores usaram número nos calções. Mas isso não explica o futebol nas coxas da seleção italiana na fase de grupos.