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“Se todos
quisermos, dizia-nos há quase 200 anos, Tiradentes, aquele herói enlouquecido
de esperança, poderemos fazer deste país uma grande nação. Vamos fazê-la.”
Perante o Congresso Nacional, Tancredo Neves discursava pela primeira vez como
presidente eleito, em 15 de janeiro de 1985. Depois de duas décadas de
ditadura, o Brasil, enfim, respirava o ar da liberdade. Porém, às vésperas de
assumir o poder, Tancredo foi internado com fortes dores abdominais. Faleceu em
21 de abril, na mesma data da morte de Tiradentes. Uma grande ironia do destino
para a torcida brasileira, que perdia o seu mártir da democracia.
O vice, José
Sarney, deu continuidade ao governo, e se tornou de fato o primeiro presidente
civil após o regime militar. Em fevereiro de 1986, Sarney instituiu o “Plano
Cruzado”, buscando conter o temido dragão da inflação. Sob nova moeda, o
cruzado, o governo congelou preços, salários e acabou com a correção monetária.
Em um primeiro momento, as medidas geraram um clima de euforia entre a
população, que ainda tinha mais um motivo para sorrir: Zico estava de volta ao
futebol.
No Fla-Flu de 16 de
fevereiro de 1986, Zico, após seis meses em intensa recuperação, marcou três dos
quatro gols flamenguistas — um, claro, de falta — na goleada por 4 a 1 sobre o
maior rival, o Fluminense. Era a estreia de Sócrates no rubro-negro, mas todos
os louros foram para o camisa 10 da Gávea. Entretanto, no decorrer da temporada,
as fortes dores no joelho esquerdo fizeram Zico entrar novamente em tratamento. Sem condições físicas ideais, Telê Santana esperou por Zico até o último
instante. E o convocou — contra sua própria vontade, como confessou anos
depois.
Se Zico estava nos
planos do técnico, Renato Gaúcho não estava. Cortado por indisciplina, o
atacante ganhou a solidariedade de Leandro, que pediu dispensa. O que parecia
um problema para Telê virou solução. O discreto Josimar, do Botafogo, foi
convocado como reserva do novo titular, Édson. E, quando teve oportunidade,
surpreendeu.
A Seleção
Brasileira, cabeça-de-chave do Grupo D, estreou no dia 1° de julho, num estádio
que conhecia bem: o Jalisco, em Guadalajara, onde venceu cinco das seis
partidas na Copa de 70. Pela quinta vez em Mundiais o Brasil encarava a
Espanha. Durante a execução dos hinos, a banda do estádio tocou o Hino à
Bandeira em vez do Hino Nacional — um pequeno aperitivo das polêmicas que
viriam a seguir.
Depois de um
primeiro tempo sem gols, os espanhóis chegaram a fazer 1 a 0 na segunda etapa.
O chute de Michel carimbou o travessão e caiu dentro do gol, mas a arbitragem
de Christopher Bambridge mandou o jogo seguir. Melhor para o Brasil que, não tendo
nada a ver com o erro, abriu o placar aos 17min. O tiro de Careca também
acertou o travessão, só que, desta vez, a bola voltou para o centro da área e
encontrou Sócrates — o doutor cabeceou para o gol vazio. A estreia com vitória
contra o adversário mais difícil do grupo deu confiança à equipe.
O goleiro espanhol Zubizarreta acompanha o lance do gol brasileiro. Os espanhóis reclamaram de impedimento, mas o árbitro australiano novamente agiu a favor do Brasil. |
Na segunda partida,
diante da Argélia, a Seleção continuou a mostrar um futebol burocrático, com
Alemão e Elzo no meio de campo — e Cerezo e Falcão na saudade. O único gol do confronto saiu de uma jogada de
Müller na direita, aos 21min do segundo tempo. Careca aproveitou a sonolência
da defesa argelina e botou a bola no fundo das redes. Depois da partida, um
episódio ocupou as manchetes dos jornais e afetou o clima da equipe. Édson,
Alemão e Casagrande foram flagrados bebendo cerveja num circo. Telê — que não
era palhaço — tirou Casagrande e Édson do time titular, e promoveu as entradas de
Müller e Josimar, respectivamente. O lateral do Botafogo entrou para não mais
sair.
A fragilidade da
Irlanda do Norte, na terceira rodada, propiciou ao Brasil fazer sua
melhor partida na fase de grupos. Careca marcou duas vezes (uma aos 15min do primeiro e outra aos
42min do segundo tempo), mas o gol do jogo foi do estreante Josimar: um
torpedo de fora da área, aos 42min da etapa inicial, no ângulo do goleiro
Jennings. Classificada em primeiro lugar, sem levar nenhum gol, a Seleção
Brasileira entrava com moral na segunda fase.
No calor do
meio-dia, o anfitrião México abriu a recém-criada fase de oitavas-de-final. Com o
apoio maciço de 114 mil vozes, os donos da casa despacharam a Bulgária por 2 a
0. Mais tarde, União Soviética e Bélgica fizeram uma partida espetacular de
sete gols. Depois do 2 a 2 no tempo normal, os belgas viraram o placar na
prorrogação e venceram por 4 a 3. Belanov anotou os três gols soviéticos,
enquanto os belgas foram mais solidários:
Scifo, Ceulemans, Demol e Claesen marcaram.
Chegara a vez do
Brasil, contra uma Polônia que não era nem sombra do time de Lato, na década de
70. Sócrates, aos 30min de jogo, fez o primeiro, cobrando pênalti. O segundo só
veio no segundo tempo; e foi de Josimar, a sensação brasileira na Copa. Se já
não bastasse o golaço contra os irlandeses, o gol do lateral contra os
poloneses foi uma verdadeira pintura. O camisa 13 entrou na área costurando a defesa
adversária e, quase sem ângulo, chutou violentamente no canto alto do
goleiro Mlynarczyk.
Aos 34min, Edinho
deixou o seu, em mais uma bela jogada: num único drible, o jogador tirou o goleiro
e o zagueiro polonês do lance e chutou para o gol vazio. Quatro minutos
depois, Zico, que havia entrado no lugar de Sócrates, sofreu pênalti. Antes da
cobrança, formou-se uma convenção para definir o batedor. Careca deu a bola
para Zico, mas o Galinho se absteve, convencendo o centroavante a cobrar e
aumentar seus números na artilharia. Careca consentiu, bateu e fez. Seguindo os passos da política, a Seleção era democrática.
A vitória
por 4 a 0 manteve o Brasil em Guadalajara para o duelo das
quartas de final contra a França. Em seis encontros até então, entre
amistosos e Copa do Mundo, a seleção
canarinho havia ganho quatro e perdido apenas um. Mas nem foi preciso perder a
partida para o Brasil sair derrotado.