domingo, 25 de maio de 2014

1990 | Me Engana que Eu Gosto

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Símbolo carioca do luxo — e da luxúria —, o Copacabana Palace hospedou, em 16 de janeiro de 1989, todos os então 26 dirigentes das federações estaduais de futebol do Brasil. Com tudo pago pela CBF, Ricardo Teixeira foi eleito por unanimidade o novo presidente da entidade. Ao assumir o cargo, negou ter gasto 2 bilhões de cruzados em sua campanha eleitoral, falou em "dar vez ao Norte e Nordeste" e prometeu retirar sua candidatura à reeleição.

{ acusado de corrupção e desvio de verba, Ricardo Teixeira ficou no poder até 2012, quando então renunciou }

Ricardo Teixeira durante a apresentação de Sebastião Lazaroni como novo técnico da Seleção Brasileira. Lazaroni acreditava que "a arte é um requinte que se pode usar a cada momento. Mas só com arte não se ganha títulos", o que nos revelava um futuro sombrio.

Seis meses depois, Sebastião Lazaroni, o homem de confiança de Ricardo Teixeira, levou o Brasil a conquistar sua primeira Copa América em 50 anos. Com vitórias marcantes contra a Argentina (2 a 0) e o Uruguai (1 a 0, no aniversário de 49 anos do "Maracanazo"), o torneio consagrou a dupla Bebeto e Romário, autora de 9 dos 11 gols brasileiros na campanha do título. A dupla caiu nas graças do treinador, que preparou um esquema com três atacantes para as eliminatórias: Bebeto, Romário e Careca. O chamado "ataque dos sonhos" seria o grande trunfo de Lazaroni na Copa.

{ Bebeto amargou o banco de reservas do início de 90 até o Mundial, Romário se lesionou e o ataque foi formado por Careca e Müller }

Bebeto marca um golaço de voleio contra a Argentina. Preterido por Lazaroni, o atacante desabafou: "Lazaroni foi desonesto comigo". Já o baixinho Romário sofreu uma lesão no tornozelo antes da Copa e só entrou em campo contra a Escócia. 

 Em 3 de setembro, o palco da decisão foi novamente o Maracanã. O Brasil vencia facilmente o Chile pelas eliminatórias da Copa — 1 a 0, gol de Careca aos 4min do segundo tempo —, quando, aos 24min, um sinalizador marítimo caiu na área defendida pelo time chileno. O goleiro Rojas imediatamente desabou com as mãos no rosto, sugerindo que havia sido atingido pelo artefato. Depois de muito rolar na grama — e no meio da fumaça —, o jogador, ensanguentado, foi para o vestiário carregado pelos próprios companheiros, que dispensaram a maca. Meia hora depois, o árbitro argentino Juan Carlos Loustau declarou o Brasil vencedor por abandono de campo do Chile. O medo de uma punição por parte da FIFA tomou conta da torcida brasileira.

{ a farsa foi logo descoberta: o sinalizador lançado — sem querer — pela torcedora Rosenery Mello não atingiu o goleiro, que cortara a si próprio com uma lâmina de barbear, escondida numa das luvas }

Fotos de um jornalista argentino flagraram o exato momento em que o sinalizador não atingiu Rojas. A imagem negativa do jogador fez com que o São Paulo FC, onde atuava, colocasse seu passe à venda na mesma semana.

Rosenery Mello: capa da Playboy de dezembro de 89. A "Fogueteira do Maracanã" foi a única que saiu no lucro com o incidente. A FIFA excluiu o Chile da Copa de 90 e das eliminatórias de 94, declarou o Brasil vencedor (2 a 0) e baniu o goleiro Rojas do futebol.

Em 17 de dezembro, o futebol deu lugar à política com a vitória do alagoano Fernando Collor de Mello nas primeiras eleições diretas para presidência desde 1960. Classificando o ex-presidente José Sarney como "corrupto, incompetente e safado", Collor se autodenominou caçador de marajás e defensor dos descamisados. "Lutarei contra a inflação, a corrupção e o desvio de recursos da administração pública", declarou ao Estado de São Paulo em sua primeira entrevista como presidente.

{ o Plano Collor trouxe a maior recessão da história do Brasil e o presidente corrupto acabou desmascarado pela CPI do "Esquema PC", que desviara grandes quantias de dinheiro dos cofres públicos }

"Caras-pintadas" tomam as ruas e pedem o impeachment do presidente. Collor renunciou ao cargo, mas, com o processo já em andamento, teve seus direitos políticos cassados por oito anos, até 2000.

A Seleção Brasileira voltou a campo no final de 1989. Com duas boas vitórias nos amistosos contra a Itália em Bolonha, em outubro, e a Holanda em Roterdã, em dezembro (ambos por 1 a 0), o time de Lazaroni se credenciou entre os favoritos ao título mundial. Tricampeão carioca com Flamengo e Vasco em três anos consecutivos (1986 a 1988), Lazaroni transformou-se na esperança do futebol brasileiro depois de seguidos insucessos em Copas do Mundo.

{ no último jogo-treino antes da Copa, a Seleção Brasileira foi derrotada pelo inexpressivo combinado da Úmbria, que revelou a fragilidade do esquema tático 3-5-2 de Lazaroni }

Cabeça de chave do Grupo C, o Brasil disputou a primeira fase em Turim. A estreia foi apertada: 2 a 1 contra a Suécia, com dois gols de Careca. Na segunda rodada, a Seleção enfrentou a estreante Costa Rica, que vestiu camisas listradas idênticas às da Juventus, dona do estádio — a ideia de ganhar simpatizantes locais nunca foi confirmada. Foi um massacre brasileiro, com quatro bolas na trave, apesar de ter feito apenas um gol, de Müller, herói também contra a Escócia. Com 100% de aproveitamento, o Brasil fez a segunda melhor campanha da fase de grupos.

{ diante de três atuações medíocres da Seleção Brasileira, Romeu Tuma, à época superintendente da Polícia Federal, disse que a seleção deveria treinar pontaria com a polícia }

Entre muitas atitudes polêmicas, Lazaroni vetou o acesso da imprensa à concentração. Perguntado por um jornalista do por que de não usar três atacantes contra a Costa Rica, o técnico não mediu palavras. "Se você quiser escalar três atacantes, faça o curso de treinador e venha treinar o time."  

Depois da derrota na estreia para Camarões, a Argentina se recuperou ao vencer a União Soviética, em Nápoles, por 2 a 0. Maradona não marcou gols, mas salvou uma bola em cima da linha quando a partida ainda estava 0 a 0. Na última rodada, o empate de 1 a 1 com a Romênia foi o suficiente para os platinos se classificarem para a segunda fase.

{ a exemplo do que havia feito em 86, Maradona usou a mão para evitar o gol soviético e salvar a Argentina, classificada às oitavas pelo bizarro regulamento que beneficiava os melhores terceiros colocados dos grupos }

Romário contra a Escócia. O Baixinho soltou o verbo na Itália: "O Brasil não perdeu a Copa fora de campo. Perdeu dentro, por incompetência de alguns jogadores." Depois disse que "essa foi a minha primeira e última Copa". Bebeto o convenceu do contrário.  

O chaveamento colocou o favoritíssimo Brasil e a Argentina frente a frente nas oitavas de final. Era um clássico, mas os hermanos estavam caindo pelas tabelas. Com um problema na clavícula, Maradona não tinha totais condições físicas de jogo. Caçado em campo até mesmo pelo colega de Napoli, Alemão, o craque argentino passou mais tempo estirado no gramado do que efetivamente em pé. Numa das faltas, o lateral brasileiro Branco aproveitou a presença do departamento médico argentino para se refrescar com a água do adversário — e ficou levemente atordoado.

{ anos depois, Maradona admitiu sem o menor constrangimento que a água que Branco bebeu estava "batizada", num dos episódios preparados premeditadamente para pegar os brasileiros desprevenidos }

Machucado e jogando no sacrifício, Maradona só precisou de um único lance — genial — para acabar com a melhor apresentação da Seleção Brasileira na Copa de 90. Aos 35min, El Pibe dominou a bola no meio-campo, deixou Dunga e Alemão para trás e partiu com ela até a entrada da grande área. Ricardo Gomes, Ricardo Rocha, Mauro Galvão e Branco cercaram o camisa 10, que passou para Caniggia, absolutamente livre. O atacante tirou de Taffarel e rolou a bola mansamente para o gol vazio.

{ faltando dez minutos para o fim da partida, o pique de Maradona mostrou que sua condição física era tão perfeita quanto a sua inteligência no lance, quando chamou a atenção dos zagueiros brasileiros para que Caniggia pudesse receber sem marcação }

Caniggia dribla Taffarel e marca o gol da vitória argentina. No lance, o líbero Mauro Galvão literalmente bateu cabeça com o zagueiro Ricardo Gomes, evidenciando as falhas de posicionamento da defesa brasileira.

 A amarga derrota escancarou os problemas internos do time de Lazaroni: as divergências quanto às premiações, as brigas no elenco, as festas na concentração e as táticas pouco compreendidas pelos jogadores — o próprio líbero Mauro Galvão não entendia muito bem a sua função. Derrotada por si mesma, a Seleção Brasileira ficou com fama de mercenária. Começava a chamada "Era Dunga", do futebol defensivo, prosaico e de poucos gols. Taxado de grosso, o volante Dunga foi alvo de críticas. Dizia-se que um jogador como ele jamais teria condições de ser campeão do mundo.

{  estavam enganados }    

O duelo de eras: Dunga x Maradona. Enquanto Dunga seguia a linha de Lazaroni e declarava que "o futebol requintado não traz títulos", Maradona fazia uma média com os brasileiros: "O Brasil merecia ganhar, mas o futebol é assim mesmo".