sábado, 22 de março de 2014

1958 | O Prenúncio do Rei

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Sob o comando de Vicente Feola e com um inovador sistema 4-2-4, a Seleção Brasileira não deixou pedra sobre pedra durante a fase de preparação para a Copa de 58.

Em três meses de treinamento intensivo, o Brasil goleou em três dos cinco jogos preparatórios no território nacional. No Maracanã, fez 5 a 1 no Paraguai; no Pacaembu, goleou a Bulgária, por 4 a 0, e o Corinthians, por 5 a 0. Uma semana antes de estrear no Mundial, a equipe excursionou pela Itália e não perdeu o pique. Arrasou a Fiorentina, em Florença, e a Internazionale, em Milão; ambas, por 4 a 0.

Porém, durante o amistoso em Milão o técnico perdeu Pepe, titular absoluto, com o tornozelo machucado. O tratamento à base de gelo e água quente, diferente do que se vê hoje em dia, não foi capaz de salvar a participação do ponteiro santista no Mundial. Ainda assim, Pepe embarcou junto com a delegação para a Suécia.

Zagallo ganhou a vaga de Pepe na estreia, contra a Áustria, em Uddevalla, e manteve-se titular até o final da competição. Foi justamente pelos pés do velho lobo — na época, ainda jovem — que o Brasil começou a trilhar o caminho do título. Aos 37min de jogo, Mazzola aproveitou o cruzamento de Zagallo e fez o primeiro gol brasileiro em campos suecos.

O segundo veio logo aos 3min da etapa complementar. O lateral-esquerdo Nilton Santos arrancou com a bola dominada até o ataque — sob os protestos do técnico Feola — e, tabelando com Mazzola, deu um toque caprichoso por cima do goleiro Szanwald. A dez minutos do fim, Mazzola, o nome do jogo, acertou um belo chute com o peito do pé e tirou a bola completamente do alcance do goleiro austríaco: 3 a 0, placar final.

Mazzola marca o terceiro: estreia triunfante da Seleção Brasileira.

 Três dias depois, em Gotemburgo, as declarações dos jogadores ingleses espelhavam bem a expectativa que cercava a partida entre Brasil e Inglaterra, pela segunda rodada. O duelo foi bem disputado, mas o “melhor jogo da história das Copas”, no entanto, acabou sendo apenas o primeiro 0 a 0 da história das Copas.

Após o apito final, brasileiros e ingleses ficaram esperando no gramado o árbitro dar início ao tempo extra, o que, obviamente, não foi necessário. Os jogadores desconheciam o novo regulamento da fase de grupos, que não falava em prorrogação no caso de igualdade, salvo um eventual jogo de desempate.

Zagallo cumprimenta o goleiro inglês McDonald, depois de saber que o jogo tinha terminado mesmo.

 O Grupo 1 tinha Alemanha Ocidental (atual campeã), Argentina (vice em 30) e Tchecoslováquia (vice em 34), mas quem deu o que falar foi a inexpressiva Irlanda do Norte. Depois de eliminar a bicampeã Itália nas eliminatórias, os norte-irlandeses arrancaram um empate com os alemães e venceram duas vezes os tchecos — a segunda na partida de desempate. Mesmo perdendo para os argentinos, o time bretão se classificou em segundo lugar para as quartas de final. A Alemanha Ocidental ficou com a primeira vaga.

O grupo também marcou o fracasso da Argentina. Em seu retorno às Copas, os platinos foram humilhantemente goleados pela Tchecoslováquia, por 6 a 1, e voltaram mais cedo para casa. Na chegada à Buenos Aires, o elenco foi recebido com uma chuva de pedras e moedas.

A adversária da Irlanda do Norte nas quartas de final seria a França, destaque no Grupo 2. Sob o ritmo do brilhante Raymond Kopa — recém-coroado campeão europeu pelo Real Madrid e eleito o “Jogador Europeu do Ano” —, os azuis atropelaram o Paraguai, na estreia, por impiedosos 7 a 3. Com três gols na partida, Just Fontaine começava a sua caminhada rumo à artilharia do torneio.

O saldo para lá de positivo não fez diferença na derrota por 3 a 2 para a Iugoslávia, na segunda rodada — dois gols de Fontaine, que já chegava a cinco no total. Na última partida do grupo, a França venceu a Escócia, por 2 a 1 — um de Fontaine, passando a seis gols no torneio —, e terminou em primeiro lugar.

Fontaine fuzila o goleiro paraguaio no primeiro dos 13 gols que faria na Copa — um recorde jamais alcançado.

 Antes da Copa, a federação sueca de futebol permitiu que os futebolistas profissionais jogassem pela seleção de novo, o que possibilitou o retorno de jogadores que atuavam na Itália, como Gunnar Gren e Nils Liedholm, protagonistas do título olímpico de 1948, e do jovem promissor Kurt Hamrin.   

Fortalecida pelos profissionais, a anfitriã Suécia nem precisou brilhar no Grupo 3 para obter a primeira vaga. O México foi presa fácil e a Hungria já não era mais a mesma da Copa passada, principalmente depois que a Revolução Húngara de 1956 fez grande parte dos jogadores debandarem — Puskás, por exemplo, estava na Espanha.

Os suecos venceram México e Hungria, por 3 a 0 e 2 a 1, respectivamente, e ficaram no 0 a 0 — o segundo na história da competição — com o País de Gales. A equipe galesa empatou os seus três jogos na fase de grupos e conseguiu a classificação somente na partida de desempate contra a Hungria — vitória por 2 a 1. Ao lado da Irlanda do Norte, o País de Gales era a outra surpresa nas quartas de final.

Liedholm faz o 1° gol sueco contra os pobres mexicanos: ele faria também o 1° gol na decisão contra o Brasil.

 Faltava a definição do Grupo 4. A Seleção Brasileira precisava ganhar da fortíssima União Soviética, campeã olímpica de 56, na última rodada, para ficar com a primeira posição. O Brasil vinha de um 0 a 0 incômodo contra a Inglaterra, o que levou o chefe da delegação, doutor Paulo Machado de Carvalho, a consultar a opinião dos jogadores mais experientes, como Nilton Santos, Bellini e Didi, a respeito de mudanças na equipe.

Às vésperas da partida, o técnico Vicente Feola resolveu fazer três alterações. Tirou Dino Sani, Joel e Mazzola e colocou, respectivamente, Zito, Garrincha e Pelé — este último com apenas 17 anos.

Forçada ou não, a decisão fez com que a Seleção Brasileira nunca mais fosse a mesma.

Por uma ironia do destino, os dois gênios estrearam juntos na Copa do Mundo.




A história do menino que virou Rei está no texto seguinte,"1958 | Prazer, Pelé".