Para ler o texto anterior, "O Muro da Berlinda", clique aqui.
“Professor?” Era
a voz de Johan. O aluno dedicado, porém rebelde, se aproximou. Rinus, o
professor, estava à beira da piscina. Virou-se, e seus olhos brilharam ao ver
seu discípulo mais promissor. Johan agachou-se ao seu lado. “Professor, veja como o vento faz a água se
movimentar por todo o espaço da piscina.” Rinus,
atento, se curvou para ver. “Hmm, Johan, tive uma ideia! E se...”
O som do
primeiro golpe com o picador de gelo cortou-lhe a palavra. Seguiram-se outros treze, todos na nuca, num total de quatorze — o número preferido de Johan. O
velho Rinus caiu na água. A poça de sangue laranja se espalhou em ondas pela
piscina. Ondas concêntricas, observou Johan.
Se fosse
contado por Stanley Kubrick, teria sido assim o encontro à beira da piscina entre
Johan Cruyff e Rinus Michels, que originou a chamada “Laranja Mecânica” — o
time de futebol em que seus jogadores se movimentavam por todas as partes do gramado.
A verdade é que, da Laranja Mecânica de Anthony Burgess, imortalizada pelo
filme de Kubrick, a Holanda de 74 só tem o nome e, claro, o roteiro original de
uma das equipes mais encantadoras de todos os tempos.
A exemplo da obra-prima da literatura e do cinema, a Laranja Mecânica do futebol revolucionou uma era. |
A Holanda
estreou no Grupo C vencendo o Uruguai, em Hanover. Foi um vareio de bola,
apesar do placar humilde de 2 a 0, conquistado no fim do jogo — dois gols de
Rep. Mas o que chamou a atenção mesmo foi o futebol dinâmico e participativo de
uma equipe que não guardava posição. Liderados por Cruyff, os holandeses marcavam
os uruguaios no campo de ataque, dando pouco ou nenhum espaço para a Celeste.
Quando tinham a bola — a maior parte do tempo —, trocavam de lugar a todo o
momento, confundindo a marcação adversária. O melhor conceito de “posse de
bola” era apresentado ao mundo.
Na segunda
partida, diante da Suécia, em Dortmund, os gols não saíram, apesar das inúmeras
oportunidades criadas pelo time laranja. Parecia que o “Carrossel” havia emperrado,
mas não. Ainda no Vale do Ruhr, a Holanda trucidou a Bulgária, por 4 a 1 — dois
gols de pênalti de Neeskens, um de Rep e outro de de Jong — e confirmou um
favoritismo que nem todos concordavam.
"O time deles é bom, mas os holandeses não têm tradição em Copas e isso pesa. A Holanda não me preocupa. Estou pensando na final com a Alemanha Ocidental." Zagallo não mediu palavras para expressar seu pensamento sobre a sensação da Copa, mesmo depois de a Holanda massacrar a Argentina, por 4 a 0, na abertura do Grupo 1 da segunda fase do Mundial — dois grupos de quatro seleções no lugar do tradicional mata-mata, com o campeão da chave indo à final.
O Brasil, por sua vez, manteve-se aquém das expectativas. Venceu a Alemanha Oriental graças a um gol de falta de Rivellino (1 a 0), e a Argentina (2 a 1), com gols de Rivellino e Jairzinho. Na última rodada, a Seleção precisava ganhar da Holanda para ainda sonhar com o tetra.
Brindisi, de falta, marca o único gol da Argentina contra o Brasil. No primeiro clássico entre os rivais em Copas, a Seleção Brasileira fez a sua melhor partida. Mas venceu no sufoco. |
Já pelo o outro grupo, a Alemanha Ocidental nem de longe lembrava o time apático da primeira fase. O técnico Helmut Schön se reuniu com o elenco e exigiu um melhor futebol. A conversa surtiu efeito: as boas vitórias, em Düsseldorf, contra Iugoslávia (2 a 0) e Suécia (4 a 2), possibilitaram aos anfitriões jogar pelo empate na rodada decisiva, diante da Polônia, em Frankfurt.
Porém, antes de alemães e poloneses entrarem em campo, a chuva marcou presença. E com força. O gramado alagado fez a partida ser adiada em meia hora. Uma força-tarefa foi convocada: o Corpo de Bombeiros foi acionado para drenar a água com bombas de sucção, enquanto funcionários do Waldstadion percorriam o campo com rodos. Mas não teve jeito: o confronto foi disputado em meio a poças d’água. Em um jogo difícil — mais pelo adversário do que pela lama — o gol de Gerd Müller, aos 31min do segundo tempo, colocou a Alemanha Ocidental em sua terceira final de Copa do Mundo.
“Não vamos subestimar o Brasil. Eles não têm marcado muitos gols, mas também sofreram poucos.” Foi assim que o holandes Johnny Rep rebateu a piada do técnico brasileiro Mário Zagallo, que havia dito que os brasileiros celebrariam a vitória tomando Crush — refrigerante da década de 70, cor de laranja. Mas quem bebeu mesmo foram os holandeses. E que porre de guaraná.
O jogo foi tenso, e por muitas vezes
violento. O nervosismo fez com quem os jogadores brasileiros abusassem das
faltas. Mas a Holanda era lisa, rápida e mortal. Aos 5min do segundo tempo,
Cruyff cruzou da direita e Neeskens se esticou para acertar a bola e encobrir
Leão. 15 minutos depois, a jogada foi pelo o outro lado. Cruyff entrou pelo meio
e, voando, marcou o segundo gol. A expulsão de Luís Pereira, a 6 minutos do
fim, botou um ponto final na pífia campanha brasileira. Terminada a partida,
Zagallo se rendeu: “Perdemos para uma grande equipe”.
Enquanto a seleção canarinho via seu brilho desaparecer, a Laranja ganhava cada vez mais os holofotes.
Enquanto a seleção canarinho via seu brilho desaparecer, a Laranja ganhava cada vez mais os holofotes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário